CAPÍTULO 04

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"Quando a esmola é demais, o Santo desconfia"

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"Quando a esmola é demais, o Santo desconfia"... Não sei quem disse.

Minha mãe trabalha de cozinheira e nas horas vagas me ajuda a fazer minhas trufas para vender. Faço faculdade na Unip, consegui 50% de desconto, mas ainda assim preciso de lutas diárias para pagar os outros 50%.

De segunda a sexta minha rotina básica é acordar as 04 da manhã e grudar o bilhetinho nos saquinhos das trufas, sempre sabor prestigio, chocolate e limão. Às 05:30 da manhã coloco tudo na mochila, em torno de umas 100 trufas na parte da manhã e sigo de metrô até a parte central. Escolhi aquela área devido ao tráfego ruim, então as pessoas ficam mais tempo paradas o que facilita meu trabalho. Às 11:30 no máximo, estou de volta em casa e arrumo a casa pra minha mãe e lavo algumas roupas minhas, porque acumular é pior. 13:00 da tarde, já estou de volta e na maioria das vezes consigo estar em casa antes das 18:00 horas, mas isso nem sempre é um fato.

Eu sei que existem muitos empregos por aí, eu até trabalhava numa firma, e o salário não supria os gastos com a faculdade e não me sobrava tempo nem disposição para me empenhar nos estudos.

No dia que me mandaram embora, eu fiquei muito p* da vida, tipo eu precisava trabalhar, mas então me veio essa ideia e eu investi nisso.
Enquanto eu trabalhava, os áudios das matérias da faculdade enchiam meus ouvidos como se fosse uma música no mp3 que comprei na Rua 25 de Março. Aos sábados, quando tem muito movimento, eu trabalho na balada The Ships de bartender e aos domingos, lazer.. Filmes, skates, almoço com minha mãe e um pouco de estudo porque não estou com a vida ganha.

No último sábado, em que Anne esteve na balada, eu percebi que ela ficava me encarando, depois negou ajuda dos meus colegas de serviço e então ficou meio que aérea quando fui falar com ela. Anne tinha chegado com um carinha que me pediu uma batida bem forte pra deixar sua garota louca e eu vi os dois chegando junto. Eu não fui com a cara do rapaz, pelo simples fato de ele tentar embebedar uma mulher. Ela não me disse seu nome, mas pós uma nota de $100 na minha mão e, saiu dando um tchauzinho.

Eu observei enquanto ela dançava e esnobava os caras que tentavam se aproximar dela... Todos os dias, eu vejo Anne fazendo o trajeto sentido ao Largo do Arouche. Ela nunca baixou os vidros. Às vezes ela dirigia um i30 como hoje, às vezes um Pólio, um Astra, um Classic e uma vez a vi pilotando uma 250. Ela sempre me pareceu alheia ao mundo. Hoje, eu quase não coloquei as trufas em seu retrovisor, mas não posso ficar escolhendo qual carro por, mesmo que ela nunca abaixe os vidros e mesmo que hoje eles estivessem abaixados.

Quando peguei o saquinho de volta ela gritou revoltada e me entregou uma nota de $50 e em seguida pediu pra conversar comigo. Eu não sou garoto de programa nem propaganda, pra andar ao lado dela como um prêmio. Expliquei a minha mãe a situação que riu e bateu palminhas como a romântica incorrigível de sempre.

Desci novamente para ir à faculdade e mamãe disse que a moça do carro ainda estava esperando. Merda! Anne quando quer e bem insistente. Eu não sei nada sobre ela, alem de que está sempre com um carro diferente, é linda, cheirosa e ficou me secando quando abriu a porta do carro pra eu entrar.

Não consegui me concentrar como deveria nas aulas. Tentei distrair com meus colegas de classe, mas aquela morena dominava meus pensamentos com sua proposta indecente.

Tony é meu amigo e faz medicina. Estou no ultimo ano de engenharia mecânica, e ele no terceiro de medicina. Estávamos só nós dois enquanto comíamos um hambúrguer.

— Tony se aparecesse do nada uma mulher, pedindo pra você ir ao baile com ela você ia?

Ela é gostosa?

— Ela é bonita, linda na verdade.

Ela não é um anjo mau não cara?

— Deus e mais idiota.... Bate na boca.

Olha o que mais ela te disse.

— Que se eu a ajudasse indo, eu poderia pedir qualquer coisa.

E você mano o que falou?

— Que ia pensar. Minha mãe disse pra eu ir, mais sei lá eu to confuso.

Quando você vai dar a resposta?

— Não sei. Você sabe que eu não tenho telefone e acabei nem pedindo o dela, já que não teria como ligar.

Voltamos para nossas últimas aulas e Anne ainda não saia da minha cabeça. Procurei focar em meu TCC e buscar na secretaria uma folha para meus estágios que devem começar o quanto antes.
Quando coloquei meus pés pra fora, a primeira coisa que vejo é uma Falcon preta. O que me impressionou era quem estava encostada nela.
Anne me sorriu, de um jeito sapeca como se estivesse se divertindo com essa situação.

— Carona???

Caminhei até ela.

Você não tem jeito hein?

— O que eu fiz?

Anne mordeu seu lábio inferior o que me deixou louco. Me despedi de Tony que estava de boca aberta, tanto ou mais do que eu.
Anne estava usando uma calça jeans rasgada, jaqueta de couro, provavelmente original e botas pretas. Ela estava com o capacete na testa e eu cumprimentei-a com um beijinho no rosto.
Anne me ofereceu o outro capacete e subiu na moto.
Senti um certo friozinho na barriga porque nunca andei na garupa de uma mulher.

Quando o motor ganhou vida, eu fiquei extasiado com o barulho inebriante do mesmo. Quando paramos num sinal vermelho, Anne me perguntou.

— Me passa seu número? Eu sei que deveria esperar você pedir, mas nada do jeito que nos conhecemos é convencional né?

Eu ri e confessei.

Eu NÃO tenho telefone.

— Como assim???

E antes que eu pudesse responder o sinal ficou verde de novo e os nossos corações e o barulho rouco do motor eram as únicas coisas que cortavam o nosso silêncio. Eu não percebi que Anne trazia consigo uma pequena mochila preta, estava mais para uma nécessaire. Ela desceu da moto e capturou novamente seus lábios no cativeiro de seus dentes.

— É diga a sua mãe que o bolo dela é o mais gostoso que já comi na vida.

Pode deixar.

Quando eu ia caminhando pra dentro, Anne me chamou de novo.

— João Pedro?

Sim

— Me ensinaram que quando você devolve um Tupperware você não o devolve vazio, então aqui pra você e sua mãe.

Ela me entregou e saiu andando ate sua moto que ficava a uns 5 metros de onde estávamos.

Anne??

Ela somente parou não me olhou e nem respondeu.

— Eu aceito.

Ela sabia do que eu estava falando, se virou e como se fosse uma menininha, voltou e me abraçou. Seu corpo gelado se chocou com o meu e me senti em casa, eu não queria larga-la, mas ainda precisava fazer trufas pra vender amanhã.

Dei um beijo em sua testa e aguardei enquanto, ela fazia aquele motor ganhar vida e se afastar de mim. Quando olho pra baixo, vejo que ela esqueceu o capacete no chão.

Anne era bem mais baixa que eu, acho que 1.67 por ai, mas o que não sai de minha cabeça alem de seus lábios e sua inocência é que não devo me aproximar muito. Ela deve ser filhinha de papai e provavelmente mimada, já que sempre está com um automóvel diferente.

(Completo) SINAL VERMELHOOnde histórias criam vida. Descubra agora