XX -Missie

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Paranóia não pode ser curada com chocolate quente e cafunés, mas isso ajudava a relaxar. Muito. Os movimentos de Cecil eram tão leves e tão ritmados que Missie nem precisava olha-la para saber que estava prester a dormir. Sua respiração era calma e silênciosa e a mão que afagava o topo da cabeça de Olho-de-Prata movia-se tão lentamente que quase não sentia-se nada. A caneca da menina com o laço azul na cabeça estava vazia, enquanto a de Missie ainda fumegava e exalava um odor maravilhos de chocolate que invadia o quarto inteiro. Não que isso fosse grande coisa, já que o cômodo era menor do que o banheiro de Missie. A casa de Cecil não era grande, e ela ainda dividia com mais duas meninas. Pelo menos o quarto tinha uma televisão com canais pagos. Elas estavam tentando assistir a um filme, mas Cecil estava cansada demais, e Missie não conseguia se concentrar em nada desde Albert e Resmungo terem visitado o Castelo de Máromre. Já tinha coisas demais para pensar com Nicolle doente e deveres de guerra de sua princesa. Albert carregava notícias terríveis ao invés das felizes que Missie esperava.

O velho Resmungo foi bondoso em traduzir tudo o que o furão dizia. O bicho corria sem parar pela sala do trono de Tamires, e Resmungo conseguia chuta-lo de vez em quando, pedindo que se acalmasse na presença da senhora dos céus. Mas não podia culpa-lo. Tabata estava ameaçando a província, na interpretação de Missie, e carregar esse recado pelo reino da senhora da morte deve ter sido exaustivo e aterrorizador. Ela tinha julgado Dave por se preocupar demais desde a morte do rei, mas agora ela estava exatamente do mesmo jeito que ele. Esperava que Pedro aparecesse atrás dela a qualquer momento. Que Isabelle estivesse escondida nas sombras de sua casa. Que Tabata estivesse marchando para a província dos céus naquele exato instante. Nada disso faria sentido na situação atual da guerra, mas o cérebro assustado de Missie não se importava. Ela tentava focar no trabalho, nos estudos ou até mesmo na falta que sentia de Bia Vallarrica, mas nada disso levava seus devaneios de morte para longe.

O que nós temos que Tabata poderia querer agora? Missie se perguntava todo dia pela manhã. O legado dos céus era sempre o primeiro de sua lista. Uma menina com um olho prata que estava constantemente junto da princesa bastarda e tinha infromações sobre o Livro da Rainha era o segundo item. Talvez ela precisasse de ouro, ou dos Elfos, ou simplesmente quisesse testar seus brinquedos na irmã que tivera a ilusão de segurança por alguns anos. Não havia acontecido absoluamente nada desde o recado do furão, mas Missie insistia em ficar desesperada. Uma chamada de algum novo produto na televisão pegou Missie de surpresa e ela se sobressaltou, derrubando chocolate quente em sua mão. Ela se mexeu e acordou Cecil. A menina resmungou antes que Missie pudesse se desculpar.

-Pode, por favor, dormir? –ela pediu. Missie não respondeu nada. –Você não tem uma boa noite de sono desde Chelmno, tenho certeza. Isso já faz quase um ano, Missie.

-Eu estou bem –ela falou, lambendo o chocolate de sua mão.

-É a pior mentirosa de toda Érestha, Skyes -ela apenas revirou os olhos. Mas Cecil estava certa. Até suas olheiras tinham olheiras, e ela estava sempre com o humor alterado. A quantidade de maquiagem que usava tinha dobrado desde o semestre passado. Esconder tantas marcas era uma tarefa difícil. –É patético, como uma ratinha assustada. E você sabe que é muito mais do que isso.

-Claro –revirou os olhos mais uma vez. –Uma águia, uma corça, um ou mais ratos... Qual a diferença? Todos temem alguma coisa ou entristessem-se por outras. Qual o problema?

-Você não é uma corça, nem um rato e muito menos uma águia. Você é Missie Skyes.

-Onde está querendo chegar, Cecil?

-Só quero que pare e se olhe no espelho de verdade pelo menos uma vez –ela levantou-se, tomando a caneca cheia das mãos da menina, e saiu do quarto.

Érestha -Castelo de Cristal [LIVRO 4]Onde histórias criam vida. Descubra agora