* Capítulo 10 *

30 4 0
                                    

Não conseguia dormir, só pensava naquele beijo. Não sei o que achar daquilo, não sei se gostei se não gostei, se quero repetir ou não, nem sei se vou conseguir olhar para a cara do João na manhã seguinte ou melhor o dia inteiro, não quero estragar o dia aos meus amigos. Não resisti aos meus impulsos e mandei-lhe mensagem, na tentativa que estivesse acordado.

Para: João
- porque me beijaste?

De: João
- porque me apeteceu

- mas porque? Prometemos que íamos tentar ser amigos
- eu já te disse que não quero ser como os outros
- João…
- Francisca…
- tens que parar de me beijar, senão nem amigos vamos ser
- porque? Não gostaste? :(
- não faças perguntas, respeita só a minha decisão
- e tu porque não aceitas a minha decisão?
- João, é complicado
- sou todo de ouvidos
- não te vou chatear com isto. Vou dormir…
- estou à porta do teu quarto à espera
- nem brinques comigo
- queres que bata?
- não, vai dormir
- não me queres ver? :(
- não é isso
- então anda cá fora
- chato
- vens?

Levantei-me, abri a porta do quarto e lá estava ele com um sorriso parvo de orelha a orelha
- Estava a ver que não vinhas
- O que queres? – cruzei os braços encostando-me ao beiral da porta e ele aproximou-se de mim – João Pedro
- Sim, Maria Francisca – revirei os olhos – ficas tão gira quando reviras os olhos – bufei – esticou a mão direita – vens comigo até ao jardim?
- Fazer?
- Para falarmos, assim não incomodamos ninguém
- Está bem, vou só buscar a manta caso esteja frio – voltei a entrar, peguei na manta – podemos ir – fomos em silêncio e nunca me senti tão observada na vida como naqueles minutos.
Sentei-me numa das espreguiçadeiras de pernas à chinês e ele sentou-se na mesma que eu de frente para mim
- O que queres falar comigo? – perguntei
- Quero que me expliques porque não me deixas entrar nesse teu mundo, porque adoras engatar rapazes, quero que me digas o que te fizeram para ficares assim
- Quem te disse que eu não fui sempre assim?
- O meu instinto
- Tens disso?
- Tenho e funciona muito bem
- Olha que pode estar estragado
- Não me enroles e diz-me logo
- É complicado, não gosto de falar disto
- Porque? Quem foi o anormal que te magoou? – baixei o olhar – Kika, olha para mim – pegou na minha mão – eu não te quero forçar a falar, só quero compreender-te um pouco melhor
- Eu sei e eu quero desabafar contigo. Não me perguntes porque, mas algo me diz que posso confiar
- Vês o teu instinto está certo como o meu – soltei um pequeno sorriso – assim gosto mais
- No oitavo ano, comecei a namorar com o rapaz que gostava, ele também gostava de mim. Ao inicio pensei que fosse um daqueles namoros de adolescência que dura uns meses, mas prolongou-se até ao primeiro ano da faculdade
- 5 anos?
- Quase a fazer 6. As coisas começaram a tremer no fim do secundário, ele começou com ciúmes, a ser possessivo embora nunca tenha sido agressivo o sentimento por ele começou a desvanecer, já não passávamos tanto tempo juntos e os exames também não ajudaram – fiz uma pausa, ele continuava muito atento a olhar para mim – no verão as coisas melhoraram, ele parecia que voltava ao seu normal, muito querido, muito romântico. Tinha o meu namorado de volta e o amor voltou a florescer. Só depois daí é que decidi ter relações com ele, senti que a nossa relação estava realmente forte, que já me podia entregar a ele de corpo e alma – as lágrimas começaram a escorrer pela cara e o João de imediato com uma das mãos tentou limpar – eu amava-o com todo o meu coração
- Não chores por favor – respirei fundo para evitar o choro e consegui
- O pior dele veio ao de cima depois disso, parecia que eu era só dele e mais ninguém podia se aproximar, nem as minhas amigas. Ele ficou bué agressivo, agarrava-me com força, chegava a casa sempre marcada – as lágrimas voltaram – um dia, ele foi ter comigo a minha casa, estávamos no meu quarto, ele queria ter relações comigo à força, recusei vezes sem conta – comecei a chorar compulsivamente só de me lembrar daquele dia
- Francisca, se quiseres parar por aqui tudo bem
- Comecei agora termino – respirei fundo – ele deu-me dois estalos que me fizeram cair no chão do quarto, pegou em mim, deitou-me na cama dizendo que eu ia ser dele custasse o que custasse, amarrou-me a cama pelas mãos, rasgou-me a roupa e fez o que queria e o que bem lhe apeteceu de mim – fiz uma pausa olhando o moreno nos olhos que estava perplexo – quando terminou, vestiu-se, saiu dali sem dizer nada, deixou-me naquele estado, eu só sabia chorar até que ganhei forças para gritar por socorro e a minha empregada encontrou-me naquele estado
- Diz-me que esse filho da puta está preso
- Não, não fiz queixa com medo
- Compreendo, e o que se passou a seguir?
- A Mónica chamou a minha mãe, como é médica ajudou-me e não precisei de ir a nenhum hospital. Os meus pais foram incansáveis só queriam o meu bem e respeitaram a minha decisão.
- Depois disso ele não voltou a procurar-te?
- Não, nunca mais o vi. Eu sei que parece estranho, mas ele sumiu completamente do mapa, até o Cláudio que era o melhor amigo dele deixou de o ver
- Melhor assim, pode ser que se tenha matado com vergonha do que fez
- Não lhe desejava assim tão mal
- Como é que conseguiste superar isto?
- Com ajuda das minhas amigas, do Cláudio, dos meus pais e dos meus irmãos
- Nunca imaginei que fosse algo assim tão grave, sou sincero – olhamos um para o outro, não sabia o que lhe responder – posso-te dar um abraço? – acenei que sim e de imediato senti o calor do corpo dele junto ao meu que me fez chorar como uma Maria Madalena.
- Obrigada João
- Não tens que agradecer, pequena – deu-me um beijo na nuca – eu disse e repito eu quero ser teu amigo – encostei a cabeça ao peito dele
Acabamos por nos deitar agarradinhos na espreguiçadeira enquanto conversávamos até que acabamos por adormecer.

Perdidos no MomentoOnde histórias criam vida. Descubra agora