Jaz a manhã agora suave. Eu estava deitado em minha cama, envolto em meu edredom, perdido em minhas metáforas, as quais eram as únicas proteções contra os monstros escondidos pelo quarto. O sol ainda estava tentando, preguiçosamente, nascer. Devo dizer que, neste dia, assim como a estrela tão ardente e sedentária, eu tentava despertar, mas não de meu sono que já fora esquecido nas brumas da noite, e sim da tediosidade do mundo real.
Eu me perguntei por muito tempo como continuar a escrever essa história, afinal não é uma crônica em que estou mais habituado, mas como escritor decidi permitir-me aventurar neste texto híbrido apenas para contar uma história que beira a realidade, pois a fantasia se tornara irmã de meus dias e da expressão de minha rotina em reflexo de minha personalidade. Agora, senhoras e senhores, lhes apresento sem mais delongas, o enfim, inicio da estória.
Naquela manhã mesmo, após os pesares de meus medos infantis, consegui erguer-me da cama, senti as solas róseas de meus pés trazerem por meu corpo uma trilha do arrepio advindo do frio daquele gélido solo ''estranho''. Tenho de confirmar aqui que, este mundo, este mundinho em que vivo me é estranho, não me sinto pertencente a ele, mas aqui estarei e aqui ficarei, para infelicidade geral, e quando digo geral estou me referindo apenas a mim.
Sai cavalgando em silêncio pela casa, mas assim que chego ao corredor que dava a escadaria para o andar térreo, tive uma surpresa, a casa estava inundada. Gritei por meus pais, atônito, mas o único som na casa era o da água batendo na parede, mas era estranho, pois não havia chuva, tampouco meio de que tal desastre anatural acontecesse, estaria eu, portanto sonhando?
Sendo uma pessoa racional, decidi que tal fato só poderia significar que estava num sonho consciente, talvez isso fosse bom, afinal eu como pessoa, fugia do típico clichê do momentâneo desespero pré-história de aventura. Embora, obviamente não fosse isso que transcenderia pelos futuros momentos, ou ao menos, era o que estava especulando.
Engoli em seco por um segundo e me preparei para nadar, segui descendo os poucos degraus que não foram submersos pelas águas que, provavelmente, estariam congelantes. Faltavam apenas alguns centímetros para que meu pálido dedo encontrar com a invasora, quando recuei num sobressalto, a porta estava maluca, ou eu estaria, pois estava ouvindo alguém bater nela, uma visita, num momento tão fatídico, que coincidência inquisidora, comprovava-me o dado fato já dito, só podia ser um sonho lúcido.
Agora, sem relutância, tomei um impulso e joguei-me na água e, surpreendentemente, eu estava respirando, que surpresa isso acontecer num sonho não? Dirigi-me a nado até a porta, a visita batia com força e freneticamente, estava impaciente. Abri então a porta, a imagem que eu esperava era uma pessoa e não era o que se apresentava ali, mesmo para um sonho aquele ser, era surreal, era dadaísta.
- bom dia garoto dorminhoco, já estas atrasado para o passeio - proferiu em tom impaciente a orca elegante, que trajava um terno azul escuro e uma cartola de mesma cor.
- eer... eu eu oi ? - independente do que fosse o sonho e o ser à frente conseguiram arrancar minhas palavras e fazer-me balbuciar.
O que acontecera em seguida não fora muito agradável. Meu simples desentendimento momentâneo resultou em um tabefe muito bem dado em meu rosto por aquela orca mal humorada e mal educada.
- garoto, acorde do transe, minha nossa, nunca viu uma baleia elegante como eu? - ele disse com tanta naturalidade que me senti envergonhado.
- n-na verdade não - respondi fraco, meu rosto não doía, mas pude sentir minhas bochechas esquentarem, devia ter ficado corado.
- enfim garoto, vamos, vamos nos atrasar. - ele indagou finalmente e puxou-me com a nadadeira, não me pergunte como.
Decidi calar-me e apenas concordar, foi então que percebi, estávamos submersos no oceano que, literalmente, cobria toda a cidade até onde minha visão alcançava e agora, o próprio oceano se tornara o céu. Estava boquiaberto e surpreso ao extremo, segui os olhos pelos lugares ao redor por tantos minutos quanto podia perceber, mas não estava notando uma coisa, o mundo estava em um silêncio tão sepulcral, que sequer os pássaros que voavam, ou nadavam, logo acima emitiam som. E admito, a hipnose era completa, eu senti um repentino sono naquele ponto, não lembro o que aconteceu em seguida. Pois tudo ficou preto e eu apaguei.
Uma bolha, duas bolhas, três bolhas, mais e mais bolhas, essa foi minha primeira visão quando abri os olhos. Ainda estava me sentindo zonzo, porém senti uma agitação ao meu lado, ao olhar vi que era a orca, estava segurando um papel escrito em letra de forma '' bem vindo ao seu subconsciente''.
A priori estranhei e tentei responder, mas eu não tinha voz, não estava saindo sequer algum som, no papel que segurava o cetáceo as palavras mudaram e deram origem a outra frase ''no seu mundo não existe som, seu mundo é um frágil universo de vidro, se houver sons, em algum momento ele pode quebrar com qualquer ruído que seja agudo demais ''. Após ler a mensagem sentei-me confortavelmente, sem reação alguma na verdade e fitei o que tinha a frente. Nada mais que quilômetros de uma cidade feita inteiramente de vidro, e por todo lado bolhas de sabão se perdiam avoadamente.
Eu não sei o que aconteceu depois disso, apenas que acordei em meu quarto as 03:25 da manhã, a hora em que eu havia nascido, levantei-me e segui ao banheiro, ao acender a luz foi que vi meu rosto inchado e vermelho, foi apenas quando as vi que senti minhas lágrimas, estavam geladas, e eu percebi, o quão frágil é a personalidade de uma pessoa. Esse suposto sonho nunca mais se repetiu, nunca mais vi a orca elegante e, atualmente, penso que o mundo de O país das maravilhas de Alice fora um sonho como eu, um devaneio que revela a verdade sobre nós mesmos. Apenas para cumprir toda a minha moral, eu queria dizer que o que eu vi na época é pouco do que eu realmente sou, naquela época eu não me conhecia e ainda não me conheço totalmente, meu mundo era um oceano que é sabido por todos, um gigante desconhecido em constante mudanças e, embora eu particularmente não aprecie a ideia de aproximar o mar das pessoas, é inegável que elas, como o senhor azul, nunca vão ser conhecidos por completo por ninguém.
Agora eu tenho que encerrar meu pequeno texto hibrido, alguém está batendo impacientemente na porta e nós sabemos quem pode ser. Bom, até mais.
Assinado : asas do mar
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Diário de Gravuras
Nouvellespequenos e singelos poemas que faço apenas pelo livre arbítrio de uma degustação própria de minhas reflexões assim como demais textos. Crônicas e as vezes outrem.