Era o meu segundo dia de trabalho e naquela manhã eu havia acordado bem disposta. Ao me olhar no espelho, notei que minha baixa autoestima finalmente tinha me deixado em paz.
Além disso, eu não estava mais assustada com incidente que havia presenciado dois dias antes. Felizmente sempre fui o tipo de garota que esquece rápido de coisas ruins. Prefiro lembrar e guardar só o que foi bom. Então, tudo aquilo passou a ser uma lembrança distante que cedo ou tarde eu já nem lembraria mais.
Minha mãe sempre me disse que esse meu otimismo exagerado e essa minha falta de medo um dia poderiam me prejudicar. Que o fato de acreditar que nada de ruim vai acontecer comigo poderia me levar ao colapso. Mas nunca dei ideia, acredito que pensamentos positivos atraem coisas positivas, então resolvi seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Olhei para o espelho e me vi linda. O meu cabelo ruivo caia ondulado em meus ombros nus.
- É, Nicole. Hoje você não está tão feia. – disse, em voz alta para mim mesmo.
O que estava acontecendo? O que, naquele dia, havia acordado diferente? Minha aparência estava igual. Mas dentro de mim algo havia mudado. A muito tempo eu não via olhos tão famintos olharem para mim daquele jeito. Será que ele voltaria algum dia para provar do meu café?
Bom, mesmo não sabendo se ele voltaria ou não, saí da frente do espelho e decidi me arrumar um pouco mais. Passei uma maquiagem leve e coloquei o meu uniforme de sempre: Um vestido rodado a cima do joelho. Eles eram os meus preferidos e eu tinha um de cada cor. O de hoje era amarelo. Pensei que fosse combinar bem com os meus cabelos e com o meu olho cor de mel.
Caminhei, distraída, pela bela Paris. Era o início do outono e o meu sobretudo estava quase pedindo uma segunda pele por baixo. Os dias estavam ficando mais curtos e o frio começava a dar seus primeiros sinais vitais.
As ruas estavam coloridas e as folhas vermelhas caiam delicadamente sobre os meus cabelos. Da minha casa até a cafeteria era mais ou menos uns vinte minutos e eu tomava isso como uma caminhada matinal. Era bom andar e observar as pessoas caminhando na rua, ainda mais naquela estação, onde tudo ficava ainda mais bonito.
O emprego havia me caído como uma luva. Eu tinha terminado a faculdade a um ano e precisava de uma renda extra para viajar e conhecer o mundo. Então, nada melhor do que trabalhar em um dos cafés mais populares da cidade.
Passaram alguns minutos e eu cheguei. Coloquei a minha bolsa na salinha dos fundos e comecei com o trabalho. Minha colega Katy, a que me arrumou o emprego, já estava servindo algumas mesas.
As pessoas costumavam passar por lá para comer croissant todos os dias antes do trabalho. E não era atoa, pois nunca havia comido um tão gostoso como os do "Mon Petit Doux caffe". Nós tínhamos um de doce de leite que era de ressuscitar qualquer defunto.
- Bom dia, Katy. – disse ao amarrar o avental na cintura.
- Bom dia, Nicole. – respondeu com o longo sorriso no rosto. – Ao trabalho? – ela levantou uma xícara de café.
- Ao trabalho. - retribui o gesto.
- Mesa cinco quer dois cafés expressos e seis croissants de doce de leite. – informou ao se virar e correr para a mesa com seus patins. Sim, as garçonetes usavam patins, o que ajudava na agilidade do serviço.
Me virei para preparar o pedido e, como sempre, era como se eu me perdesse dentro da borra de café. Eu imaginava um monte de figuras ao olha-la se misturar com qualquer liquido que fosse, e dessa vez não teria sido diferente.
- Nicole, tem um rapaz na mesa sete que solicita a sua presença de qualquer forma. – começou Katy com cara de assustada. – Eu já disse que você não é garçonete, mas ele exige que você vá atende-lo na mesa.
- Quem? – perguntei ao virar para a mesa sete. E lá estava ele novamente. O moço do dia anterior. – Pode deixar eu que vou lá atende-lo.
Respirei fundo, arrumei os cabelos, retoquei o batom cor de boca e segui em direção a mesa. Ele estava lindo. Os olhos marcantes me encarando, os músculos pulando da camisa branca e a barba, enorme, cobrindo quase toda a parte inferior de seu rosto.
- Como posso ajudá-lo? – perguntei, ousada.
- Quero um café puro e sem açúcar. – respondeu com a voz grossa e firme. Os olhos verdes dele ainda estavam grudados nos meus. Ele parecia meio árabe, meio francês. Devia ser uma mistura louca, mas eu garanto, foi uma mistura que deu certo.
- Me desculpe, eu só preparo os pedidos. Mas o senhor pode faze-los com qualquer uma dessas garçonetes de avental verde e patins. – respondi, audaciosa.
- Mas não quero ser atendido por elas, quero ser atendido por você. – retrucou com uma voz ainda mais firme.
- Por que? – perguntei, me arrependendo logo no segundo seguinte.
Ele me mirou e, de novo, olhou para o crucifixo no meu busto. Parecia ter ódio no olhar. Um mistério, uma intensidade que eu não conseguia entender. Ele me passava apreensão, mas ao mesmo tempo, desejo.
- Me desculpe, senhor. Não foi isso que eu quis dizer. É claro que eu vou te atender. – contornei, desconcertada.
Me virei e fui até o balcão buscar o pedido do jovem, minutos depois voltei com um café preto e bem amargo.
- Prove para ver se é de seu gosto. Caso não seja, trarei outro. – disse, confiante.
- Você é cristã? – ele perguntou com o olhar fixo no meu crucifixo.
- Sou. – respondi, surpresa com a pergunta. – Por que? – perguntei, curiosa.
- Não interessa. – respondeu, esdruxulo.
- Me desculpe. – respondi, ao me virar para sair.
- Fique aqui! Eu ainda não terminei. – me abordou, grosseiro.
- No que mais posso ajudar? – perguntei, raivosa.
- Toda vez que eu vier aqui quero que você me atenda. – prosseguiu, com os olhos intensos nos meus. – E quero que tire esse negócio do pescoço quando dirigir a palavra a mim.
- Eu não tiro ele desde quando nasci. – respondi, com raiva.
- Mas eu exijo que tire para me atender!
- Mas eu não posso!
- Você pode o que eu quero! – completou ao virar a xícara de café, colocando-a grosseiramente em minhas mãos.
Ele se levantou e foi embora antes que eu pudesse perguntar o porquê de toda aquela raiva. Mas eu também não saberia como fazer isso. Eu estava tensa, nervosa e sem entender nada do que estava acontecendo. Ele era lindo, mas em seus olhos eu via o ódio. Um ódio tão grande que era como se ele já me conhecesse. Parecia que ele me odiava e que queria de todas as formas me fazer mal.
E o pior de tudo é que por mais que ele tenha me deixado nervosa, eu ainda queria vê-lo de novo. Algo nele me chamou atenção. Algo que eu não sabia explicar. Eu simplesmente precisava olhar dentro do olho dele de novo. Desvendar o mistério. Saber o porquê de tanto ódio de alguém que nunca havia visto antes. E o meu crucifixo? Por que ele mandou tirar para atendê-lo? Eu não estava entendendo nada, mas eu precisava entender. Eu precisava ver ele de novo.
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A vigésima quinta lua (COMPLETO)
Roman d'amourEssa é a história da jovem católica Nicole, que vivia uma vida tranquila até começar a trabalhar em um café no centro de Paris, onde conheceu um jovem muçulmano que passou a atordoar todos os seus dias. Medo, horror, desejo e mistério era o que o h...