Capítulo 12 - Santa-do-pau-oco

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São Gonçalo do Amarante - BRA, sábado, 14 de junho de 2014

Tales olhava as crianças brincando na chuva da janela de sua casa. Pés descalços, a bola rolando, corriam, pulavam, escorregavam, caíam, mas logo se levantavam e continuavam a brincadeira.

- É isso aí, pivetada! - disse ele. - Aproveitem enquanto podem. Pois o tempo é cruel e implacável. Logo virão dias em que esses dias serão esquecidos e serão apenas uma saudosa lembrança.

Aline dormia tranquila na cama, as nádegas da morena expostas sobre o lençol. Tales deu um beijo nela e a cobriu. Desceu as escadas para ir ao banheiro da cozinha. Precisava queimar o sêmen.

Ignorou o vibrado do iPad, deixado na mesinha da sala. Com certeza era seu pai, atrás de informações sobre o ocorrido no cemitério.

- Não tenho nada pra você, pai - disse ele.

Na cozinha, enquanto bebia água, associava as informações dos acontecimentos recentes.

- Maldita Vidente! - disse ele ao lembrar da visita de Bianka Vasconcelos. 

O Ford Fusion branco estacionou em frente ao casebre onde Tales e Zero conversavam, uma semana antes do assassinato de Geovana Nakamura.

A vidente saltou do carro, incomodada com a luz do sol matutino sobre seus olhos.

- Ora, ora - disse Tales -, vejam quem resolveu aparecer?

- Oi pra você também, Tales - ela respondeu se escorando no capô.

- Você sabe que não é bem-vinda aqui.

- É, eu sei. - Bianka respondeu sem interesse no assunto. - Mas não se preocupe. Não vim fazer oposição. Ao contrário, vim pedir ajuda.

Tales, de braços cruzados, ergueu uma sobrancelha e olhou para Zero, que apenas ergueu os ombros.

- O que você quer? - Tales indagou.

- Quero que um de vocês entregue meu carro à minha família e o outro me leve à faculdade onde Geovana estuda. Em troca lhe darei o nome do traficante que conhece os segredos de Raiden.

- Como é que é?! - Tales indagou descrente.

- Antes que me questionem - Bianka reagiu rápido -, eu preciso encontrar Órion, e Geo é a única pessoa que pode fazer essa intermediação.

Tales se aproximou de Bianka, analisando a jovem de cachos dourados, percebeu que ela estava mais magra e mais pálida, com o semblante cansado. Ainda assim, sem se preocupar, permaneceu olhando no fundo de seus olhos.

- Você nunca apoiou nossas ações - disse ele.

- Porque lugar de bandido é na cadeia - Bianka retrucou -, e não debaixo da terra.

- Não havia cadeias em Israel - argumentou Tales.

- Mas havia cidades de refúgio - contra-argumentou Bianka.

- Para quem derramava sangue involuntariamente. - Tales rebateu.

- Mas havia uma chance.

- Isso se o vingador não encontrasse o suspeito pelo caminho primeiro. - Bianka se calou. - Por que não assume que estamos certos?

- Porque estão errados.

Tales, irritado, segurou Bianka pelo pescoço e a ergueu do solo. A Vidente se debateu, tentando se livrar, mas sem sucesso.

- Acha mesmo que pode vir aqui, depois de tudo o que aconteceu? - Tales disparou. -  Acha que pode aparecer assim e barganhar conosco, sua santa-do-pau-oco? Já esqueceu que pessoas morreram por sua causa, e agora quer compensar isso entregando um mísero traficante?

- Mano, solta ela - disse Zero, intervindo na situação. - Ela não tá legal.

- Ah, é? - Tales ironizou enquanto Bianka se debatia. - E como é que você sabe?

- Tu ainda tá vivo, porra!

Tales avaliou a questão, sabia que Bianka era muito poderosa, e que se quisesse acabaria com ele sem fazer muito esforço. Tinha que aceitar, a Vidente não estava bem, e pensou até em se aproveitar do fato. Mas acabou cedendo aos apelos de Zero, largando a jovem, que caiu no chão barrento.

- Se essa santa-do-pau-oco não está bem, ela que procure a porra de um médico. - disse Tales à Zero, que ajudava a jovem se levantar. - Já deveria saber que o Vale de Refúgio não é hospital, muito menos manicômio.

- Mano, tu não ouviu quando ela disse que ia encontrar a Chinesa? - Zero questionou.

- O que essa santa-do-pau-oco disse foi que usaria a maldita Chinesa para intermediar um encontro com Órion. - Tales retrucou. - Tu acha mesmo que Órion aceitaria se encontrar com ela depois de toda putaria que aconteceu?

- Mano, eu num tô nem aí pro que Órion vai fazer - rebateu Zero -, se Bianka tem um nome que pode ajudar a gente a descobrir os segredos de Raiden, eu topo. - e olhou para Bianka. - Tô dentro. Quem é o cara?

- Mano, você é quem sabe. - Tales falou. - Mas lembre que ela nos deve muitas explicações.

- Vocês é quem me deve. - Bianka rebateu.

- Eu não te devo porra nenhuma! - Tales exclamou apontando o dedo para Bianka. - Que isso fique bem claro!

- Se não fosse por mim, jamais teriam encontrado a Jamile e nem descoberto sobre o maníaco da escola. E você me prometeu que me ajudaria quando precisasse.

- Não, eu não prometi.

- Mas eu sim. - disse Zero se interpondo entre eles. - Mano, se tu não quer saber quem é esse cara, beleza, não tem problema nenhum. Só que eu quero. Deixa que eu levo ela pra faculdade, e se tu não quiser levar o carro lá pra família dela, pode deixar que eu levo quando voltar.

E Tales não levou o carro para família de Bianka. Zero que o fez quando retornou.

- Espere - disse Bianka à Zero. - Preciso orientá-los antes de sair. Fiquem atentos, forças sobrenaturais espreitam nas sombras. Algo me afetou, tirando meu equilíbrio emocional. Não será diferente com vocês.

- Ah, é mesmo? - Tales zombou.

- A guerra irá começar em uma semana. - Bianka falou com lágrimas nos olhos.

- Que venha! - Tales respondeu.

Bianka assentiu e Zero a conduziu para seu veículo, um fusquinha turbinado, estacionado perto do riacho.

- Essa é a diferença entre nós e os idiotas da Ômega, Bianka. - Tales bradou com orgulho. - Talvez tenha sido por isso que você tenha vindo aqui, pedir nossa ajuda, porque sabe que não encontraria coragem do outro lado. Coragem pra fazer o que precisa ser feito. O que deve ser feito. Você diz que aí vem uma guerra. Beleza. Nós estamos preparados.

Bianka ouviu o brado de Tales, mas decidiu não responder. Entrou no fusquinha de Zero e, com ele, foi embora do Vale de Refúgio.

- Maldita Vidente. - disse.

Tales ponderava: uma semana depois da profecia de Bianka, Geovana Nakamura e o casal de médicos gays das Dunas foram assassinados. Órion e sua equipe, incluindo a própria Vidente desapareceram. Yasmim Amaral quase foi assassinada e a trégua entre Raiden e Nakamura prestes a ser quebrada, o que traria uma guerra sem precedentes na cidade.

- A guerra começou. - disse. - Nisso você acertou.

E lembrou do que Yasmim Amaral lhe disse: "hoje será a última vez que Iracema disparará suas flechas". Não acreditou no início, mas, agora, precisava ter certeza.

- E só tem uma forma de saber a verdade.

A ORIGEM DA GUERRA - O MUNDO PERDIDO DOS FILHOS DE ADAM - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora