JULHO, 19. 2014.

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Não fazia diferença se estava comemorando o aniversário de Lizandra desde o dia anterior, ou se seus pés estivessem cansados, o joelho roxo por algum acidente da qual nenhuma das duas se lembrava. Selena estava embebecida com a liberdade de sua idade. Ela podia atravessar a noite sem preocupações, muito além de um ensaio atrasado; vomitar numa praça, amostrando a bunda para o ar, usar um poste para ensinar a amiga a seduzir homens, dormir três horas e acordar com uma doce alarmante de cachaça na boca para encarar um novo dia de selvageria jovial. Ela se sentia como se pudesse fazer qualquer coisa. Nem o céu era o limite para elas.

Tonta, na pista de dança, assistiu às cores se mesclarem em um par de olhos dourados encarando-a acima das luzes, num espaço de sombras, tentações e mistérios que poderiam roubar anos de sua vida. Ela sorriu para eles, não um quieto contido sorriso, mas o tipo que afirmava que ela costumava brincar com fogo e vestir suas feridas como armadura. As sombras sorriram de volta.

Alguém tocou-lhe o braço, e ela virou-se assustada, esperando encontrar um demônio branco que viera recolher sua alma. Mas era somente Hélio, com seus cachos bagunçados no rosto e camiseta estampada – algo sobre filhos da noite. Ou era algo sobre "Duty before Dishonor"? Tudo estava borrado na sua mente.

– Você está drogada demais, vamos beber água – Hélio pegou a garrafa vazia que ela segurava e jogou-a numa lixeira próxima, em seguida a segurou pela mão, guiando-a para o bar. Selena acompanhou todo o movimento, como se não fizesse parte integral dele, mas fosse uma estranha o observando. Ela teve uma garrafa de álcool antes, em algum momento da noite, e desde então perdera os últimos laços com a realidade.

O que significava dizer que ela precisou de segundos a mais para se lembrar de reclamar.

– Você não tinha direito de fazer isso! Sabe quanto aquela cerveja me custou? – Quando Hélio não respondeu, Selena ergueu uma sobrancelha dramática. – Exatamente, você não sabe!

Lizandra os seguiu a passos compridos. Ela vacilava nos braços de alguma garota ruiva, que surgira no começo da noite com um beijo na boca Selena, e depois na de Lizandra. Desde então, as duas ficaram se fazendo de bobas no centro da pista de dança, rebolando com seus corpos colados e bocas e mãos serpenteando lugares perigosos.

Hélio ofereceu-lhe água. Selena fez uma careta para a estampa.

– Eu nunca vou entender esse hábito de beber água com gás – Mas ela bebeu de qualquer jeito.

Lizandra dividiu sua garrafa com a mulher sem nome em seus braços.

Seria Beatrice?

Georgina?

E o que esses dois nomes teriam em comum? Pensou Selena.

– Nós deveríamos ir para casa – Hélio murmurou.

Lizandra teve o bom senso de encarar a hora no celular.

– Não, ainda é quatro horas da manhãããã!

– E vocês estão acabadas –- pontuou ele, cruzando os braços para assumir sua postura séria.

Selena encarou os músculos em seus braços e chegou a cogitar, por um breve e insano instante, como seria a sensação de tê-los debaixo de suas unhas. Não, definitivamente não. Ela precisava transar imediatamente, mas não com o seu amigo. Definitivamente não!

– É o meu aniversário, e eu digo quando eu estou acabada – Lizandra virou-se em direção ao fumódromo, arrastando a ruiva consigo. Elas quase caíram sobre dois homens que conversavam escorados na parede. Hélio bufou e ergueu as mãos, afirmando que as amigas eram um caso perdido. Selena riu. Ela disse que precisava ir ao banheiro e abriu espaço por entre os corpos para alcançá-lo. No espelho, seu reflexo apareceu borrado. Pegou um pedaço de papel toalha e usou-o para enxugar o suor testa. Por sorte, o traçado do delineador ainda se manteve firme sobre os olhos, mas os cílios precisavam de reparo, assim como a boca. Tirou o batom da bolsa e inclinou-se para passá-lo nos lábios entreabertos, a cor vermelha derreteu-se sobre eles. Ela julgava que o efeito do lsd deveria ter passado uma hora atrás, mas ainda sentia seus braços dormentes e os pensamentos elétricos. Passou o rímel sobre os cílios e jogou os cabelos para os lados. Parecia apresentável novamente, somente os olhos denunciavam o estado alterado do corpo.

A SIDE: SELENA // Under Your Skin //Onde histórias criam vida. Descubra agora