Capítulo III

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AVISO 1: PODEM HAVER ERROS DE DIGITAÇÃO.

AVISO 2: OS FATOS RETRADADOS SÃO OS MAIS FIÉIS POSSÍVEIS.

"Onde vais à tardezinha,

Mucama tão bonitinha,

Morena flor do sertão?

A grama um beijo te furta

Por baixo da saia curta,

Que a perna te esconde em vão..."

-Poema "Maria", de Castro Alves.

Maisha

Afaguei minhas pesadas saias, e admirei por um instante meu reflexo no espelho do quarto de Alícia. Minhas roupas eram coloridas e alegres. O vermelho de meu turbante* contrastava com as flores amarelas de minha saia.
As vestimentas que utilizo são muito diferentes das usadas pelas outras escravas.

Em geral, suas roupas são vestidos, ou blusas e saias totalmente assimétricas, de tecidos de algodão grosso e áspero, sem cores e estampas.
Seus pés andam descalsos sobre a terra, desprotegidos contra o calor e as pedras afiadas, que causam pequenos cortes sobre a pele mal cuidada. Ainda, a grande maioria delas não possuem cabelos, haja vista que todos em nosso meio, até mesmo os senhores e sinhás, sofrem com as pequenas pragas capilares*, que causam feridas em nossas cabeça.
Eu e mais algumas, juntamente com as mulheres da casa grande, tínhamos nossos cabelos intactos. O segredo se deve ao creme de ervas que Berenice passava em mim quando eu ainda era criança, e que mais tarde me confidenciou a receita.

Não é de meu intento ser hipócrita. Devido a isso, não serei.
Mentiria caso dissesse que não sou
privilegiada.

Ainda sou uma escrava, no entanto as condições em que me encontro são muito menos insalubres que as de meus companheiros.
Possuo comida um pouco melhor, vestimentas melhores, não trabalho na lavoura, e sou tratada dignamente por alguns.
Contudo, trocaria qualquer coisa por minha liberdade.
Por obséquio, não me taxe como ingrata. Sou verdadeiramente agradecida pela sorte que Olorum* me proporcionou, ao me dar condições menos sofridas para viver. No entanto, queria eu poder partir para minha terra-mãe. Poder tocar meus pés no solo sagrado da África; poder louvar a meus deuses sem medo; poder viver de verdade junto ao meu povo.
Eu daria tudo por isso.

Saí sorrateiramente do quarto, e desci apressada até a cozinha. Eu não havia dormido praticamente nada, apenas alguns longos cochilos aleatórios.
Ainda estava escuro, porém esta era a hora adequada para o preparo do café.

Enchi a fornalha do fogão com grossas toras de lenha, e após alguns minutos assoprando a pequena brasa, vi o fogo irradiar por entre a madeira seca e chamuscada.
Com certa dificuldade, coloquei o grande caldeirão de ferro cheio de água sobre umas das chapas do fogão.

Alguns minutos depois, o cheiro forte de café inundou o ar. Aspirei levemente o aroma da bebida, e fechei os olhos instantaneamente. Eu adorava o cheiro de café. Era um dos pequenos e simples prazeres que eu tinha comigo.

— Bom dia, minha kyauta.*— me assustei ao ouvir a voz de Berenice. Estava tão perdida em meus pensamentos, que nem ao menos a ouvira entrar.

Sorri carinhosamente para a figura mais velha à minha frente. Ela era uma espécie de mãe para mim.
Me criara desde que minha mãe partiu desta terra. Eu não a conheci. Berenice havia me dito que ela faleceu poucos meses após meu nascimento, devido a uma grave febre. Desde aquele tempo, a velha escrava bondosa tem sido tudo que tenho.

— Bom dia, mama*. — disse depositando um beijo em seu cálido rosto, ao mesmo tempo em que mexia a grande quantidade de angu que abarrotava a panela de barro. — Como passou a noite? — perguntei a olhando de esguelha.

Adinkra: O Poder do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora