Fuso Horário

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Eu sei que não estamos sozinhos nesse mundo, afinal, até mesmo o Estar-Sozinho possui a Solidão ao seu lado. Mas, às vezes, esqueço-me disso e quase me sinto uma ilha solitária velejando em gotas e mais gotas de um universo que não está cabendo em meu coração. Ou talvez seja eu quem não esteja mais se encaixando nesse mundo.

Quem sabe, eu tenha construído tantas penínsulas dentro de mim – apenas para tentar segurar entre os dedos tudo que amo –, que agora sou um gigantesco pedaço de terra abandonado no meio do Oceano Atlântico. E eu realmente acho que estou sendo dominada por um matagal de expectativas que nunca serão concretizadas. Mas hoje é o primeiro dia da primavera, e eu prometi a mim mesma que seria um dia bom. Prometi porque precisa ser, caso contrário, já não sei mais o que será de nós.

Então, logo quando acordei, jurei que faria de tudo para não ser negativa e nem me perderia nas confusões que já estão me causando tédio. No máximo, permitirei somente me perder na contagem de quantas nuvens há nesse céu que está desfilando sobre mim.

É um céu tão bonito, meu amor. Parece que a natureza gosta de criar imensidões que ultrapassam a barreira do infinito, assim, pessoas como nós, que simplesmente não enxergam tanta graça na rapidez da sociedade moderna, têm a chance de olhar para cima e admirar mil e uma possibilidades nesse pano azul. Entretanto, eu queria que fossem mil e duas, pois, ultimamente, sinto que nas tantas outras não há um verso sequer que diz que ficaremos juntas pela eternidade.

Honestamente, eu sempre fui uma pessoa que nunca esteve em um grupo verdadeiramente meu. As amizades eram constantemente passageiras, durando um pouco mais de um ano, e raramente me senti pertencendo a algum lugar que me lembrasse de um lar. Na verdade, nem na minha própria família conseguia estar ali de fato.

Mas, quando a conheci, eu tive a certeza de que você seria a minha casa. E se Edgar Allan Poe dizia que os olhos são as janelas para a alma, os seus são muito mais que isso. É uma passagem para um continente submerso em emoções que antes eu nunca vivenciara. Honestamente, é quase como se fossem o bilhete de entrada para nossa Zelândia, onde os míseros seis por cento emersos sobre a água é o que os outros sabem de nós. O restante – os noventa e quatro por cento ocultos – é o nosso baú do tesouro, o qual só se abre para aqueles que são tripulantes do amor.

Acontece que a vida é uma piada feita para quem gosta de ironias em momentos inadequados. Por isso, eu até poderia falar que piratas maldosos a roubaram de mim e que é por esse motivo que estamos nos afastando cada vez mais, contudo, você sabe muito bem que essa não é a verdade. A verdade é que você e eu era uma única chave, a qual abria a nossa caixa de preciosidades sentimentais. Mas, agora, ao destrancarmos o tal baú, você não sabe mais se quer encontrar nossos segundos juntos, ou a aceitação dos outros ou a si mesma.

É fato que você está indo embora aos poucos, e isso me faz pensar que, talvez, algumas pessoas estejam fadadas a serem nômades para sempre, condenadas a terem uma passagem breve na história dos outros e, cedo ou mais tarde, precisem partir. Talvez, essa seja a minha essência de escritora: Por não ser capaz de viver minhas próprias páginas, escrevo parágrafos e mais parágrafos que jamais serão realmente tão vivos.

E eu me pergunto se as coisas podem voltar a ser como antes, se são ciclos sazonais e logo retornarão ao cotidiano comum. Porém, mesmo que a resposta seja sim, a questão é que a pétala da flor que caiu no outono não é a mesma que floresce na primavera.

Estive pensando naquilo que você comentou, sobre sermos planetas com gravidades distintas. Percebi que ainda mantenho o que lhe disse, pois, por você, estou disposta a enfrentar o que for necessário. Mas e quanto a você? E se a sua família está puxando-a para um lado e eu para o outro, repartindo-a ao meio? E se eu, de tanto querê-la, também estou lhe fazendo sucumbir?

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