Capítulo I

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♦AVISO: PODEM HAVER ERROS DE DIGITAÇÃO.♦

Maisha

As labaredas da fogueira alta e o sangue vermelho em cascatas, juntamente com os gritos dolorosos, se misturavam diante de meus olhos, tornando tudo o que acontecia ao meu redor pequeno e insignificante demais para que detivesse ao menos um resquício de minha atenção. Meu corpo flamejava, eu estava prestes a entrar em combustão.

Aquilo não era mais uma novidade para mim. Há uns anos, eu mal conseguiria me manter de pé presenciando cenas desumanas como aquela, porém hoje sei que essa é minha realidade. Minha e de meu povo. E para nosso desalento, não mudaria tão cedo.

O capitão do mato insistia em supliciar aquele desgraçado escravo. Pobre miserável. Suas costas não ostentavam mais a pele escura, tanto pela cor, quanto pelo Sol que tomava todos os dias; agora era uma mistura de sangue seco, e o novo que jorrava a cada nova investida do chicote. Sua pele estava em carne viva, com protuberantes cortes por toda a região.
Já era tarde da noite. Eu estava dormindo quando os choros piedosos e gritos de ódio invadiram meus ouvidos me despertando de um sonho bom, diretamente para um pesadelo. Estava tudo um completo caos.

Levantei totalmente tonta, e corri o máximo que pude, mesmo ouvindo a voz da sinhazinha me chamar pedindo para não ir, até chegar no terreiro. Era um dos meus ali, não poderia simplesmente ignorar.

Não foi preciso perguntar nada a ninguém para eu conseguir entender o que acontecera. As lamúrias do homem, e as palavras enraivecidas do capataz, enquanto o arrastava, faziam-me crer que ali estava um escravo fujão, totalmente desafortunado, que havia sido pego, e que agora pagaria um preço muito doloroso por sua rebeldia.

Quando o chicote foi levantado pela primeira vez, e logo em seguida o som misturado da pele sendo estraçalhada, simultaneamente com o grito gutural, meus olhos se fecharam numa súplica silenciosa para que aquilo parasse.

Dez, vinte, trinta...trinta e cinco chibatadas. Eram cinquenta. Não sabia se ele aguentaria.
Como na maioria das vezes, meu corpo entrou numa espécie de torpor, e tudo a minha volta não passava de um borrão. Eu estava hipnotizada, estarrecida. Toda a energia do ambiente era sofrimento. Puro e cru sofrimento. Quase podia sentir a ponta de couro trançado estalando em minhas costas, rasgando minha pele. Era impossível não sentir. A dor que tudo aquilo transmitia era imensurável.

Somente quando o som do chicote parou, foi que tornei a soltar o ar que estava prendendo. Respirei dolorosamente, e olhei ao meu redor. Todos ali, não somente eu, havia saído de seus transes, e se dirigiam agora de volta para a senzala, ou suas casas. Virar as costas para um negro num tronco era normal. Ele era apenas um tolo miserável, burro o suficiente para fugir e ter se deixado capturar. E para eles, servia com uma lição. Um exemplo para nunca seguir.

Agora, só havia ali poucas pessoas. Junto do escravo ferido, estavam dois homens tentando o erguer sem piorar suas condições, uma mulher que chorava desolada, e uma moça. Deviam ser sua família.

—Volte a dormir, Maisha. — me assustei ao ouvir a voz de Rodolfo perto de mim. — Tudo já acabou.

Seu tom de voz era calmo e gélido, haja vista que ele já estava habituado àquilo. Senti-me enojada por tamanha frieza, e insensibilidade. Eu sabia que Rodolfo era um capitão do mato, e tinha que agir como tal, porém não conseguia encará-lo naquela figura tão repugnante. Ele era meu amigo, um bom amigo. Estava ali porque era pobre, e precisava de um serviço, conquanto não conseguia assimilar aquela figura masculina grotesca e desalmada, ao homem que me oferecia gentilezas e conversas amigáveis.

—Quem irá cuidar das feridas daquele homem? — perguntei-lhe, enquanto meu olhar desviava de seu rosto, para o grupo de pessoas que já se afastavam.

Adinkra: O Poder do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora