Capítulo 4 - Aguardando...

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Três Corações - BRASIL, sábado, 14 de junho de 2014


Um Volare modificado seguia pela rodovia Fernão Dias em alta velocidade. No volante, um jovem robusto e presunçoso pisava fundo no acelerador, deixando carros e caminhões de cargas agrícolas para trás. O dia estava claro e quente, o céu, com poucas nuvens.

Dirigia ao som de Red Hot Chili Peppers e os inconfundíveis acordes de Californication. Não cantava bem, mas acompanhava a melodia numa boa.

Depois de horas e horas ininterruptas dirigindo pelas rodovias federais, deixava agora o asfalto para trás e se aventurava pelas estradas de terra do interior mineiro. Uma nuvem de poeira subiu no retrovisor, engolindo a visão da rodovia. Mãos firmes no volante, nenhuma expressão de cansaço no rosto.

Olhou o retrovisor interno, no alto da cabine, refletindo a imagem da chapa de aço que dividia o veículo modificado em duas partes, imaginando se não estaria indo rápido demais e atrapalhando alguma coisa lá atrás. Deixou passar, se tivesse incomodando, alguém já teria reclamado. A carcaça de um carro queimado chamou sua atenção. Aquilo era um sinal de que aquele lugar pacato também era uma área perigosa. Mas isso não importava. Estavam preparados.

- Chegamos! - exclamou ao parar no local indicado pelo GPS. - Mas não vejo nada além de mato. Será que esse é o lugar certo? - e tocou na tela do iPhone. - É, é o que parece.

Mexia no aparelho ainda quando uma voz grave e pesarosa ecoou pela cabine do veículo.

- Rocky, ative a antena e fique atento.

- Entendido!

Obedecendo à ordem, Rocky manobrou o carro de ré, retirando-o da estrada de terra, e o estacionou à sombra de algumas árvores e desligou o motor. Em seguida pressionou um botão que estava abaixo do volante, acionando uma antena metálica que estava no teto do veículo, que se ergueu lentamente, apontando para o céu azul um rubi brilhante, fincado na ponta de sua extremidade.

- Tudo pronto. - disse Rocky. - Agora é só esperar.

E realmente esperou... por horas, horas e horas. Fato que o deixou angustiado.

Rocky era um homem da cidade grande, da balbúrdia, dos jogos de futebol e dos churrascos nos fins de semana. Odiava a monotonia do campo. "Não nasci pra isso", era o que ele sempre dizia quando questionado por familiares sobre a possibilidade de morar nas fazendas do pai, no interior do estado.

Decidiu descer do veículo e se afastar um pouco, para esticar as pernas e urinar. Checou o motor, a antena, os pneus, tudo estava ok.

Observou alguns pássaros que desciam em torno do perímetro à procura de alimento. Considerava-os seres majestosos, apesar de não saber o nome de nenhum deles. Borboletas de várias cores e tamanhos, que ziguezaguavam pelas flores do campo, batendo suas asas multicoloridas, fizeram com que Rocky se lembrasse de alguém que ele não queria lembrar.

Gaia.

- Aquela cretina era apaixonada por esses bichos. - disse olhando uma borboleta de asas vermelhas. - Quanto mais exótico, mais deslumbrada ficava.

A lembrança de um acampamento onde encontraram um borboleta de cor roxa lhe veio à mente. Ela era linda, grande, com leves pintinhas amarelas em torno das asas. Gaia ficou tão encantada com o inseto que comprometeu a memória do celular com tantas fotos e vídeos.

Mas Rocky não queria ficar pensando nessas coisas.
Passado é passado.
Não volta mais.

Retornou ao veículo, sentou na cadeira e, de braços cruzados, cochilou.

Então teve um sonho.

Sonhou que estava dentro de um lago de águas escuras. Uma névoa encobria o horizonte servindo de cortina para o que parecia ser um sol sem brilho. Pessoas estavam ali, junto dele, várias pessoas. Pareciam rezar em silencio por alguém. De repente algo começou a emergir do fundo lago, provocando ondas circulares.

Rocky temeu.

Assustado, viu o corpo inerte e despido de uma pessoa aparecer, uma mulher, de pele branca e olhos amendoados. Ao avistar o cadáver todos começaram a chorar. Ele não sabia quem era aquela mulher ou o que tinha acontecido com ela, não entendia o porquê das pessoas chorarem por ela.

Rocky passou a sentir um estranho sentimento em seu coração, um sentimento de culpa, como se de alguma forma ele fosse o culpado pelo que aconteceu com aquela mulher de olhos amendoados. Foi quando ergueu os olhos e olhou na direção do horizonte, onde o sol sem brilho, acortinado pela névoa, estava, e de alguma forma entendeu que aquilo não era um sol, mas um olho, que o encarava e o julgava.

Rocky abriu os olhos, despertando do sono, e ficou pensativo. Mas não teve muito tempo para ponderar no que sonhara.

Uma Kombi branca estava estacionada ali, na estrada de terra, como que bloqueando o caminho.

- Merda! - disse ao ver dois homens avaliando a situação. Então abriu a porta e desceu do veículo.

- E aí, mano? - disse um dos homens, um que era gordo e barbudo. - O que tu tá fazendo aí?

- Nada, só um trabalho de campo pra faculdade - Rocky respondeu.

- Pra faculdade, mano? - O gordão questionou sem acreditar muito. - Com essas parafernálias todas aí, mano? Essa van parece até um tanque de guerra.

- Só parece. - Rocky respondeu.

- Tá pensando que a gente é otário? - perguntou o outro, que era magro e usava bigodes.

- Não, não é nada disso. - Rocky respondeu. - O trabalho é sobre questões climáticas, é por isso que estamos usando a antena.

- Mano, a gente precisa ver o que tem dentro da van. - o gordão falou.

- Mas por quê? - foi a vez de Rocky questionar, fazendo o homem magricela sacar uma arma e esbravejar.

- Porque a gente tá mandando, seu filho da puta! Abre logo a porra dessa van e mostra o que tem dentro.

- Calma, mano. - disse Rocky erguendo as mãos. - Não precisa dessa violência toda. Não tem nada na van que interesse a vocês.

Mas o homem magricela não queria saber de desculpas e foi pra cima de Rocky apontando a arma para ele.

- Abre logo a porra dessa van, seu filho da....

A reação de Rocky foi tão rápida que não durou mais que um segundo. O gordão viu, mas acreditou. Como ele fez aquilo? Como ele tirou a arma do seu parceiro e lhe quebrou o nariz daquela forma? Aquele homem não era um homem comum e não estava ali pra fazer pesquisa coisíssima nenhuma.

Mas o gordão já não queria ficar para descobrir. Tentou correr, mas se desequilibrou com o próprio peso, caindo no chão umas quatro vezes antes de alcançar a Kombi, sujando a camiseta que usava.

O homem magricela se levantou apertando o nariz para conter o sangramento.

- Isso não vai ficar assim. - dizia.

- Claro que não, vai inchar. - zombou Rocky.

- Você vai ver...

- A única coisa que eu vou ver é o seu corpo perfurado com as balas dessa arma se você aparecer na minha frente outra vez. Agradeça a Deus por sair dessa vivo, meu amigo. Em outras circunstâncias você já estaria no saco.

Os dois homens entraram na Kombi e seguiram ladeira acima enquanto Rocky retornou para o Volare para informar o ocorrido.

A ORIGEM DA GUERRA - O MUNDO PERDIDO DOS FILHOS DE ADAM - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora