Trinta

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20h10

Meus sentimentos eram os mais letais. Minha mente estava atordoada; depois que aquele celular parou de tocar, eu sabia que algo eu deixaria para trás.

Mas não deixei. Levantei e peguei o aparelho, digintando rapidamente a minha senha e retornando a ligação. Chamou...Chamou...Chamou...
A angústia estava me tomando, as lágrimas não paravam de cair, pesadamente, sobre o meu moletom preto.

"Alô?" Ele disse em um tom exasperado. Aquela voz. Aquela maravilhosa voz que jamais sairia da minha cabeça. E só naquele momento eu me dei conta do quanto eu precisava ouvi-lo; as lágrimas cessaram em instantes, segundos exorbitantes em que a pressão do banheiro me exaustava.

"Alô...?" Ele repetiu, sua voz denunciando o quanto ele estava como eu; chorando demasiadamente, ele continuou. "Flávia, pelo amor de deus, eu nunca falei tão sério: eu te amo muito. Eu estou sentindo sua falta — ele soluçou — não aguento mais. Desisto."

Meu sorriso apareceu, junto a lágrimas, junto a vontade de tê-lo, junto a vontade de correr de volta para vê-lo.

"Rafael...eu..estou sentindo muito a sua falta." Limpei as minhas lágrimas com o dorso da mão e continuei. "Obrigada por ligar."

Pensei sentir seu sorriso através da linha e meu sorriso se alinhou ao dele. E, repentinamente, estávamos rindo.

"Eu que devo agradecer. Você... — Ouço barulho de uma porta batendo e uma voz feminina gritar "Rafael!" — Flávia, eu preciso que você venha até aqui!"

Já sabia quem era. Sayuri, com certeza. Eu não poderia negar os ciúmes, mas se ele ligou, deve ter uma boa razão. Permaneci em silêncio.

"Flávia? — "rafa, eu fui atrás dos pães doces...com quem está falando?" — Flávia...?! — "Rafael, eu não acredito! Para de ligar, você é teimoso!" — Não, espera, não!!"

E ele ou ela desligou. Me sentindo um trapo, novamente, saio do banheiro. Ao voltar para a sala, percebo que Mila dormiu assistindo série. Desliguei a tevê e caminhei até o quarto de Luís, que ainda estava fora de casa; peguei minha mala, a arrumei em poucos minutos e coloquei uma jeans, disposta a ir atrás de Rafael.

Saí sem fazer barulho, para Mila não interromper dizendo para eu não correr atrás.
Chamei o elevador e, quando o mesmo chegou, me deparei com Luís. Não sabia que ele voltava tão cedo do trabalho, ou sabe lá do que.

Ele me analisou de cima a baixo, com uma expressão surpresa e decepcionada.

"Para onde vai?" Ele perguntou, seu tom indignado.

Não havia saída, nenhuma desculpa me passou pela mente e eu precisava ir logo.

"Vou voltar para o apartamento do Rafael." Ele me olhou ainda mais indignado.

"Não! Flávia, o que deu em você, você..está maluca?! Vocês terminaram!" Ele saiu do elevador e segurou com força o meu braço, prevendo a minha fuga para dentro do elevador. "Não. Lhe tirei de lá e você estava terrivelmente abalada e agora..Você quer voltar?" Ele parecia mais brando.

Olhei para seus olhos, suplicando por aquele pequeno ato.

"Sinto falta dele, ele sente a minha. Ele me ligou, Luís!" Falei, quase gritando, sentindo que minha sanidade estava indo embora.

Estava tudo ficando turvo. O rosto de Luís ia ficando escuro, a luzes se apagando, sua voz falando "Flávia" enfraquecendo e meus joelhos se dobrando.

21h00

Meus olhos se abriram lentamente e as imagens, antes distorcidas, começaram a se tornar focadas. Vi rostos que logo reconheci: Luís e Mila. Eu estava jogada no tão conhecido sofá do apartamento de Luís, as paredes amarelas com papéis de parede diversos estavam sendo iluminadas por...velas? Velas. As luzes, todas apagadas e a pouca claridade estava me dando náuseas.

Separados Por Um CanalOnde histórias criam vida. Descubra agora