XVII -Alícia

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Não havia nada naquele ponto do pesadelo. Alícia não podia ver a árvore e nem o banco, só névoa. Ninguém aparecia ali desde Pedro, mais de seis meses atrás. E o conjunto desse nada nesse vazio formava o tudo que Alícia odiava. Ela não sabia como o tempo funcionava ali em relação ao mundo real. Às vezes, cinco minutos ali eram dias, ou vice versa. A menina não conseguia ficar entediada ali, apenas ansiosa. Queria fazer tudo rapidamente: passar os recados da rainha e devolver a espada sem cerimôneas. Isabelle pareceu demorar horas para aparecer, e quando o fez, pela primeira vez Alícia não quis esquarteja-la. Ela jogou a espada para ela e a representante do mal pegou-a no ar. Sua voz foi ouvida na cabeça de Alícia sem que ela precisasse mexer os lábios.

-O que tem para me contar? -Cada vez que ela aparecia, estava mais acabada, fisicamente. Isabelle poderia ter crescido para tornar-se uma adolescente com uma beleza invejável, mas a miséria em seu olhar destruia todas as suas características físicas. Seus cachos negros não tinham brilho, as olheras superavam a maquiagem e o cansaço de seus movimentos era deplorável. –Pare de sentir pena de mim e responda, Alícia, ou não vai ter tempo de pegar doces com seus amigos. O que Tabata não sabe ainda?

Ela respirou fundo e lembrou-se que liam-se mentes naquele lugar. Não precisava gastar sua garganta.

-Argia é real e está sendo tratada como uma princesa de verdade. E o livro de Riley... É uma profecia. A Profecia da Rainha.

Isabelle arregalou os olhos, fascinada. Aproximou-se dela e segurou seus ombros.

-Deve contar-me mais. Palavra por palavra.

-Não sabemos mais –Alícia afastou-se. –E não vou lembrar palavra por palavra.

-Então escreva. Mas traga as informações para mim, entendeu?

-É, eu já sei –ela falou, sentando-se no banco. Isabelle sentou-se ao seu lado e as duas ficaram apreciando o silêncio daquele pesadelo por alguns minutos. –Dave não quer que você fale com Thaila. E não falou nada quando eu contei que você sente muito por Bia.

-Você falou? –ela perguntou, dessa vez usando sua voz, não sua mente, mexendo a boca de verdade. Para sua surpresa, Isabelle a abraçou. –Obrigada, Alícia.

-Olha, -ela começou. Alícia não gostava de Isabelle. Não conseguia gostar, apesar dela a ter ajudado muito em Chelmno, não deixando Pedro mata-la, e ter a confiança da rainha. Mas ela achava que sabia o que Isabelle podia estar sentindo. Ela precisva de uma amiga, ou assim Alícia achava. –Você devia parar de correr atrás dele. Dave não vai te perdoar, e, principalmente, não vai ser seu.

-Sim, ele vai me perdoar –Isabelle levantou-se. –Ainda vai ficar com mais ódio de mim antes disso, mas o perdão virá. E eu sei que os sentimentos dele por mim nunca mais serão como antes. Uma pena, sim, mas eu já aceitei isso. E não preciso do amor dele. Pelo menos não mais. Tenho meu próprio príncipe do mal.

-Espero que não esteja falando de Pedro –Isabelle apenas riu do comentário, depois fez uma cara de nojo. Alícia sorriu e levantou-se também. -Seu legado é de clarividência, não é? Como o pai de Dave, a rainha Thaís e o Mago Roxo. Porque simplesmente não conta o que sabe?

-Você é esperta, Alícia, mas podia pensar mais. Eu não sei de tudo, não vejo tudo. O futuro é muito confuso, há muitos caminhos e muitos obstáculos que não conheço. Cada vez que alguém toma uma decisão esses caminhos mudam -ela arrumou uma mecha do cabelo para trás de sua orelha, revelando um arranhão recém adquirido. -O máximo que eu posso fazer é guiar pessoas chaves para as decisões que chegarão no caminho que eu quero, mas isso não é assim tão simples, Alícia. Por isso preciso da sua ajuda. E não se preocupe, tudo está saindo conforme o planejado, até agora.

Érestha -Castelo de Cristal [LIVRO 4]Onde histórias criam vida. Descubra agora