Capítulo 20

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   Tobias adentra a tenda dos feiticeiros logo após o seu mestre, mas o que ele vê no seu interior foi à coisa mais grotesca e nojenta que ele imaginou ser possível.

Havia três feiticeiros. Três feiticeiros que claramente não eram humanos.

Peles cinzentas e olhos amarelados como ouro. Sua pele não era só cinzenta, mas também completamente enrugada como a pele de um velho de centenas de anos. Mas não era flácida, mas si seca e endurecida como coro velho que foi esticado milhares de vezes. Sua aparência não era humana. Seus corpos já foram um dia humano, mas não mais.

Mas não é isso o que o aterroriza Tobias, mas si o corpo de um soldado em um círculo feito com o seu próprio sangue que está no chão com o pescoço aberto. O corpo de um soldado salum que está sendo devorado pelos feiticeiros-demônios que os encara agora.

– Olhos-Amarelos? – pergunta Ashraf com um engasgar.

Olhos-Amarelos?, Tobias entoa em seu pensamento, e, quase que imediatamente, ele encara os olhos amarelados dos demônios a sua frente.

O estômago de Tobias não aguenta e ele coloca todo o seu jantar para fora. Seu mestre encara os demônios sem conseguir acreditar no que ver. Quase que recuando para trás, mas ao ver o sorriso dessas coisas ao perceber o seu medo uma fúria começa lentamente a se acender como uma fogueira no seu coração. Ele não recuaria, não agora.

– Quem ssão vocêsss? – um deles pergunta com uma voz de serpentina e errada.

Ashraf trinca os dentes ao responder.

– Para vocês? – ele pergunta com um risinho desdenhoso. – Pra vocês eu sou o entregar das suas sentenças e elas não são das melhores.

E logo em seguida, com um rugido de fúria, ele brande sua espada em direção ao pescoço deles. Quase tão rápido que o garoto mal pode ver, elas se esquivam do seu mestre com gargalhadas desdenhosas. Seu mestre cada vez mais irritado e fazendo golpes atrás de golpes nas cegas, destruindo e triturando tudo a sua volta com o gume da espada sem jamais cortar um fio de cabelo das criaturas. Ele estava fora de si, Tobias percebia que o seu mestre nunca vai vencer aquela luta com tanta fúria habitando os seus pensamentos.

Os feiticeiros-demônios circulavam Ashraf como sombras zombeteiras sempre o atingindo com golpes de suas garras sem causar grandes danos. Ashraf sentia cada vez mais os golpes deles em seu corpo e o demonstrava em seu rosto coberto pelo sangue do último ataque dos feiticeiros.

– Vamosss, tenfe maisss, humano! Tenfe maisss! – eles o atiçam.

E com outro rugido de fúria e ódio, Ashraf parte pra cimas deles como um louco sedento por vingança. Ele não podia continuar assim e Tobias não ia deixar.

O garoto puxa o seu arco das costas com uma flecha já encaixada em um dos dedos. Os feiticeiros solta uma gargalhada sombria como a de uma serpente sufocando em um rio fervescente.

Os olhos deles ganhavam brilhava e intensidade cada vez mais com o prazer que sentiam em torturar uma alma atormentada, como se ganhassem poder com o sofrimento do Batedor.

Com uma flecha encaixada no arco, ajoelhado na entrada da barraca o garoto prepara para disparar em um dos feiticeiros, mas eles se movem rápido demais para que ele possa conseguir um tiro limpo. Seu mestre, perdido na beira da insanidade, não ajudava muito. Mas antes que o garoto percebesse, seu mestre faz um movimento inesperado que pega tanto a ele quanto aos feiticeiros-demônios de surpresa, acertando a perna de um deles. A criatura solta um grito de dor meio gorgolejo meio urro horripilante de gelar coração. Um líquido negro-azulado sai de seu corpo, o que Tobias entendeu como sendo o sangue dos feiticeiros.

Seu mestre abre um sorriso de desdém, mas antes que ele pudesse dizer alguma coisa, o feiticeiro já saltava sobre ele com a boca a revelar dentes afiados como o de lobos.

O sangue de Tobias congela e o tempo parece parar assim que o monstro morde o pescoço de Ashraf. Sua respiração para e ele nem mesmo percebe que soltou a sua flecha que dispara contra a cabeça do feiticeiro com o sangue e fibras do Batedor a escorrer pela boca.

O feiticeiro-demônio nem percebe que a flecha do garoto o atingiu até que ele caia no chão morto, mas o segundo, que estava ao seu lado, ver o seu irmão cair no chão com uma flecha atravessando o seu crânio de um lado a outro com um misto de horror e surpresa. Raios de luz e energia azul começam a faiscar em suas mãos assim que ele lança um olhar âmbar cheio de raiva e dor para o garoto.

- Vofê! Vofê vaiz me pagar por isssssso! – ele diz dando um passo em direção ao garoto.

Tobias não sabia o que sentiu nesse momento. Não sabia se sentia medo ou resignação. Ele nem mesmo sabia que tinha matado o outro monstro. Monstros... Sim, era isso o que aquelas criaturas antinaturais eram. Só monstros poderiam causar aquele pesadelo. Desde o começo aquela batalha estava fadada ao fracasso. Todos sabiam. O general sabia, os comandantes sabiam, os seus tenentes e capitães também sabiam disso, até mesmo os soldados que escolheram morrer defendendo sua terra, sabiam. Todos sabiam. Todos sabiam dos seus destinos e mesmo assim escolheram seguir esse caminho. Agora? Agora estão todos mortos em um campo carbonizado, transformados em cinzas ou ainda em combustão.

Todos sabiam o que seguir por esse caminho traria, menos eu..., os pensamentos de Tobias continuam a girar e a girar com dúvidas, ressentimentos e resignação.

O feiticeiro continua a dar seu passo, lentamente se aproximando de um Tobias sem expressão e sem qualquer desejo de sobreviver. As mãos do feiticeiro continuam a explodir em energia armazenada, quase pronta para dar uma descarga que transformará o garoto em poeira e cinzas.

Por quê? Por que seguir um caminho quando todos sabiam como terminaria?, ele se pergunta. Por que lutar em uma guerra que o levará a morte? Por que eu tive que seguir esse mesmo caminho? Por que o meu mestre estava tão determinado em vir nessa batalha?

Perguntas sem respostas continuavam a brotar em sua cabeça. Ele continuava a encarar o corpo do seu mestre com um grande e sangrento buraco escuro no seu pescoço. Ainda era possível ver as marcas dos dentes do feiticeiro. Dentes afiados como laminas que o cortaram e o fatiaram.

O feiticeiro já estava em cima dele quando uma memória que queima como fogo explode em meio à tempestade de perguntas como se em uma resposta a todas elas.

Tobias, nunca desista de viver.

A voz do seu mestre. O seu desejo ardente pela vida. Sua preocupação em aproveitar cada momento, mesmo os momentos mais chatos da vida cotidiana, com um desejo ardente de saborear e aprender mais. Pequenas manias que marcaram Tobias nesses últimos meses. Pequenos atos e vícios que Tobias aprendeu com ele nessa viagem até as Fronteiras. Ele entendia agora. Ele sabia a resposta de todas as suas perguntas. Ele sabia o que queria fazer agora.

Ele queria viver! Viver cada dia e momento da sua vida como se fosse o último.

Mas assim que ele levanta o olhar do corpo do seu mestre, um monstro com pele enrugada como um ancião de centenas de anos o encara com olhos amarelos âmbar e um sorriso cheio de presas lupinas.

– Adeusss, garofo!

E uma mão forte envolvida em serpentes explosivas azuis cai sobre a sua cabeça. O garoto não tem tempo de assimilar aquilo tudo, mas ele percebe que aquele é o seu fim assim que as garrafas do feiticeiro se fecham em seu crânio.

Idiota, esse o seu último pensamento, um pensamento que era tanto um insulto a si mesmo quanto a sua própria situação para com os seus deuses que o abandonaram.

O sorriso do feiticeiro se amplia e uma enorme descarga explode contra o seu crânio. O mundo ondula e desaparece em uma bola de luz branca antes dele sentir todo o seu corpo explodir em espasmos e fogo.

Ânsias da Juventude - Série Os Cavaleiros Alados - Primeira FaseOnde histórias criam vida. Descubra agora