Capítulo VI

4.4K 466 87
                                    

Minha mãe sempre fez questão de que Simon e eu dominássemos sua língua natal. Por isso mesmo, em nossa casa, mesmo em Manchester, sempre se falou português. Parando para pensar agora, meu pai é quem deve ter sofrido com isso, coitado. Mas quem é louco de contrariar a dona Elisa?

Lembro-me disso ao me dar conta de como a minha relação com o Alexandre sempre foi de enfrentamento. Eu nunca fui de levar desaforo para casa e, quando nos conhecemos, não demorei a aprender a xingá-lo em português. O que sempre me rendia alguns dias de castigo, diga-se de passagem.

Brigávamos como cão e gato, sempre que nos encontrávamos. Ele, por ser cinco anos mais velho, ficava de castigo por viver brigando com uma criança e eu por xingá-lo com os piores palavrões possíveis e imagináveis. E, como eu sempre fui curioso, aprendia sempre novos adjetivos para nomeá-lo. Isso, associado ao fato de que Simon sempre ficava do lado do amigo, não importando qual fosse o motivo da discussão, acabava por fomentar ainda mais o nosso desafeto mútuo.

Foi por volta dos meus dezesseis anos que eu tive uma espécie de epifania e entendi que aquele nosso comportamento não nos levaria a lugar nenhum. Só não entendi como ele, que já era adulto na época, não havia chegado à mesma conclusão muito antes de mim. Decidi que passaria a, simplesmente, ignorar a sua existência e assim o fiz. No processo, acabei por passar a ignorar o Simon também, afinal, eles eram, praticamente, a mesma pessoa.

O fato é que o papel de vítima nunca me caiu muito bem. Eu simplesmente não tenho paciência para ficar melancólico e lamentando o que poderia ter sido mas não foi. Não que eu seja uma pessoa extremamente alegre, porque, com certeza, eu não sou. Só não gosto de perder tempo remoendo o que já aconteceu e não pode ser mudado.

Talvez por isso eu esteja me sentindo tão incomodado comigo mesmo, nos últimos dias. Desde que eu voltei de viagem, há mais de uma semana, eu simplesmente não consigo parar de pensar no idiota do meu vizinho. Pensamentos libidinosos para ser mais específico.

E é aí que está a contradição. O Alexandre é hétero, pelo menos até onde eu sei. E nunca vai rolar nada entre nós. E nem eu quero que role! Eu acho. Mas, nos últimos dias eu tenho tido certos sonhos com ele. Mais especificamente com ele naquela mesma cena que presenciei no meu quarto no dia que voltei de viagem. A diferença é que, no sonho, sou eu no lugar da vadia gritadeira.

Agora eu não consigo olhar para ele sem que uma ereção comece a se formar entre as minhas pernas. Isso, aliado ao fato de que ele, praticamente, se mudou para dentro da minha casa, esses dias, não está permitindo que eu exorcize esses pensamentos da minha cabeça.

— Vai continuar insistindo que não está apaixonado pelo ogro? — Samuel me pergunta. Eu o convidei para passar o sábado comigo na piscina.

— Se pra você tesão é sinônimo de paixão, tudo bem — respondo indiferente.

Samuel franze o cenho e me fita com um olhar que parece ver através de mim. Mas ele não me fala nada, apenas se levanta da minha cama e passa por mim com uma toalha no ombro. Estamos ambos já de sunga, prontos para aproveitar essa manhã ensolarada.

Meus pais, como de costume, resolveram fazer uma churrasco e reunir a família à beira da piscina. E com família eu quero dizer que o casal Muniz e sua cria estarão presentes. Para os meus pais somos todos uma grande família feliz. Ainda mais agora que, nas palavras da minha mãe, Alexandre e eu "nos entendemos".

☼☼☼☼☼

— Soninha, meu amor! — digo sem esconder minha animação, abrando-a de surpresa.

Ela quase derruba um copo sobre a pia, com o susto. Em contrapartida, dá um tapa no meu braço, assim que consegue se livrar de mim. Mas ela não aguenta manter a pose de durona e logo começa a rir.

Eu Sempre Te AmeiOnde histórias criam vida. Descubra agora