Era o meu quarto dia de trabalho e eu não podia me conter de tanta ansiedade. Será que o rapaz misterioso iria aparecer? Ele tinha que ir. E se ele fosse, eu tentaria uma abordagem mais sexy. Ele precisava reparar em mim. Ele precisava me olhar com outros olhos.
A manhã acordou chuvosa. Olhei pela janela e mal consegui ver o sol atirando as suas primeiras flechas de luz. Era quarta-feira e eu tive que acordar mais cedo. Katy pediu pra eu abrir a cafeteria. Ela iria se atrasar um pouco.
Então, acordei sorridente e fui me arrumar. Vermelho foi a cor do vestido que eu resolvi vestir naquele dia. Tomei meu café e segui em direção à rua. Estava muito frio, eu estava tremendo e mal conseguia observar as pessoas por de trás de seus guarda-chuvas.
Alguns minutos depois, cheguei ao café e lá estava ele, lindo como sempre, o sobretudo preto caindo sobre o coturno, a barba coberta por um cachecol verde como os seus olhos e o olhar, faminto, direcionado a mim. Não sabia se ele queria me devorar no bom ou no mal sentido, mas que ele queria, ele queria.
- Bom dia. – disse, escondendo o crucifixo em baixo do cachecol. – Chegou cedo hoje. Senti sua falta ontem. – completei ao abrir a porta do estabelecimento. – Tudo bem?
- Não é da sua conta. – respondeu, grosseiro. – E que eu saiba o café abre as sete horas. Já são sete e vinte e cinco.
- Me desculpe. Andei mais devagar hoje por causa da chuva. – respondi, me encolhendo de frio ao adentrar a porta de vidro.
- Não me interessa o que te fez chegar atrasada. Eu estou com fome e tive que esperar. – respondeu ao entrar atrás de mim. - Além disso estou atrasado. Tenho compromisso.
- Você vai vir lanchar aqui todos os dias de manhã? Se sim, será meu cliente vip. – respondi ao encara-lo.
- Não é da sua conta. – respondeu ao seguir para mesa sete. – Venha já me atender. Estou com pressa.
- Pra que tanta pressa? – questionei ao tirar o saco e pendurar no cabideiro. – Você pode ficar aqui o tempo que quiser. – completei. – Por que está tão estressado?
- Não é da sua conta, menina. Você está aqui para me servir! Cale a boca. – se alterou. – E quantas vezes eu vou ter que falar para tirar essa merda do pescoço a hora que for me atender. – completou olhando pro meu crucifixo.
- Eu já te disse que não posso tirar. – respondi, segurando firme o colar. – Eu fiz uma promessa para minha avó e disse que nunca o tiraria. Essa é a minha proteção.
- Mas eu já mandei você tirar isso quando for me atender. – gritou, levantando e vindo em minha direção.
- Desculpe, pensei que tivesse guardado de baixo da roupa. – olhei para baixo e notei que ele estava com a pontinha para fora. Tentei colocar novamente, mas foi inútil.
Meus olhos lacrimejaram, mas fiquei firme. Ele partiu para cima de mim colocando uma mão no meu pescoço e a outra na minha cintura. Pensei que ele ia me enforcar. Mas os olhos dele penetraram os meus e ele se calou, me encarando, intenso.
Parecia que estava tentando se conter. Mas ele queria me engolir, de alguma forma ele queria me devorar. Vi ódio no olhar dele, mas também tinha desejo ali. Eu podia sentir. Ele deslizou as mãos sobre o meu quadril, olhou fundo nos meus olhos, me empurrou e saiu.
Fiquei sem ar. Não sabia o que eu estava sentindo, era uma mistura de apreensão e desejo que não cabiam em mim. Eu ia saindo atrás dele quando Katy chegou.
- O que foi menina? Que olhos arregalados são esses?
- Você não ia chegar mais tarde hoje? – perguntei, tentando olhar o rapaz pelo vidro.
- Ah, o Kim ia sair cedo, mas não saiu. Então ele vai ficar com a neném até a babá chegar. – respondeu, colocando o avental.
- Entendi. Bom então. – respondi seguindo para o balcão.
- O que foi? Você está estranha hoje. Aconteceu alguma coisa?
- Não! Estou muito bem. – respondi, aérea.
Como seria o nome dele? Se ele retornasse no dia seguinte eu teria que perguntar. Com certeza eu iria perguntar. O que estava me incomodando era o crucifixo. Eu sentia que aquilo era a única coisa que estava entre a gente. Mas eu não podia tirar. O que eu iria fazer? Liguei a televisão.
- A polícia acaba de encontrar pistas. Nesta madrugada, os assassinos deixaram algumas mensagens perto do "Le petit doux caffé", no centro de Paris. – começou o repórter do jornal da manhã.
- No bilhete, eles ameaçaram todos: Nós já realizamos dois ataques e eles serão um total de vinte e cinco. Tomem cuidado, nação de merda. – Completou, lendo a mensagem em suas mãos. – As autoridades competentes ainda não têm certeza quanto a natureza dos crimes, mas alguns especialistas já têm algumas sugestões. As investigações estão sendo mantidas em sigilo. Mas pedimos a todos que tomem cuidado.
Desliguei a televisão, assustada. Olhei para o meu colar, apertei bem forte e pedi a Deus para que aquilo fosse mentira. Para que só fosse uma ameaça sem fundamento de algum psicopata descontrolado que não tem o que fazer.
- O que disseram os noticiários? – disse Katty ao se aproximar.
- Eles acharam um bilhete perto daqui. Disseram que irão realizar mais 23 ataques. – respondi, friamente.
- Ai meu Deus, eu vou parar de trabalhar e me trancar em casa. – respondeu Katy, assustada. – Se eu morrer quem irá cuidar do meu neném?
- Eu não tenho medo. "Mil caíram ao seu lado, dez mil a tua direita, mas tu não serás atingido". – respondi, convicta.
Eu podia sentir o medo penetrar as correntes sanguíneas de Katy. Mas eu não sentia nada. Eu estava certa de que nada iria acontecer comigo. Eu não tinha o que temer. Eles não iriam conseguir chegar até mim e eu iria me cuidar. Além de tudo, se o barbudo cedesse aos meus encantos, ele também poderia me proteger.
E eu tinha coisa melhor para fazer, como pensar nele, por exemplo. De repente ele passou a ser um dos motivos que me faziam acordar todos os dias. Eu não poderia dizer que aquilo era amor, pois eu ainda nem o conhecia. Mas por que não poderia vir a ser? Eu estava obcecada por ele e o fato de ele me desprezar me instigava ainda mais.
- Será que eles vão cumprir a ameaça? – perguntou Katy, aflita, enquanto pegava um pedido no balcão.
- Só Deus para saber! – respondi, entregando a bandeja.
=^
VOCÊ ESTÁ LENDO
A vigésima quinta lua (COMPLETO)
RomanceEssa é a história da jovem católica Nicole, que vivia uma vida tranquila até começar a trabalhar em um café no centro de Paris, onde conheceu um jovem muçulmano que passou a atordoar todos os seus dias. Medo, horror, desejo e mistério era o que o h...