Um cara como eu

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Matthew

A música toca baixo no meu iPod, debaixo da minha árvore de sempre, observo o sorriso bonito que Helena dá pra sua amiga Valquíria. Por mais que somos amigos, não gosto de ficar o tempo todo colado nela, mesmo que essa seja a minha vontade, mas sempre que posso, dou espaço pra ela ter a vida dela longe dos meus problemas.

É bizarro da minha parte encontrar felicidade no meio do meu caos. Faz uns dias que Helena cuidou dos meus cortes, e eu não paro de pensar no que ela disse baixinho pra mim “você é perfeito”. Porra! Isso significa muita coisa vindo dela, é uma pena que logo depois ela me fez prometer algo por nossa amizade. Eu não quero só ser um amigo. É um impasse, tenho medo de afastá-la, ainda mais agora que ela me viu no meu pior.

Depois daquele dia, não conversamos muito. Helena anda bem ocupada agora que arrumou um emprego. Hoje ela disse que podíamos estudar juntos, como havíamos combinado aquela vez em que amarelei. Pensei em fazer uma surpresa, se eu mesmo posso me chamar de surpresa, indo buscá-la na sorveteria.

Fui embora mais tarde da faculdade, no lado de fora, vejo Faruk do outro lado da rua, se exibindo no seu carro esportivo e seus baba-ovo em volta. Desde que Helena ameaçou aquele babaca, ele me deixou em paz, coisa que nunca consegui fazer por anos. Depois de meia hora de atraso, meu ônibus finalmente aparece, vou direto pra casa e observo a bagunça, preciso arrumar isso antes de sair.

O bom de ocupar a mente é que não dou espaço pra ansiedade. Algum esforço a mais acaba tensionando meus cortes e acaba doendo, felizmente dessa vez, eles não inflamaram. Demorou até que eu deixasse o meu quarto o mais arrumado que pude. Olho pro relógio e ainda falta um tempo. Então resolvo tomar um banho antes de sair.

— Preciso cortar essa franja — falo pra mim mesmo enquanto me olho no espelho.

Passo a navalha nas pontas, repicando todas as pontas do meu cabelo, corto um pouco a mais que o costume, deixando mais a mostra o meu rosto. Troco de roupa e saio do apartamento. Vou caminhando em direção a sorveteria, procurei a localização no Google pra ter certeza, confirmei que já fui ali algumas vezes.

A fachada colorida com várias bolas de sorvete pintadas na parede indica o lugar. Entro ali e já ouço a risada doce de Helena, ela usa um boné com a logo do estabelecimento e apesar de diferente e meio cafona, ela continua linda. Meu incômodo veio em seguida, quando noto que o motivo da risada dela é um cara loiro, atlético e claramente boa pinta, exatamente o cara que todas as garotas correm atrás. O completo oposto de mim. Ele me nota, e vem mais pra frente do balcão.

— No que posso ajudar, amigo? — o loiro pergunta.

Só então que percebo que ele usa o mesmo boné e uniforme que Helena. Me aproximo mais, sem responder sua pergunta.

— Matthew — Helena praticamente me cumprimenta, ela tá mesmo surpresa ao me ver.

— Oi, pensei em te acompanhar até em casa, já que vamos estudar juntos — esclareço minha presença ali.

— Isso é ótimo, obrigada. Ah, Matthew, esse é o Arthur, ele é filho dos donos da sorveteria. Arthur, esse é o Matthew, meu amigo.

A palavra amigo me faz suspirar.

— Prazer, Matthew. — Arthur diz com um sorriso no rosto.

— Igualmente — digo, o mais frio que posso.

Ele percebe e fica sem graça.

— Eu já vou indo, até semana que vem, Arthur. Boa noite — Helena diz, tirando o boné e saindo de trás do balcão.

Acompanho Helena pelo lugar sem me despedir do Arthur. A pouca autoestima que tinha se foi ao ver aquele cara ao lado de Helena, o quanto eles parecem se dar bem juntos. Ele diria qualquer coisa que sente pra ela e não seria um covarde como eu sou.

— Tudo bem, Matthew? — Helena me tira da minha briga interna.

— Ah, sim, desculpa — peço, sem jeito.

— Eu que peço desculpas por ter sumido um pouco, confesso que tô meio sem tempo agora.

— Não tem que se desculpar por isso, Helena. Como tá lá o seu emprego, já percebi que não é chato — comento.

— Eu gosto de lá, não me deixa exausta pelo menos. E o Arthur me ajuda bastante também, sempre conversa comigo e não é autoritário. Ele toma conta da loja pros pais dele.

— Ele… parece legal — murmuro.

— Sim, ele é, outro dia, ele me acompanhou até em casa, no dia da chuva.

Saber disso me incomodou ainda mais, e sinto um gosto amargo na boca, efeito da ansiedade e estresse. Eu não sei se tô sendo muito paranoico, mas a partir do momento que botei os olhos nele, eu senti como se ele fosse a minha concorrência. Não que Helena seja um objeto pra gente disputar, mas qualquer um sabe que contra ele, um cara como eu nunca tem chance.

— Você cortou o cabelo…. Ficou bonito.

Levanto o rosto na mesma hora, Helena não tá olhando pra mim, percebo o seu rosto corado como de costume toda vez resolve me dizer algo do tipo. É esse jeito que acaba comigo, que eu passaria horas apenas olhando pra ela dessa forma.

— Obrigado. Tava me incomodando um pouco, precisava de um corte faz um tempo.

Nesse momento chegamos em frente ao nosso prédio. Ficamos em silêncio e evitei ficar olhando Helena pelo espelho do elevador, agora que cortei a franja, não dá mais pra disfarçar.

— Eu vou trocar de roupa e pegar o meu material primeiro. Já venho.

— Tudo bem — concordo e não entro em casa até Helena sumir de vista.

No meu apê, consigo respirar melhor. Chateado e com medo são apelido perto do que tô sentindo agora. Eu não posso ser tão lento assim! Eu já perdi tantas oportunidades que me sinto um idiota agora. Meu celular toca e atendo.

— Ah cara, não posso. Eu tô fodido numa matéria aqui e preciso estudar, se eu não passar meus pais nunca mais vão me deixar em paz. A gente ensaia outro dia — aviso ao Denis.

Faz tempo que a gente tá adiando os ensaios, mas preciso acabar logo a faculdade pra dedicar a banda.

— Preciso desligar, tchau, mano. — Desligo após ouvir batidas na porta.

Emo LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora