Capítulo 3

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01 de Dezembro de 2017

Narrado por Clara

O pequeno almoço foi passado em silencio, apenas com olhares e sorrisos tímidos que Eleonora lançava a Marco e claro Marco retribuía.

O mês de Dezembro chegou e trouxe consigo o tradicional vento forte e frio, a chuva e a trovoada. Consigo ouvir as ondas a embater nas rochas, este é um dos benefícios de morar perto do mar.

Neste mês não terei mais consultas com o Dr. Romão, o meu psicólogo entrou de ferias e viajou para passar as épocas festivas com a sua família. Eu gosto de falar com o Dr. Romão, ele compreende-me -ou faz que compreende- o que não gosto de maneira alguma é a pressão que Mila faz para que eu continue a consultar-me.

Observo os pequenos pingos de chuva que caem no vidro da janela da sala, Eleonora está a meu lado dividindo a sua atenção entre o programa de fofocas que passa na televisão e a continuação do seu livro.

– Avó, podemos ir ao cemitério? Gostaria de visitar a campa do avô. - pede com o olhar meigo após baixar a tampa do portátil.

– Podemos. Eu era para ter ido lá ontem, mas tive consulta com o Dr. Romão e depois chegaste tu, não tive tempo. - digo e visto o meu casaco grande preto, coloco o cachecol da mesma cor em volta do pescoço e aguardo Eleonora que calça as botas castanhas com rapidez.

Quando abro a porta, a brisa fresca atinge o meu rosto arrepiando-me, caminhamos pela calçada, Eleonora teve em Manarola quando ainda era criança, teria por volta de 5 anos.

– Avó, como conheceste o avô? - a minha neta pergunta, sorrio e observo-a.

Eleonora tem este dom, dar a volta a situação e obter todas as informações que deseja, sem que percebamos, tal e qual como Benito.

– Quando chegarmos a casa, eu conto - vejo o seu sorriso alargar. - Mas nada de fazeres o livro! - alerto-a.

– Não prometo nada - lança-me um sorriso malandro.

A chuva fraca que caia durante todo o caminho cessa quando chegamos ao cemitério, que está totalmente vazio.

– A campa do teu avô é a 349 - informo Eleonora - eu vou colocar agua nestas flores, já vou ter contigo.

Caminho em direção à torneira e encho a jarra com tulipas brancas que trouxe de casa, reparo numa campa que tem um enorme significado para mim.

Dimitri Michael Pregotti 1933-1962

– Tudo poderia ter sido diferente Dimitri. – sussurro enquanto aliso a fotografia da lápide. – Descansa em paz.

As lágrimas começam a formar-se nos meus olhos quando chego perto de Eleonora.

– Porquê avõ? Porque tiveste de partir? Eu precisava de ti a meu lado. – Eleonora pergunta ajoelhada no chão.

– Foi assim que Deus decidiu. Eu sei que dói, resta-nos conviver com essa dor e recordar o teu avô sempre com um sorriso no rosto. – digo a seu lado, coloco a jarra por cima da pedra branca da campa de Benito e Eleonora abraça-me a chorar.

E no conforto do seu abraço permito-me chorar novamente a morte do meu marido. A dor no meu peito torna-se mais fácil de suportar com a presença da minha neta.

****

Quando regressamos a casa, a noite começava a abraçar o fim do dia, acendo a lareira pois a casa está fria. Hera dorme na sua cama ao lado da lareira toda encolhida. Pobre bichinha.

– Vou fazer canja para o jantar, hoje apanhamos muito frio e chuva, não quero que te constipes. – Eleonora informa e desaparece para a cozinha.

Retiro o casaco e o cachecol e sento-me no sofá quando o telemóvel da minha neta vibra freneticamente por cima da mesa da sala. No ecrã o nome Joseph destaca-se, rejeito a chamada e apago o registo para que Eleonora não caia na tentação de retribuir a chamada.

Sempre soube que o casamento entre Eleonora e Joseph não seria bom. Pelo pouco que conheci do rapaz, ele pertence a um grupo social – tal como os meus pais pertenciam – onde o mais importante é o luxo, o dinheiro e o status. Já Eleonora é uma menina sonhadora, guerreira e que quer viver. Aproveitar tudo o que a vida tem para lhe oferecer.

A minha neta regressa à sala com duas tijelas de canja. Eleonora te jeito para cozinhar, se a carreira de escritora não tivesse o sucesso que tem sem duvida alguma que ela teria seguido a carreira de cozinheira.

– É impressão minha ou o meu telemóvel vibrou? – pergunta enquanto coloco uma colherada de canja na boca. Fecho os olhos saboreando.

– Não. – minto não me arrependendo de o fazer.

Eleonora não puxa mais o assunto da chamada, agradeço mentalmente por isso, eu não sei mentir, mas principalmente eu não sei mentir à minha neta.

Caminho em direção à cozinha e lavo as tijelas , coloco a ração na gamela de Hera que devora tudo em questões de segundos. Volto para a sala onde Eleonora assiste novamente o programa de fofocas. Em rodapé passa a noticia de que Joseph Gribty foi visto a entrar numa discoteca com uma modelo famosa, seguindo depois para um hotel de cinco estrelas em Veneza.

Observo Eleonora limpar disfarçadamente a lágrima solitária que desliza pelo seu rosto.

– Vou deitar-me. – anuncia Eleonora. – Boa noite. – beija a minha cabeça e sobe as escadas.

É visível que Joseph ainda tem uma certa importância para Eleonora. Desligo a televisão e sigo o mesmo exemplo que a minha neta.

Quando passo pelo seu quarto ouço-a chorar baixinho. Decido deixar a minha neta um pouco sozinha, às vezes é tudo o que precisamos, um tempo sozinhos com as nossas mágoas.

– Tu saberias o que fazer e dizer nesta situação. – digo para a fotografia de Benito.

Uma brisa fresca entrapela janela do quarto e adormeço.    

O Despertar do PassadoOnde histórias criam vida. Descubra agora