A fênix de fogo puro se aproximava, mais furiosa do que nunca. As árvores mais altas eram queimadas pelo seu calor intenso. Kris continuava olhando nos olhos de Aubrey, sem perceber nada a sua volta. Só existia ela e era tudo que importava. Aubrey apertava forte as mãos dele. O ar a volta deles mudou. As mãos que se tocavam, começaram a brilhar intensamente. Era uma luz diferente, não como a do sol ou da lua, mas uma luz verde-prateada. Algo nunca visto antes. A fortaleza vibrou. Todos que estavam em função de proteger os muros, se viraram para verem o brilho.
A fênix continuava voando com toda velocidade, mas aquilo pareceu sumir da cabeça de Kris, como algo distante e sem perigo. Os olhos de Aubrey ainda estavam nos seus.
Um clarão cobriu todos. Não era a fênix, nem nada conhecido. Um escudo, claro como a luz da lua, começou a subir, protegendo-os. Toda a fortaleza foi se envolvendo nesse domo verde e prateado. A fênix, que antes vinha com toda velocidade, freiou no ar, dando um pio assustado e desviou da barreira de energia.
- Pelo sol! - A voz do sacerdote foi mais alta do que de costume. - Eles nos salvaram!
O grito de satisfação e os aplausos irromperam por toda a extensão do muro. Aubrey se soltou de Kris e segurou o vestido, caminhando com pressa até o corpo de Kelene. Não haviam comemorações ali perto.
- Não há tempo para comemorações! - Aubrey disse em voz alta, para que pelo menos metade de todos ali a ouvissem. - Cuidem dos feridos e dêem funerais dignos aos mortos. Ainda não acabou.
Kris olhou para a barreira. Emanava pura energia. Ele se aproximou para toca-la, mas a força o repeliu, lançando sua mão para trás. A movimentação nos muros foi geral. Feridos sendo carregados e os mortos sendo envolvidos em mortalhas.
- Garoto. - Ayana se aproximou. Tinha um corte longo na bochecha, mas fora isso parecia bem. - Você fez isso?
- Parece que sim. - Ele disse, notando ela não expressão nenhuma emoção aparente. - Me sinto como se tivesse poderes diferentes. Como se... Não sei explicar.
- Sobre isso. - Ayana tomou um tom mais sério ainda. - Preciso conversar com você a sós.
- Isso pode esperar. - Meg puxou Kris pelo braço, o levando até uma parte do muro onde um homem agonizava de dor, devido a uma queimadura na perna. - Kria disse que pode cura-lo.
Kria saiu de perto de Luize, que ajudava o homem, e foi para perto do irmão.
- Papai nos ensinou a curar usando a terra. - Kria entregou um jarro cheio de terra para ele, tinha um cheiro familiar. - Sei que pode se lembrar da técnica se se esforçar. Acabei de pegar do Jardim. Se trabalharmos juntos, vamos conseguir salvar mais pessoas.
- Kria, eu não sei...
Antes dele terminar de falar, Kria foi puxada por Luize, que a acompanhou até outro local.
O homem agonizando soltou um grito alto. Kris reparou que sua perna parecia estar ainda queimando. A magia da tribo do fogo era muito destrutiva.
- Fica calmo. - Meg segurou a mão do homem. Kris reparou que era o mesmo que havia ido ao baile com ele. - Kris, o ajude.
Kris assentiu e respirou fundo. Curar com terra? Como faria isso? Foi então que seu pensamento clareou. Pegou um punhado de terra com as duas mãos e fechou-as. Após um minuto de concentração, ele abriu novamente as mãos e jogou a terra no local da ferida. Kris pensou que o homem gritaria, mas ele pareceu se aliviar.
- Eu... - O homem olhou para Kris, confuso. - Não sinto nada.
Meg se aproximou e limpou a terra com as mãos. Não havia ferimento algum. Ela sorriu, contente.
- Você conseguiu. - Meg o abraçou, agradecida. - Obrigada.***
O movimento havia diminuído. Não havia ninguém nos muros, a não ser Kris. Ele encarava os estábulos, que ardiam em chamas. Seu coração doía de pesar. Apesar de sentir em seu interior que nenhum cavalo morreu, ele nunca os veria novamente. É muito provável que todos fugiram para um lugar seguro. Melhor do que morrer. Andando pelo ar frio da noite, iluminada pelo domo protetor, ele viu uma figura, se braços cruzados, olhando para a floresta. Era Aubrey. Usava o mesmo vestido verde, agora sujo de fuligem. Os cabelos, mesmo agitados devido às lutas, não a deixavam menos bonita.
- Aubrey? - Ele se aproximou devagar. Ela o encarou e deu um sorriso fraco, voltando a expressão séria de antes. - Não está no funeral.
- Não posso ir. - Ela disse, olhando para a clareira. - Eles podem voltar a qualquer momento.
- Os guardas podem vigiar. - Kris se posicionou ao lado dela, observando a floresta vazia. Desde quando o domo foi levantado, não havia sinal de ninguém da tribo do fogo. A própria fênix havia sumido.
- Não. - Ela balançou a cabeça em negativa. - Não sei como, Kris, mas me sinto responsável por tudo que está acontecendo. Garva me disse que as pessoas estão agindo estranhas depois do ataque. Isso está afetando todos. E esse sentimento de culpa não sai de mim.
- Não deveria se sentir assim. - Kris continuou encarando a floresta sombria e silenciosa. - Você salvou a todos. A única que deve ser culpada é Ysmatiz.
- Ysmatiz. - Aubrey repetiu o nome. O desgosto e ódio marcados na voz. - Se eu um dia a ver... Eu posso me matar, mas arrasto ela comigo pro...
- Para. - Kris se virou para ela, fazendo com que ela se virasse também. - Você é bem mais que isso. Não se rebaixaria a enfrenta-la sozinha. Você tem amigos. Pessoas que se importam com você.
Aubrey o encarou. O sorriso que ela deu fez Kris também o retribuir.
- Você parece me conhecer muito mais do que eu. - Aubrey disse, ainda sorrindo.
- Bom... - Kris deu de ombros. - Somos casados, então.
Kris conseguiu o que queria. Aubrey deu uma gargalhada. Aquela risada que fazia com que ele melhorasse na hora. Ela pegou na mão esquerda dele, estendendo o anel de esmeralda. Não houve mais comentários. Os dois se olharam sérios. E ali mesmo, à luz da proteção, seus lábios se tocarem. Mais que isso, seus lábios se abriram conforme o beijo se intensificava. Aubrey segurou na nuca dele com força, parecia temerosa do momento acabar. Ele uniu as mãos dele à cintura dela. Aquele era um momento dos dois e somente deles. Nada mais parecia importar. Somente um ao outro.
- Com licença? - A voz repentina os assustou, fazendo eles se afastarem. Ayana estava ali ao lado deles, com uma expressão séria. O corte na bochecha ainda visível, porém sem sangue. - Estou interrompendo?
- Não! - Kris se virou de costas, disfarçando o rosto vermelho.
- Ótimo. - Ayana se virou em direção as escadas para descer o muro. - Me siga.
Kris frisou as sobrancelhas. Ela estava muito estranha.
- Pode ir. - Aubrey assentiu, sorrindo e tamoando a boca com a mão direita. Ele retribuiu um sorriso e foi atrás de Ayana.***
Ela não dizia nada, nem respondia suas perguntas. Continuava andando para mais adentro do Castelo. Não havia ninguém nos corredores. Todos deviam estar no funeral. Ela abriu uma porta e entrou. Era um cômodo, possivelmente nunca usado pelos solares.
- O que aconteceu? - Ele perguntou, entrando no quarto. Ouviu ela trancar a porta e se intrigou. - O assunto é secreto.
Quando ela se virou para ele, não conseguiu disfarçar o susto. Seus olhos pareciam chamas vivas. Onde devia estar seus olhos verdes, estava um tipo de fogo. O corte em seu rosto brilhava na mesma cor.
- Os naturais foram dizimados. - A voz dela era diferente. Parecia pertencer a outra pessoa. - Você é o herdeiro.
- Ayana? - Ele disse, mesmo sabendo que não era mais ela ali. - O que fizeram com ela?
Ayana riu, depois voltando a expressão macabra.
- Um domo não impede a tribo do fogo. - Ela se aproximou, fazendo Kris se afastar. - Quem foi tocado pelo fogo, foi possuído por ele.
Com um movimento inesperado, ela levantou a perna, dando um chute no peito do Kris. O impacto o arremessou para trás, fazendo com que ele batesse a cabeça. Pontos negros inundaram sua vista.
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O Solar
FantasyLivro dois da trilogia "Os Celestiais".Após a fortaleza da lua ser destruída, as lunares realizam uma dura jornada e finalmente chegam na fortaleza do sol, com uma nova esperança. Mas infelizmente os solares não são tão amigáveis quanto elas imagina...