Cap. 10

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Eu encontrei
Cavalos de brinquedo
Eu encontrei
O engolidor de fogo
Eu encontrei
Algodão-doce
Eu encontrei ouro

Amanda Jenssen – The Carnival

◈◇◈

(Eliel)

– Sua irmã sempre demora assim no banheiro? – Henri perguntou enquanto ajeitava os óculos de maneira quase impaciente e encolhi os ombros.

– Ela tem certos... Problemas quanto a ir em lugares públicos, deve estar nervosa e xingando e... – parei ao avistar uma garota baixinha e com os cabelos escuros bagunçados correndo em direção à casa de espelhos como se dependesse daquilo para viver.

O que aquela idiota estava fazendo? Agora ela gritava e gesticulava para o homem que ficava na entrada recolhendo os bilhetes, ele parecia bem irritado e a Lis parecia bem... Louca.

– Olha eu acho que é ela bem ali – apontei para Lis com os olhos semicerrados e Henri suspirou.

Estávamos prestes a encontrá-la quando a doida passou por baixo do homem e saiu correndo para dentro da casa de espelhos. Se ela fosse alta aquilo com certeza não teria acontecido.

– Volte aqui sua garota idiota! Quando eu te pegar eu...

– Ei, ei, calma aí! – Henri interrompeu o homem furioso e sorriu do melhor jeito que parecia conseguir. – Por que ela saiu correndo daquele jeito? O que disse pra ela?

– Eu não disse nada para aquela maluca, ela quem insistiu que o irmão dela tinha entrado aí e tinha que ir atrás dele – o homem respondeu e bati com a mão na testa.

Dava para ver claramente que ela não estava perseguindo criança nenhuma, estava só correndo feito uma pirada, o que havia dado nela?

– Meu Deus... – murmurei e o homem cruzou os braços, desconfiado.

– O quê? Vocês conhecem ela?

– Não, não, claro que não – respondi de forma apressada balançando as mãos na frente do corpo.

Se aquela imbecil estava encrencada simplesmente por ser louca então era melhor que estivesse sozinha nessa.

– Sim, ela é minha amiga e esse é o irmão dela, provavelmente quem ela estava procurando de maneira tão... Desesperada – Henri respondeu e revirei os olhos.

– É, eu tentei explicar pra ela que ninguém entrava aqui havia mais de dez minutos, mas ela não parava de dizer que tinha que ir atrás do irmão.

Parei e respirei fundo. Lis não ficaria tão alterada se não tivesse certeza de que era eu, seus problemas com pessoas não permitiam que ela passasse vexame em público a não ser por algo que fosse realmente sério.

E isso me deixava preocupado. Ela já estava agindo meio estranho desde que chegamos na casa nova e encontramos aquelas bonecas medonhas, e tudo bem que ela tinha medo e tudo o mais, mas ninguém ficava tão esquisito somente por estar com medo – ou pelo menos era o que eu pensava.

– Temos que ir atrás dela – eu disse e Henri voltou a atenção para mim como se estivesse desconfiado. – Olha a Lis tá esquisita já tem um tempo e depois dessa eu tô realmente preocupado.

– Hum, ok então... Quanto é a entrada? – Henri perguntou e o homem bufou.

– Ah não, vem com isso de novo não! Não aceito dinheiro, só é permitido a entrada com os ingressos, ingressos!

Nossa, tá, foi mal! Vamos, Eliel – Henri chamou e o segui até a pequena barraquinha onde eram vendidos os ingressos para os brinquedos do parque.

Lis... Eu esperava de verdade que ela não tivesse feito nenhuma besteira ainda.

Já era uma merda ter que aguentar ela me xingando e enchendo meu saco, imagina só ter que aguentar ela morta voltando para puxar meu pé enquanto eu dormia.

Ela sempre fazia isso quando saíamos, sempre tinha alguma coisa mais que sem sentido para atormentar todo mundo. Por isso sempre preferi ficar em casa com meus jogos e desenhos.

Henri comprou os ingressos e voltamos até a Casa de Espelhos, entregando os papéis coloridos ao homem que, com um sorriso satisfeito, finalmente nos deixou entrar.

Assim que colocamos o pé dentro do lugarzinho estreito e mal iluminado, senti um frio horrível na barriga junto de um arrepio na espinha ao dar de cara com um monte de reflexos bizarros encarando a mim e Henri e nos acompanhando enquanto andávamos.

O que a imbecil da minha irmã havia realmente ido fazer ali? Ela odiava espelhos, dava até para dizer que os temia tanto quanto temia bonecas.

Abracei meu próprio corpo e olhei para cima. Henri parecia mais incomodado do que eu com aquilo tudo.

– Você gosta da Lis? – Perguntei sendo mais direto do que provavelmente deveria, mas não me importava, só queria espantar aquele clima de filme de terror ruim dos anos 80.

– O quê? Hã... Bem... Ela é legal – Henri disse dando de ombros mas ainda parecendo ligeiramente envergonhado.

Bingo. Lis adoraria saber daquilo, pensei com um sorriso.

– Mas parece meio doida, sei lá – ele voltou a dizer e murchei por um segundo. – Quero dizer, não que isso seja ruim, é o que a deixa divertida e interessante.

Assenti e suspirei, pensando se deveria falar sobre aquilo sem que a Lis estivesse ali para concordar com algo assim.

Bom, talvez eu não precisasse falar tudo. E talvez ela não precisasse saber.

– Ela é legal. Pelo menos na maior parte do tempo quando não tá gritando comigo e me ameaçando de morte – eu disse indiferente e Henri riu. – Olha, ela anda meio complicada, já passou por umas coisas estranhas e parece que tá acontecendo de novo. Bom, não importa, não pergunte sobre, só espere ela falar.

– Quê?! – Henri perguntou confuso e bufei, o encarando de maneira mortal. Ele era surdo ou o quê?

Não importa! Só que... A Lis precisa de um amigo, de verdade, alguém que cuide dela, e acho que ela enxerga em você esse amigo.

– Uau... Eu acho que...

Um grito ensurdecedor e quase assustador rompeu o breve silêncio que se formava e interrompeu Henri, seguido do som de vidro se estilhaçando e cacos caindo no chão.

– Isso foi...?

– Lis! – Gritei correndo na direção de onde os sons haviam vindo sem sequer pensar duas vezes.

Henri gritava e xingava atrás de mim, pedindo para que eu esperasse, mas eu não conseguia parar.

E se aquela idiota tivesse se machucado? Se fosse alguma coisa realmente séria? Deus...

Senti pequenos pedaços de vidro estalarem sob meus pés e parei, observando os pequenos pontinhos prateados espalhados pelo chão que brilhavam sob as lamparinas presas ao teto.

Eu sabia que coisa boa não teria ali e meu estômago se embrulhava toda vez que pensava nas possibilidades do que poderia ter acontecido.

Respirei fundo e engoli em seco, virando no corredor que daria para o lugar de onde os espelhos haviam sido quebrados, e lá estava ela, caída no chão com pequenos cortes no rosto de onde surgiam filetes de sangue quase que imperceptíveis. Mais sangue escorria de suas mãos machucadas e ela estava coberta por inteiro com pedaços de vidro estilhaçado.

Senti minha cabeça girar e minhas pernas fraquejarem, rezando de verdade para que ela só estivesse desmaiada.

– Meu Deus do Céu... – Henri murmurou ofegante assim que parou atrás de mim, podia ver que ele estava tão pálido e apavorado quanto eu. – Temos que levar ela ao hospital.

– Não, não podemos – respondi sabendo que aquilo só traria mais problemas. – Acha que sua avó pode cuidar disso?

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