Capítulo 12: Conheça Ririo

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Coragem. Desde que se entendia por gente, Jay Philip sempre precisara. Excepcional, extraordinária, gigantesca.

Criado em uma família constituída por militares, não houve um dia em que não passasse por seu avô usando o uniforme e não reparasse em suas medalhas, suas honras. Fora criado por seus avós em uma das mansões da família Sieghart.

Jay Philip nunca conheceu sua mãe. Nunca conversou com seus avós sobre o assunto, mas os funcionários disseram algo sobre ela ter ido embora, ter simplesmente partido. Também havia ouvido sobre seus avós serem extremamente rígidos e ríspidos com ela, pois à altura de seu nascimento, seus pais nem sequer em um relacionamento sério estavam.

É verdade que em uma de suas crises adolescentes teria tentado procurá-la na internet ou tentado recolher informações, mas percebendo que não valia a pena e que, se ela realmente se importasse, teria pelo menos tentado contatá-lo de uma mísera forma (afinal, eles nunca se mudaram daquela casa), logo deixou a ideia de lado.

Não havia sido falta de coragem. Tampouco preguiça – ela não queria ser encontrada, ela não queria ver o filho. Talvez, se fosse o contrário, mesmo não suportando os sogros, teria feito o mínimo esforço de passar um dia na escola dele para apenas dizer "oi" – o que ela claramente não fez.

Pelo contrário, foi coragem. Coragem para resistir aos impulsos infantis e seguir sua vida aceitando que sua mãe havia escolhido o mais fácil. Havia escolhido o abandonar. E, por isso, ele havia sido corajoso. Ele havia sido forte. Ele havia aguentado até então.

Quando Jay Philip não tinha mais do que sete anos, seu pai foi enviado para uma das guerras no Oriente Médio. Lá, em um bombardeio, veio a falecer. Jay ainda podia se lembrar de como havia descoberto: havia sido na mesa de jantar com espaço para doze pessoas. Estava no meio do jantar com seu avô e sua avó. Aquele disse algo sobre ter uma conversa de adultos e, sem rodeios, soltou a notícia.

Ele já sabia o que morte significava. Significava que nunca mais iria jogar basquete com seu pai na quadra nos fundos, nunca mais o veria chegar e partir. Nunca mais iriam à praia, nunca mais assistiriam filmes juntos. Sabia que tinha uma vida inteira para viver, e o faria sem seu pai. Nunca mais o veria, assim como sua mãe. Agora, além de fazer as apresentações do dia das mães na escola para todas as mães de seus amigos – menos a dele –, também faria o mesmo no dia dos pais.

E foi assim que estagnou no tempo. Ainda que tivesse tido coragem extraordinária até então, aquela notícia finalmente o fez perder o chão. O buraco que sua mãe deixara era grande, mas ele nunca a havia visto, não tinha um rosto para lembrar e chorar. Para ele, de certa forma, lembrar-se do rosto de seu pai e saber jamais o veria de novo foi muito pior.

Finalmente foi demais para ele. Não tinha maturidade para aquilo, não queria aceitar. Então deixou-se parar. Deixou sua coragem adormecer e passou a fugir. Fugir de tudo, de todas as responsabilidades possíveis. De todas as grandes escolhas, de todos os seus deveres.

Também era verdade que Jay Philip nunca soube que caminho profissional seguir. Não que fosse o pior aluno de sua sala, mas estava longe de ser o melhor. Em todas as áreas do conhecimento, notas medianas. Que faculdade cursar, se nem sabia do que gostava?

Foi então que decidiu seguir os passos de seu avô. Não, não havia uma história bonita por trás de tal escolha. Havia apenas um garoto perdido na vida. Garoto que havia sobrevivido às maiores dificuldades que passou, mas isso não significava que sabia o que fazer com a vida pela qual tinha batalhado.

Então se apresentou ao exército. Claro que foi apoiado por seus avós: estaria mantendo vivo o legado da família.

Foi em um dos dias de treino intensivo que recebeu a notícia: o pelotão do qual fazia parte seria enviado para substituir soldados na Síria. Entrou no avião com os outros oitenta e nove do pelotão. Todos estavam de verde e carregavam sacos com pertences necessários.

O avião pousou em Gaziantepe, de onde seguiriam até o acampamento onde esperariam a tropa vinda de Alepo para passar as informações necessárias. Em uma noite longa, Jay permaneceu acordado pensando em, principalmente, seu pai. Em como ele havia feito falta...

... e como ele também iria fazer para seus avós, caso algo acontecesse a ele. Mesmo que fossem pessoas rígidas e sem pregas na língua, ainda o amavam. Jay não queria deixá-los desemparados após perderem seu único filho nas mesmas circunstâncias.

No dia seguinte, os soltados chegaram – mas não todos. Dentre os outros companheiros, Jay recebeu a missão de conquistar uma área na periferia de Alepo. Completamente tomada por forças opostas, a área estaria sendo usada para um objetivo: ensinar jovens recrutas – crianças – a manusear armas.

Jay saltou no chão de terra batida. Colocou o fuzil M16 que carregava próximo ao rosto, passou a andar com cuidado. Então, eles começaram a surgir.

De cima de um telhado, um rapaz de camisa azul apontou a arma para ele. Jay ergueu a arma e acertou-o antes que fosse acertado. Apontou para o outro lado enquanto seus companheiros passavam em fila tanto por sua esquerda quanto por sua direita.

Enfileiraram-se encostados na parede aguardando a entrada ser liberada. Quando o sargento fez sinal para que entrassem com as mãos, Jay correu para dentro. Sendo décimo a entrar, foi surpreendido por uma chuva de tiros. O soldado à sua frente foi atingido e caiu para o lado.

Jay mirou nas costas de um dos rebeldes que subia a escada no fim do recinto. Puxou o gatilho e a bala viajou pelo galpão com corpos no chão. Assim que foi atingido pela bala, caiu para a frente no fim do primeiro lance da escada, antes que pudesse virar à direita e fugir para o terraço. Ao passo em que o viu caindo, Jay sentiu algo gelado encostar em sua pele de forma extensa.

Ouviu um tiro e, ao olhar para a esquerda, viu um rebelde caindo no chão segurando um balde de tinta branca vazio. Após o estrondo parar de ecoar, tocou sua bochecha e olhou seu dedo, percebendo que sua cabeça e seu capacete estavam cheios de tinta branca.

Era uma armadilha!!! – Alguém chegou gritando. – Eles vão explodir! Não tem nada aqui!!! – Jay olhou para trás para ver o soldado dizendo tudo em um só fôlego.

Recuar!!! – Ouviu o Sargento gritar.

Quando todos se puseram a correr, Jay fez o mesmo. Evacuaram o prédio o mais rápido possível, correndo direto para o caminhão que os havia deixado no local a um quarteirão dali.

– Você está marcado como um alvo – o sargento sentou à sua frente no caminhão. – Vá para o fundo! Agora!

Ao passo em que Jay se levantou, olhou para fora do caminhão. Enquanto se afastavam, um garoto que não aparentava ter nem dez anos atravessava a rua, correndo na exata direção do prédio.

Jay arregalou os olhos. É verdade que lutava contra os rebeldes, que atirava para matar – mas porque sabia que se não estivesse pronto para matar, morreria. Sabia que estava em uma zona de guerra. Sabia que precisava fazer escolhas difíceis. Mas não deixaria aquela criança entrar em uma área prestes a explodir. É verdade que também sabia que não poderia salvar todas as crianças dali. Sabia que até mesmo seus companheiros tinham matado algumas.

Mas ele não mataria. Pelo menos aquele garoto ele salvaria.

Levantou-se e o fuzil em seu colo caiu na direção do piso do caminhão em movimento. Antes que a arma passasse da altura de seu joelho na trajetória para o chão, saltou para fora. Rolou no chão três ou quatro vezes antes de parar e se levantar. Sabia que o caminhão tinha seguido viagem – nem sequer olhou para trás. Não gritou para chamar atenção do garoto pois sabia que ele poderia talvez fugir e correr mais rápido ainda na direção do perigo.

Assim que o alcançou, puxou seu braço e o ergueu, jogando-o no colo e dando meia-volta, partindo na direção contrária.

Por favor, senhor, não!

– Você fala minha língua, garoto – Jay disse enquanto corria. – Ótimo. Aquele prédio ali vai explodir. Preciso tirar você daqui rápido, certo?

Certo – o garoto disse, um tanto quanto hesitante.

Jay não estava muito longe quando aconteceu. A explosão jogou-o no ar. Segurou o garoto com força e se enrolou em torno dele para que o pequeno não se machucasse quando atingissem o chão.

Assim que o corpo de Jay tocou a terra novamente, sentiu um zunido agudo atingir seus ouvidos. Estava tonto e via tudo quadruplicado... parecia perder os sentidos aos poucos, mas de forma rápida.

Então apagou.

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