Curativo

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Helena

Não consegui parar de pensar no que o Matthew me contou, já foi ruim o suficiente ver o que aconteceu com ele na faculdade, imagina saber que isso acontece na sua própria família, ele não merece isso.

— Helena!

Pisco algumas vezes, olho para Val que me encara com as sobrancelhas franzidas.

— Estou te chamando e você ai no mundo da lua! O que aconteceu? — Val já questiona preocupada.

— Não é nada, só estou distraída hoje, me desculpe.

— Tudo bem, eu só queria saber sobre o seu emprego.

— Eu consegui. — Sorrio animada.

Não é grande coisa trabalhar numa sorveteria, mas foi o melhor que consegui. Parece que todas as vagas de emprego da cidade já estão preenchidas por alguém. Não sou de gastar muito, então vou sobreviver bem com meu salário.

— Isso é ótimo, tem desconto pra amigos? — Val me empurra com o ombro.

— Vou ver o que consigo fazer por você, mas espere, não quero problemas nos meus primeiros dias.

Rimos e paramos a conversa quando o professor chegou na sala. Observo meu lado esquerdo vazio e me pergunto de está tudo bem com Matthew, ele não veio hoje então não pude perguntar.

— Faz algum tempo que não falamos disso, mas como está, você e o Matthew? — Val murmura, me surpreendendo com a pergunta.

Imediatamente coro e fico sem jeito.

— Bom, acho que as coisas entre nós é só amizade e está bom assim — respondo.

No intervalo entre as aulas, mandei uma mensagem pra Matthew perguntando se ele estava bem. Mais tarde, no ponto de ônibus, olhei se havia alguma mensagem dele e não tive nenhuma resposta.

Tomei um rumo diferente, em vez de ir pra casa, segui pra o que agora posso chamar de trabalho. A sorveteria era próximo ao prédio da minha casa, o que me permitiria ir embora a pé mais tarde. Visto o uniforme da loja e olho mais uma vez o papel de instruções do que fazer.

Vejo uma pessoa entrando na loja, olho em volta e não há ninguém para atendê-lo no momento. Fico meio desesperada, pois eu ainda não sei mexer com as máquinas e nem onde fica o quê.

— Oi, eu gostaria de uma casquinha de baunilha e granulado, por favor — A garota pede.

— Claro — respondo.

Olho em volta por um momento e localizo a casquinha, em seguida observo a máquina como se ela fosse de outro mundo, pra minha sorte há uma placa com o nome dos sabores em cima de cada alavanca. Demoro um pouco mais pra achar o granulado, que estava no meio das bandejas tampadas. Mas por fim consigo montar a casquinha. Recebo o dinheiro e coloco sobre a caixa registradora.

— Olha só, não vou precisar te ensinar nada. — Um garoto loiro aparece na porta sorridente. — Eu vinha pra cá e vi você atendendo, fiquei da porta observando e você se saiu muito bem. Eu sou o Arthur. — Ele se aproxima e estende a mão pra mim.

— Eu sou Helena, mas acho que você já sabe — comento.

— Sim, eu vou ser seu mentor, ou seria, já que não precisou de mim. — Arthur de novo.

— Não sei se estou boa o suficiente pra garantir que não vou precisar da sua ajuda — aviso, sem jeito.

— Não se preocupe, eu sempre tô por perto. Afinal, vamos trabalhar juntos aqui, vou te orientar no que precisar.

— Obrigada — agradeço.

Percebo que Arthur repara bem em mim, fico tímida e desvio o olhar. Arthur tem uma pele branca meio bronzeada, o cabelo loiro e olhos claros, apesar do uniforme, consigo notar o seu visual praiano.

Arthur foi de grande ajuda, me explicando até os mínimos detalhes de como funciona cada coisa, me dando dicas de como não ficar muito cansada. Não é tão pesado o trabalho, mas você acaba andando de lá pra cá o tempo todo e isso já cansa bastante. No final do expediente, me despeço dele e caminho pra casa.

Minha preocupação só aumenta quando a mensagem que mandei mais cedo pra Matthew nem sequer foi visualizada. Quando chego no prédio, caminho depressa pro elevador e paro diante da sua porta. Bato e espero, mas ele não vem abrir. Talvez ele não esteja em casa. Não consigo mover meus pés e ir embora, então tento novamente, um minuto depois e ainda não tenho resposta. Me lembro da crise dele de ontem, parecia bem forte. Olho pra maçaneta e abaixo o metal e pra minha surpresa a porta está aberta.

Entro e tudo está meio escuro, meu coração perde uma batida quando vejo Matthew sentado no chão, com os joelhos perto do rosto e com os braços em volta deles.

— Matthew? — Me aproximo devagar e me agacho em sua frente.

Toco seu braço e ele ergue a cabeça. Matthew tem um olho roxo e lágrimas nos olhos, mas não é isso que me chama a atenção… nem o que me deixa em choque. São os cortes, os cortes em seus braços que afunda meu coração no peito. Além daqueles novos, havia marca de outros já cicatrizados apenas com a marca um pouco mais alta na pele.

Eu não consegui pensar, apenas o abracei e ouvi ele chorar. Eu mesma tenho lágrimas nos olhos por ele, com toda a minha compaixão assolando meu coração. Apertei ainda mais meus braços ao seu redor.

***
Fiquei um tempo com Matthew, ele não dizia nada e respeitei o seu silêncio, mas me mantive ali, observando um pouco aflita. Ele parecia sem graça, como ficou ontem.

— Matthew, precisamos tratar isso — falo, com a voz o mais calma que consigo.

Me levanto e estendo a mão. Ele pega sem hesitação e me acompanha até o meu apartamento. Peguei meu kit de primeiro socorros e comecei molhando as gazes, encostei sobre seu olho machucado, ele gemeu e se afastou minimamente. Limpei o sangue seco e coloquei um curativo pequeno.

Puxei o seu braço e olhei bem pra ele. Fiz o mesmo processo, mas aquilo estava bem além das minhas humildades habilidades. Matthew estava aéreo, com os olhos longe dali.

— Matthew, acho melhor te levar ao hospital, isso deve precisar de pontos — comento.

— Não, não precisa — Ele finalmente me dirige a palavra, recolhendo o braço. — Não quero ser bombardeado de perguntas.

— Deixe que eu pelo menos enfaixe — ofereço.

Matthew estende o primeiro braço de volta. Passo em volta do seu braço pálido e prendo com esparadrapo.

— De novo isso, você já deve tá cansada disso. Mais uma vez estou aqui te dando trabalho. — Matthew diz olhando pra mim com tristeza.

— Ei! Não diz isso. Vou sempre estar aqui pra te ajudar… — Corrijo. — sei que você não quer perguntas, mas não posso evitar de fazê-las, Matthew. O que aconteceu com você?

— Liam veio dar o troco, quando minha mãe chegou a gente tava brigando pra valer, depois disso teve uma discussão entre todo mundo. Como sempre Liam escapou ileso da culpa e eu fui o arrogante descontrolado que meus pais me veem. É tão injusto que eles não vejam como o Liam é, o que ele faz! Eu não suporto mais isso.

— Ah, Matthew! Eu sinto muito — lamento.

— Obrigado, Helena. Eu… nunca contei sobre isso pra ninguém, não queria te envolver nisso também, eu sou um desastre. — Matthew coloca a cabeça entre as mãos.

— Matthew, não. Você é… você é perfeito — murmuro a última parte, meio envergonhada.

Matthew levanta a cabeça e me encara. Desvio o olhar e remexo na minha caixa de primeiros socorros.

— Me promete que não vai fazer mais isso, por favor. Pela nossa amizade — peço depois de um tempo de silêncio. — Não precisa ter medo de me contar ou pedir ajuda, mas não encare isso sozinho, não se machuque mais.

— Eu prometo.

Seguro sua mão e Matthew observa meu ato, sua mão pálida e fria aperta a minha de leve, depois acaricia as costas da minha mão com o polegar. Eu espero nunca mais ter que ver Matthew machucado, em todos os sentidos.

Emo LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora