Prólogo

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24 de dezembro de 1963

◈◇◈

Era véspera de natal e não chegava a nevar, mas fazia um frio que não podia ser ignorado. As ruas estavam úmidas e enlameadas e uma chuva fraca caía sobre o montinho de pessoas que observavam, curiosas, algum acontecimento estranho no casarão que havia sido comprado há apenas algumas semanas por um jovem casal que buscava um lugar sossegado para poder começar uma família.

Claro que todo aquele frio e o fato de que o natal seria no dia seguinte deveria fazer com que todas aquelas pessoas estivessem trancadas em suas casas, decorando suas salas e varandas e preparando comidas junto de seus parentes distantes, mas nada disso parecia estar impedindo aquela gente de continuar ali, estendendo os olhares curiosos sobre a frente da casa enquanto cochichavam sobre o que supostamente teria acontecido.

Uma ambulância estava parada ao lado da calçada e um enfermeiro parecia consolar uma moça de cabelos claros encharcados e colados ao rosto.

Ela estava enrolada em cobertores brancos e grossos manchados de sangue, assim como suas pernas. Seus olhos estavam arregalados e vagos e seus lábios arroxeados tremiam. Havia um hematoma bem abaixo de seu olho esquerdo e gotas espessas de sangue continuavam descendo pelas suas coxas trêmulas.

O enfermeiro ao seu lado a guiou até dentro da ambulância e fechou as portas. No mesmo instante, dois policiais e uma paramédica saíram da casa carregando uma maca com um corpo coberto por plástico preto.

Alguém havia morrido.

– Eu sabia, nessa casa não tem coisa boa – uma senhora que assistia ao espetáculo comentou para o homem ao seu lado. – Ninguém que vem morar aí fica e se ficar... Isso aí acaba acontecendo.

– Ela não estava grávida? O que será que aconteceu? – Uma mulher perguntava à outra que apenas balançou a cabeça e suspirou.

– Não sei, mas aquele corpo com certeza era do marido dela – a outra respondeu baixinho, como se tivesse medo de que o morto a ouvisse.

Um policial apareceu afastando todos dali enquanto outro passava faixas amarelas na entrada da casa, impedindo passagem para dentro.

– Ela deve ter enlouquecido, exatamente como os outros – o policial comentou com o seu parceiro logo em seguida.

O rapaz mais jovem meneou a cabeça e comprimiu os lábios, fitando a estrutura antiga e assustadora com um olhar desconfiado.

– Não entendo, por que não demoliram isso ainda? Pelo o que sei já tem pelo menos uns cem anos e sempre vem dando problemas – ele disse expressando certa indignação e o mais velho deu uma risadinha.

– É uma casa cara, meu amigo. E também o palco das melhores histórias que essa cidade já ouviu, e diversão e dinheiro são coisas que ninguém nunca quer deixar de lado, só precisamos aceitar – respondeu dando um tapinha no ombro de seu colega e entrando na viatura.

Aquele com certeza seria mais um longo caso a ser resolvido, e assim se repetiria a história, pelo menos a cada dez anos, até que alguém resolvesse tirar aquilo dali.

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