Purgatório.

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Adib Jatene

Eu pensei ter visto a morte de perto e, pelo que me disseram, realmente vi. Quando eu acordei na UTI me contaram das costelas e maxilar quebrados e que a força foi grande ao ponto de desloca-lo. Disseram que foi sorte. Mais um golpe e eu não teria mais jeito. 

Percebi que minha situação era crítica ao me dar conta que estava algemado. Esse é apenas o início do pesadelo. Não sabia do tamanho do problema no qual já estava. Não tenho noção do tempo que ja se passou desde o ataque de Jonas, muito menos como consegui sair vivo. 

Durante a minha recuperação perguntava a todos como estava Sarah, perguntava sobre o tempo que estive desacordado e sempre me remetiam ao médico responsável. Quando finalmente fui atendido vi que foram meses. PORRA!! Quatro meses apagado e mais alguns dias de recuperação até ser levado até a prisão. Não posso demorar, minha princesa precisa de mim. Ela precisa e agora grades nos separam. Ela está me esperando. 

Voltar para esse purgatório me lembra o motivo pelo qual comecei a tomar remédios. É insuportável ficar trancado enquanto o desejo de fazer justiça grita. Estou preso a meses e sem nenhuma previsão de meu novo julgamento. 

Acordo ao ouvir o carcereiro chamar meu nome e logo sou dirigido até a sala de visitas. Ao chegar sinto o ódio entalar em minha garganta. É ele. Ele quem me colocou aqui. Ele está logo atras desse vidro com seu terno aprumado e sua gravata. Thiago Saether não perderia a chance de me ver aqui. 

 Jatene, pensei que não iria sobreviver. – Preciso conter meus nervos para não levantar e me retirar da frente desde homem. 

 Eu quero saber da Sarah! Quero saber da minha princesa! – Ele sorri com a minha irritação e põe sobre a mesa alguns papéis. Sua calma me irrita. Tudo que vem dele me irrita.

 Seus pacientes... Deve estar preocupado com todos, não é?  Claro que te darei notícias de cada um. – Ele foleava os documentos em cima da mesa. Para mim, apenas importava a Sarah, mas não consegui faze-lo ir direto ao assunto. MALDITO PROLIXO! – O paciente Natan Kerbi fugiu da ilha ao lado de Jonas Bencke, mas os dois tiveram um grave desintendimento no navio e o Judeu foi devolvido ao mar. Conseguimos encontra-lo na orla totalmente desidratado e... Bom... Foi necessário fazer um tratamento intenso com ele após o trauma que passou com Jonas. Agora está praticamente curado com os choques que prescrevi, não fala mais sobre os nazistas... – Deu um breve sorriso. – Na realidade, falar é uma grande dificuldade quando não se consegue fechar a boca.

O Natan nunca foi um paciente grave. Ele pagou para se internar, só queria se livrar dos nazistas. Sua família acabou por descobrir sobre a internação e pagou para que o mantivéssemos longe. A ganância é o mal deste século. 

Ele seguiu.

 Jonas Bencke você tem notícias mais vivas, já que foi ele quem te deixou assim... Bom, uma moça sobrevivente contou sobre o que houve... Ele tinha te deixado e foi atacar um senhor de meia-idade quando ela foi vista. A moça fugiu e, ao chegar na proa do navio Jonas começou a alucinar. Tão forte quanto jamais visto e acabou por cair no mar. Ele afundou e o corpo não foi encontrado. 

Jonas estava mal. Transtornado. Eu nunca havia o visto daquela forma... A morte foi merecida àquele assassinozinho de merda!! Devia ter morrido em uma das minhas seções de ECT, devia ter morrido babando! Maldito! Covarde! 

 Bom, e sua paciente de estimação; Sarah Casten. Assim que você a abandonou na ilha sozinha, ela teve um de seus surtos mais graves. Nele, matou o paciente Thomas o qual considerava seu 'irmão' e, na sua fuga jogou-se do teto do hospital. Ela caiu nas pedras e não resistiu. Jogamos o corpo no mar junto ao do corpo de sua última vítima. 

Não. Minha Sarah não... ELA NÃO PODE TER MORRIDO!! A culpa foi dele. DELE! O sorriso perverso nos lábios de Thiago me fez porrar o vidro. PREFERIA QUE TIVESSE SIDO A CARA DESSE DESGRAÇADO! MINHA SARAH! MINHA MENININHA! O buraco em meu peito agora faz sentido. Senti dor. Acertei o forte vidro a minha frente repetidas vezes. A dor em meu pulso não foi nada. Nada!! Eu quero minha Sarah, eu não posso ter perdido de novo! Eu prometi cuidar dela! Eu prometi estar ao seu lado e não pude. 

– VOCÊ FEZ ISSO COM ELA, THIAGO! A CULPA FOI SUA, SEU MERDA! ...A culpa... Foi minha. – Eu devia ter lutado, eu devia ter gritado o que eu sentia por ela. Maldito medo! ERA PARA ELA VIVER COMIGO! EU AMAVA A SARAH! EU A AMAVA E ELA NUNCA SOUBE DISSO... AMAVA E ELA MORREU PENSANDO QUE A LARGUEI, QUE A ABANDONEI!! ELA PENSOU QUE EU MENTI COMO TODOS OS OUTROS!!

Eu devia ter gritado um pouco mais... Devia ter lutado... Thiago apenas ficou em pé e, ainda com seus papeis na mão deixou um pela abertura do vidro, por baixo. É a prova. A prova que eles são uns merdas, filhos da puta! É o atestado de óbito da minha Sarah, assinado pelo seu estuprador como a cereja do bolo. A descrição do seu corpo após o acidente é terrível... Meus olhos mal conseguem terminar de ler antes que perdesse completamente a força e postura... Caí em prantos mesmo em frente ao meu ex chefe. Eu a perdi. Ela era o meu motivo e eu a perdi. Eu a perdi para sempre. Escutei seu riso contido sob os lábios finos.

– Pode ficar com essa cópia para você. Será a última lembrança dela. – Meu peito dói. Não sei de onde eu tiraria forças para seguir de novo. Minha família se foi, agora minha Sarah também... A culpa é minha... Como sentir algo que não seja desejo de vingança? Que não seja tristeza? Como sentir algo que não seja ódio? 

Eu imaginei que os vidros fossem mais resistentes do que meu punho. 

Fingi que não queria ficar com o atestado de óbito de minha Sarah e apenas esperei Thiago se aproximar do vidro. Acertei novamente aquele material que nos separava e logo o ouvi quebrar. Quebrou e os estilhaços voaram diretamente no rosto de Thiago juntamente com minha mão. Dessa vez eu não tenho nada a perder. Aquele rostinho jovem ficou cheio de sangue. Não quero saber se isso irá aumentar minha pena, ele tirou tudo de mim agora eu vou marca-lo para sempre. PARA SEMPRE! 

Ele não se soltou. Não sei bem como passei pelo buraco do vidro, mas sei que a cara do desgraçado não é mais a mesma. 

Agora estou com meus pulsos dormentes, mas não dura muito mais tempo. Os guardas mentiraram de cima dele. Tentei me soltar. Puxei. Chutei. Gritei.

– EU VOU MATAR ESSE DESGRAÇADO! – Enquanto me puxaram novamente para minha cela meio aos meus berros pude ouvir algo bem claro da boca do próprio Thiago;

– Esse é claramente um caso para o Island Asylum. Entrarei com a documentação necessária.

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