Episódio 4 - Coração Ferido

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— Hazel — apresentou-se, como quem não estava a fim de papo. — O que quer, Kalina?

— Eu é que te pergunto isso. Tava tranquila, dormindo na minha árvore e você começou a atacar os pobres pokémon. Parece louco, precisava nocautear todos eles?

Petilil tomou a frente, franziu a testa e argumentou com grunhidos fofos demais para serem levados a sério.

— A maioria deles gosta de batalhar e eles se recuperam rápido. Além disso, usei potions nos mais feridos — disse Hazel. — Você ainda não me respondeu o que quer.

— Bárbaros... esses treinadores são todos uns bárbaros.

— Você é uma treinadora também!

— Aí é que você se engana, eu sou uma curandeira pokémon. Respondendo sua pergunta de antes, eu estava passando por aqui, ajudando os pokémon que você machucou, e vi que seu squirtle está ferido, por favor, me deixe dar uma olhada nele.

— Nem pensar. — Colocou Soldado atrás de si. — Amanhã a gente vai passar no Centro Pokémon. Nunca ouvi falar de uma curandeira.

— Centro Pokémon? Eu não confio naquelas máquinas.

— E eu não confio em humanos! Sai daqui!

Milady se interpôs entre eles e pediu para quela fosse embora com um aceno, que indicava tanto uma despedida, quanto uma ameaça.

Kalina entendeu o que se passava com Hazel, era como ver um magikarp, que fora maltratado pelo treinador, e quando evoluiu em um gyarados, só quis destruir tudo e todos.

— Eu só quero ajudar. Não estou aqui para machucar ninguém. Mesmo que eu quisesse, o que eu faria contra você apenas como uma petilil? — A pokémon deu uma cabeçada nela. Como assim "apenas"? — Desculpa, desculpa — disse, tomando-a no colo. — Se quiser, pode revistar minhas coisas. Não tenho outras pokébolas comigo.

Mas não foi Hazel que decidiu se ela era confiável ou não, foi Soldado ao pular do colo do treinador e se aproximar da curandeira. Ela agachou-se, deu a mão para ele e o squirtle deu um soquinho nela.

— É um lutador, hã? — disse ela, sorrindo e inclinando a cabeça. Voltou-se para cima. — O que me diz, treinador?

— Seja rápida. Milady, fique aposta.

A gardevoir achava tudo aquilo desnecessário, mas não desobedeceu-o, pois ela, mais do que ninguém, sabia que o amigo tinha todos os motivos do mundo para desconfiar das pessoas.

Kalina forrou o chão com um lençol branco, tirou da bolsa um pilão e um socador, berries em saquinhos embalados a vácuo, um paninho e uma garrafa de vidro com uma espécie de óleo. Amassou sitrus berry, uma fruta amarela cheia de curvas, e leppa berry, uma frutinha bem pequena avermelhada, misturou com uns outros ingredientes, como pasta de amendoim, água e aveia em pó, e enrolou bolotas com as mãos.

— Aqui — disse ela, entregando os remédios para o pokémon. — Come tudinho.

Soldado segurou a esfera na mão, cheirou-a e abocanhou-a inteira. O gosto não era o dos melhores, mas era centenas vezes melhor do que levar uma esguicho do remédio amargo na cara. Comeu, fechou os olhos, sorriu e agradeceu.

— Fico feliz que tenha gostado. Eu vou te limpar agora, tudo bem? — disse, molhando o paninho com o óleo.

— O que é esse negócio? — perguntou Hazel.

— Óleo de cornn berry perfumado. É ótimo para a pele.

— Hm.

Era encantador ver a moça trabalhando. Olhos gentis, um sorriso no rosto, movimentos delicados que, ao mesmo tempo, não temiam ser um pouco mais fortes quando a sujeira teimava a sair.

— Está pronto, Soldado — disse, fazendo um carinho na cabeça dele.

— Ótimo — disse Hazel. — Pode ir agora, obrigado.

— Ah é, antes de ir... — Ela vasculhou a bolsa, olharam-na como se pudesse tirar uma granada de lá, e tirou um frasquinho com um líquido róseo. — Isso é pra você — disse, entregando o frasco para Milady.

Muito hesitante, a gardevoir pegou o líquido, abriu a tampa e cheirou-o. Tinha o aroma de algo frutal, doce e muito rosa.

— É um perfume de pecha berry — disse Kalina. — Eu mesma que fiz, é claro. Achei que combinava com uma dama como você... a senhorita. — Depois virou-se para Hazel. — Criou uma linda e forte gardevoir, treinador. Meus parabéns.

— Verdade, ela me orgulha muito. — Relaxou um pouco e observou a amiga molhar o dedo com o perfume e passá-lo no pescoço. — Então, você disse que já estava indo.

— Sim, mas... — começou Kalina.

— Mas?

— Tá bem escuro, né? Temo que eu possa me perder. — Ela conhecia a floresta melhor que ninguém e era uma especialista em sobrevivência, viajaria à noite sem nenhum problema.

— E?

— E seria legal se alguém, um bravo treinador, me convidasse para acampar com ele — sugeriu ela.

— Não. Olha, desculpa, sou muito grato a você, mas isso tudo é muito suspeito. Vai embora, por favor — disse Hazel, na maior frieza. Em sua cabeça, não podia existir motivo para ela ficar, a não ser que estivesse tramando algo contra ele e seus amigos.

— Vai deixar uma dama e sua pequena petilil se arriscar nas matas a esse horário e com esse frio, com todos aqueles pokémon selvagens à solta?

Petilil fez como antes, argumentou com grunhidos.

— O fato de ser uma menina não muda nada minha opinião e você não é uma dama, Milady é, você é só...

A gardevoir colocou a mão no ombro dele e fitou-o. "Você está sendo um babaca", o olhar poderia ser traduzido assim.

Hazel suspirou.

— Coloca seu colchão ali. — Apontou para um canto. — Eu e Milady temos sono muito leve. Nem pense em tentar qualquer coisa.

Naquela noite, Kalina tentou trocar algumas palavras com Hazel, mas o garoto era impenetrável e respondia apenas com sim e não.

— Meus pais são de Alola, vou direto pra lá, inclusive, a Petilil é de lá. — Tentou falar um pouco sobre ela para ver se ele se abria. — Meu pai que me ensinou tudo sobre a arte de curar. Meu maior sonho é um mundo mais silencioso, menos artificial, em que pokémon e humanos não sofram nunca.

A voz arrastada e calma dela era relaxante e a história muito bonita, todavia, nem assim, Hazel se convenceu de que ela era confiável. Já os pokémon se deram muito bem. Soldado e Peitlil brincaram de pega, correram pelos cantos e foram os primeiros a dormir, um do lado do outro, quase abraçadinhos. Milady não gostava nada da aproximação da garota, todavia, após ter ganhado o presente e ter provado do chá-preto com casca de sitrus, passou a ter uma opinião menos negativa dela.

Adormeceram todos.

Amanheceu na cidade de Pallet, o céu tinha as cores dos pokémon de fogo, amarelo, laranja e vermelho. Arrumaram as coisas e desceram o penhasco. Na estrada, os caminhos se dividiam em uma bifurcação. Kalina ia para à esquerda e Hazel para à direita.

— Acho que isso é um adeus — disse ela.

— Uhum, obrigado por cuidar do Soldado — disse, dando às costas.

Kalina olhou-o se afastar, de braços dados com a sua gardevoir, bem devagar para ficar no ritmo do squirtle. Petilil fez o mesmo, como um filhote separado da mãe e dos irmãos, perguntando-se para onde estavam indo.

— Sua idiota, burra, você é uma viciada mesmo. — Uma viciada em ajudar os outros.

Pegou a petilil no colo e andou mais rápido na direção deles. Acontece que ela podia ser uma curandeira pokémon, mas também atendia pessoas... Só não sabia dizer se conseguiria tratar aquela ferida... aquela ferida que Hazel tinha no coração.  

CONTINUA NO PRÓXIMO EPISÓDIO... 

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Críticas, sugestões, elogios e xingamentos são bem-vindos! Até a próxima! 

Pokémon Hazel I: O Charizard Sem AsasOnde histórias criam vida. Descubra agora