Capítulo XV

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Nos últimos dias tem sido cada vez mais difícil sustentar a minha velha companheira, a cara de paisagem, em situações que envolvam o Alexandre. Agora mesmo, acho que estou falhando miseravelmente em minha fútil tentativa de me manter impassível à sua presença. É, parece que perdi o jeito...

— Que foi filho? — meu pai pergunta com uma sobrancelha arqueada — Tá aí olhando pro nada... Tá sentindo alguma coisa? — vejo seu semblante mudar de estranheza para preocupação e, só então, me dou conta de que devo ter demorado tempo demais aqui parado, divagando.

— Nada não, paizinho... — digo enquanto me sento ao lado da minha mãe — é só sono mesmo... mamãe não me deixou dormir... — digo, dissimulado, e sinto o olhar mortal da minha mãe sobre mim, mas não me atrevo a encará-la.

O jantar é servido e uma conversa animada começa entre os presentes. Com exceção de mim que nem escuto que eles estão falando. Alexandre, todo sorridente, sentado na cadeira em frente à minha, toma toda a minha atenção.

Não sei o que está acontecendo comigo. Até alguns meses atrás, esse paspalho não passava disso, um paspalho. O cara que afastou meu irmão de mim e a quem eu aprendi a ignorar com o passar dos anos.

Agora, diante de mim, está o homem — e que homem. Minha nossa! — que faz meu coração palpitar desesperadamente dentro do meu peito, pelo simples fato de estar perto de mim. Como foi que chegamos a isso? Quando foi que isso aconteceu?

— Por que ninguém me disse que o Samuel estava esse tempo todo em Manchester? — a pergunta sai da minha boca sem que nem mesmo eu entenda o motivo, já que eu nem me lembrava mais disso.

É como um daqueles momentos em que a cabeça da gente parece dar um estalo e determinado assunto surge, do nada, em nossa mente. Percebo que meu irmão e o amigo dele ficaram, visivelmente, desconfortáveis com esse assunto inesperado. Alexandre, que, até então, me encarava sorrindo, agora tenta desviar os seus olhos dos meus.

— Como assim? — meu pai pergunta confuso. — Você não sabia?

— Como eu poderia saber se ninguém me falou nada? — digo um pouco mais exaltado do que deveria.

Meu pai me lança aquele olhar que diz "baixa a tua bola senão eu faço isso pra você" e eu me calo, imediatamente, e baixo a cabeça.

— Simon, why did not you tell your brother about Samuel's trip? (Simon, porque não contou para o seu irmão sobre a viajem do Samuel?) — Meu pai pergunta, calmamente, enquanto leva uma colher com sopa à boca.

Olho para o meu irmão e o vejo pálido, como se todo o sangue do seu corpo tivesse se esvaído. Ele sabe que aquela calma do nosso pai é apenas aparente. Quando papai se aborrece muito com alguma coisa ele começa a falar em inglês, sem nem se dar conta, e esse é um sinal do tipo "fujam para as colinas".

— Eu... ah... — Simon fica tão nervoso que eu tenho a impressão de que ele vai sair correndo a qualquer momento — eu acho que acabei esquecendo... — ele olha para mim como se suplicasse por ajuda — desculpe irmão...

— Tudo bem... — digo, compadecido — isso já não tem importância.

Meu pai franze o cenho enquanto olha para Simon e para mim em seguida. Não é comum ele se aborrecer assim. As poucas vezes em que aconteceu resultaram em semanas de castigo tanto para mim quanto para o meu irmão. Confesso que a possibilidade de ver um homenzarrão como o Simon ser colocado de castigo pelo pai até que me soa divertida. Eu acabo sorrindo com esse pensamento, mas desmancho o sorriso assim que noto o olhar do meu pai sobre mim.

— E quanto a você, Alexandre — vejo meu irmão soltar a respiração, aliviado, ao ouvir nosso pai se voltar para o amigo e falando em português.

Eu Sempre Te AmeiOnde histórias criam vida. Descubra agora