Capítulo 1

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30 de Novembro de 2017

Narrado por Clara

Se eu disser que a minha vida permaneceu igual desde a morte do meu Benito estaria a mentir.

Hoje acordei muito mais sensível do que no resto do ano, hoje faz um ano que o meu marido partiu.

A falta que me faz é enorme, sinto saudades de vê-lo sentado na sua cadeira de baloiço a ler o jornal que o Marco tão gentilmente no entregava todas as manhãs, sinto saudade dos olhares quentes e carinhosos que me lançava desde que nos conhecemos – até mesmo quando eu discutia com ele -, o meu marido não deveria de ter morrido.

Preparo-me para mais uma consulta com o Dr. Romão, o psicólogo que a minha filha me obriga a frequentar por suspeitar que entrei num estado grave de depressão.

Eu insisti que me sentia – e sinto – bem, mas a minha filha é demasiado teimosa tal como eu.

O telefone toca na sala de estar quando termino de fechar o cordão de ouro que Benito me ofereceu quando fizemos um ano de namoro.

– Sim? – digo quando atendo o telefone.

– Mãe, boa tarde. Como estás hoje? – questiona a minha filha Mila, as perguntas são sempre as mesmas desde há um ano atrás. Suspiro.

– Bem e tu? Tens novidades? – tento mudar de assunto.

– Sim tenho. A Eleonora irá passar algum tempo aí em Manarola. Se permitires é claro. – revela e finalmente sorrio verdadeiramente.

– Pode, claro que pode. – digo entusiasmada.

– Obrigada mãe, é muito importante para ela estar aí contigo.

– Porquê? O que se passa? – questiono preocupada, mas o que ouço é a chamada a ser desligada.

Não posso mentir, ter a minha neta comigo irá certamente distrair-me, ultimamente tenho estado demasiado sozinha, talvez seja esse o motivo que faz a Mila suspeitar que eu esteja depressiva.

O caminho até ao consultório é rápido, o Dr. Romão é um homem de trinta e cinco anos, bastante elegante e charmoso. O seu consultório é simples, porém confortável.

– D. Clara, boa tarde. – cumprimenta o psicólogo quando abro a porta.

– Boa tarde Dr. Romão. – retribuo o cumprimento e sento-me no sofá preto.

– Do que quer falar hoje? – pergunta com o bloco aberto e a caneta de tinta azul nas mãos.

Desde o inicio do mês as sessões são sempre com o mesmo procedimento, eu falo e ele escreve, as perguntas que me faz são poucas, mas os apontamentos são bastantes.

Ajeito a minha blusa de mangas compridas e bebo um pouco de água.

– Faz hoje um ano Dr, ainda dói. Dói muito, aquilo que dizem que o tempo cura tudo é uma autentica mentira, posso garantir-lhe isso! – digo com lágrimas a preencher os meus olhos. – Mas, hoje recebi uma noticia boa. – sorrio fracamente. – A minha neta vem passar um tempo comigo.

– E como se sente em relação a isso? – questiona enquanto me entrega uns quantos lenços de papel.

– Bem. Estou empolgada. Pela primeira vez num espaço de um ano sinto-me feliz com algo. – admito.

O resto do tempo da consulta passou calmamente, o assunto desta vez variou entre Eleonora e Benito.

Após duas horas no consultório do Dr. Romão, volto para casa, o dia está frio, o céu está cinzento e pelos meus cálculos de meteorologista maluca falta pouco para se iniciar uma tempestade.

Depois de acender a lareira – tarefa essa que sempre foi executada pelo meu falecido marido – ligo a televisão que transmite a informação da enorme tempestade que irá "cair" sob Manarola, caminho para a cozinha na companhia de Hera, a labradora preta que resgatei quando ainda era uma cachorrinha, preparo um strogonoff – que é a minha refeição favorita – e deixo-o no fogão.

Os primeiros pingos de chuva embatem na janela da cozinha enquanto a campainha é pressionada. Caminho lentamente até à porta abrindo-a de seguida.

– Avó... - a rapariga morena e baixinha aninha-se no meu corpo. Sorrio sentindo o carinho da minha neta.

– Eleonora, estás tão linda. – elogio-a e fecho a porta novamente.

A minha menina senta-se em frente à lareira sendo recebida tão amavelmente por Hera que descansa o seu focinho dócil nas pernas de Eleonora que a mima fazendo-lhe carinho.

– O que te fez vir passar um tempo com a tua velha avó? – questiono indo diretamente ao ponto da questão.

– Eu divorciei-me avó. – diz cabisbaixa. – E tu não estás velha.

– Qual o motivo da separação? Conta-me tudo – peço curiosa e preocupada.

– Tenho de tirar as malas do carro. – Eleonora muda de assunto enxugando discretamente a lágrima que escorria pelo seu rosto de boneca. Impeço que a mesma saia do sofá como pretendia e sento-me a seu lado. – Ele traiu-me. – finalmente admite e começa a chorar compulsivamente. Aninho-a nos meus braços passando-lhe conforto.

– Não estejas assim meu amor, ele não te merecia. – digo quando a minha neta desfaz o nosso abraço. – Vamos jantar, fiz strogonoff. – os olhos de Eleonora brilham e sorri fraco.

Caminhamos para a cozinha e jantamos em silencio. Opto por não puxar o assunto da recente separação para não a ver chorar novamente. Não suporto ver a minha neta sofrer.

Amanhã será um novo dia, cheio de novas oportunidades, cheio de sorrisos para serem esboçados, cabe-nos a nós saber aproveitar as oportunidades da vida. 

O Despertar do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora