Cap. 32

579 94 83
                                    

Eu, eu serei rei
E você, você será rainha
Embora nada os afaste
Nós podemos vencê-los, apenas por um dia
Nós podemos ser heróis, apenas por um dia

David Bowie - Heroes

◈◇◈

Num impulso de coragem que eu sabia que jamais teria de novo, respirei fundo e agarrei com os dedos trêmulos o enorme caco de vidro que ainda se encontrava preso em minha perna e, fechando os olhos para que aquilo se tornasse um pouco menos pior, o arranquei de minha coxa com a maior rapidez que pude.

Senti a dor e a queimação se tornarem mil vezes piores e meus olhos se encherem de lágrimas, minha perna inteira parecia estar em chamas mas me obriguei de todas as formas possíveis a reprimir o grito que subiu por minha garganta, mordendo o lábio inferior até sentir meus dentes romperem a pele, nada melhor que uma nova dor para reprimir a anterior.

Senti mais uma vez o gosto de sangue se alastrar pela minha língua e engoli em seco. Não podia chamar a atenção de Victor em hipótese alguma.

Com minha visão embaçada pelo choro que eu continuava insistentemente a reprimir, foquei no caco de vidro encharcado pelo meu sangue que agora eu segurava na minha mão suada, tremendo tanto que temi derrubá-lo por um momento.

Eu ainda não sabia se era capaz de machucar alguém que não estava mais vivo, mas Deus, eu realmente esperava que sim, tudo dependia daquilo, porque eu realmente não sabia o que faria se não funcionasse. Eu estaria morta e tudo estaria acabado.

Me virei para trás lentamente ao mesmo tempo em que Victor se virou para mim com o cenho franzido e os olhos frios estreitados por baixo de suas lentes transparentes.

– O que você...? – Ele disse e antes mesmo que pudesse terminar mirei a ponta afiada do vidro em seu calcanhar e usei tudo o que restava da minha força para enfiá-lo ali. – Filha da puta!

Me levantei e, mancando e xingando mentalmente pois cada passo que eu dava era uma onda insuportável de dor vindo de todas as partes do meu corpo, mas principalmente da perna machucada e das costelas onde eu havia levado o pior soco que eu já havia levado a minha vida inteira – não que tivessem sido muitos.

Peguei o mesmo pedaço de madeira que havia usado antes, cujo estava caído e esquecido num canto e, quando Victor se aproximou de mim, imediatamente ergui a única arma que tinha e a acertei em seu estômago. Eu sabia que aquilo não era muito, eu era só uma garota de quinze anos, ferida, com um metro e meio de altura e quarenta quilos, e Victor era um homem adulto, grande e que com certeza tinha experiência em lutar com garotinhas desesperadas como eu, mas foi o suficiente para que ele travasse um pouco em seu lugar, curvando-se para baixo com as mãos em volta do estômago.

– O único filho da puta aqui é você, seu psicopata de merda – retruquei e dessa vez acertei a madeira em sua nuca, derrubando o no chão.

Meu cérebro pareceu entrar em pane por alguns instantes porque eu realmente não esperava conseguir aquilo, mas rapidamente voltei à realidade: os corpos.

Eu não tinha muito tempo para aquilo, teria que ser o mais rápida possível, como nunca havia sido antes em toda a minha vida.

Antes de seguir para as paredes, bati na cabeça de Victor mais uma vez, só por garantia, e passei a usar aquele pedaço de madeira para bater contra a parede.

Não adiantava, nada ali quebrava, precisava de algo mais firme, algo como...

A mesa cirúrgica.

Certo. Era isso.

Victor ainda me xingava quando puxei o enorme objeto de metal e o arrastei pelo cômodo sobre suas rodinhas que pareciam implorar para que eu o deixasse em seu devido lugar, rangendo mais do que qualquer carrinho velho de supermercado.

A Casa de BonecasOnde histórias criam vida. Descubra agora