II -Dave

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-Tem certeza de que não quer deixar a mochila na minha casa? –ele perguntou. –Você pega amanhã de manhã, ou eu levo para você.

-Não, sério, não faz mal –sorriu.

-Então ok –ele tirou a mala do ombro dela e colocou no seu. –Eu carrego, nem tente me convencer do contrário.

O shopping União não ficava a mais de vinte minutos de caminhada da casa de Dave. A Vila São Francisco fazia divisa com Osasco, e aquele era o shopping favorito de Nicolle. Era extenso, com uma grande variedade de lojas, um cinema enorme e altas chanches de encontro com pessoas da escola. Mais cedo naquelas férias eles tinham combinado de não perguntarem um para o outro como estavam se sentindo. Nicolle estava fisicamente mal, e Dave, emocionalmente. Não ia ajudar ficar falando isso em voz alta. O bom é que Nicolle nunca parava de falar em outras coisas. Dave não conseguia parar de olhar para a pedra de Argia em seu pescoço. Ela não fazia ideia de que Tabata podia querer aquilo e Dave preferia que ficasse em segredo. A blusa que ela usava também lhe chamava a atenção. Ele tinha certeza que já vira antes, mas não no corpo de Nicolle. Chacoalhou a cabeça para tentar se distrair. Eles entraram no shopping e foram para a praça de alimentação. Nicolle estava com fome e forçou Dave a pedir alguma coisa do Spoletto. Ele não havia comido nada desde o almoço do dia anterior. Simplesmente não tinha fome, comida era uma coisa sem graça, sem gosto, sem objetivo. Nicolle pediu uma lasagna tão grande para ele que precisariam de horas até sair dali.

-Que leve uma semana –ela falou, enchendo a boca com seu macarrão acompanhado de oito ingredientes que não combinavam entre si. –Você só sai dessa mesa quando comer pelo menos metade. E depois vai dividir um saco de pipocas comigo, isso é uma ordem.

-Ninguém me da ordens –ele brincou, empurrando o prato para longe de si.

-Engraçado, achei que fosse exatamente esse seu trablaho: seguir ordens de uma princesa –ela empurrou o prato de volta.

-Rainha –Dave corrigiu, colocando uma garfada na boca e descobrindo o molho quente de mais. –Thaila é uma rainha agora, Nick.

-Sim, Rick me contou, mas eu esqueci, desculpe –Dave deu de ombros e comeu mais lasagna. –Não vamos falar sobre isso.

-Não vamos –concordou. –Mas, me diz, como está sendo o último ano escolar da aluna estrela?

Ela revirou os olhos. Nicolle tinha completado dezesseis anos no mês de julho, enquanto Dave completaria dezessete no dia nove de Outubro. Ela sempre estivera um ano a frente na escola pois, desde muito pequena, Nicolle era uma aluna excepcional. Dave deveria estar no último ano também, mas, em Érestha, seus estudos terminariam no outro ano, quando ele já tivesse completado dezoito. Ele sabia que os planos de Nicolle envolviam as melhores faculdades públicas do país e medicina. Torcia muito para que ela conseguisse seguir seu sonho.

-Meu pai continua me apoiando, sabe, dizendo que medicina é para pessoas inteligentes e que eu deveria parar de sonhar e focar em não me tornar uma... Como foi que ele disse mesmo? Uma cachorra mal comida como minha mãe.

-Seu pai é um idiota, não escute ele. Nunca –aquilo definitivamente extinguiu o apetite limitado de Dave. Nicolle não merecia a família dela. A mãe que nunca fora presente, os irmãos mais velhos que Dave sabia que eram abusivos e o pai bêbado e imbecil. Muitas vezes, quando pequeno, Dave sugeria que ela se mudasse para junto dele e Maria. Nicolle sorria, e dizia que, apesar de tudo, era a família dela.

-Não se preocupe, eu parei de prestar atenção ha muito tempo –ela sorriu e comeu mais. Suspirou, ainda sorridente. –Só mais seis meses e um pouco de sorte e eu estarei morando em alguma casa cheia de adolescentes que fingem se interessar pela USP, não é incrível?

Érestha -Castelo de Cristal [LIVRO 4]Onde histórias criam vida. Descubra agora