DEZEMBRO, 28. 2014.

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Ao despertar de um sonho ruim, percebeu os objetos que Marcus deixara ao lado da cama. Um livro, algumas caixas e uma xícara. Ela pegou primeiro o livro, revirando-o para ler o título – era A Paixão Segundo G. H.

Então, pegou as caixas. Dentro delas havia tubos de insulina e o seu glicosímetro. Ela os deixou cair na cama ao perceber a pilha de roupas em cima de uma cadeira. Marcus deve ter a deixado sozinha em algum momento da noite – ou do dia, ela não tinha como saber – para buscá-las. Ela não sabia o que sentir sobre isso. Ela mal podia imaginá-lo sozinho no seu quarto, mexendo nas suas coisas. Será que ele notou a caixa de sapatos que ela mantinha na parte mais escura do seu guarda-roupa? Ou o álbum de fotos que não tinha um retrato dos seus pais?

Selena até duvidava que ele soubesse o que era um glicosímetro! Mas ali estava... Com todas as pequenas coisas que ela possuía.

Ela pegou uma das caixas, abriu-a e tirou uma fina agulha.

Quantos dias já haviam passado?

Ela se lembrava do quão doente podia ficar caso esquecesse de tomar seus remédios por tempo o suficiente. E no entanto, ela não se importava.

A porta foi aberta. Selena não se deu o trabalho de erguer os olhos.

– Você está acordada.

Ela quase podia escutar o que ele não havia dito: finalmente.

Quantos dias ela havia permanecido adormecido naquele quarto escuro?

Não o bastante.

– Você deveria tomar os seus remédios.

– Eu vou...

Não agora... Depois...

– Você pode ficar doente.

Ela o escutou se mover pelo quarto, aproximando-se da cama. Sem perceber, Selena afastou-se, assustada demais por aquela súbita proximidade.

O que você quer?, ela queria gritar. Deixe-me sozinha!

Marcus sentou-se na beirada da cama.

Selena manteve as mãos apertadas aos lençóis.

– Selena... – Ela nunca o escutou dizer o seu nome dessa forma, com tamanha delicadeza. Ela ergueu os olhos para ele, mas o contato durou apenas uma fração de segundos. Ela não sentia mais confortável na sua própria pele. - Tome os seus remédios, por favor.

Ela suspirou, mas fez como ele pediu. Montou o aparelho e usou a agulha para perfurar a pele sensível do seu dedão. O cheiro e a cor escarlate do seu sangue a deixou enjoada. Contudo, antes que ela pudesse derramar a pequena gota no aparelho, o corte fechou-se, deixando apenas um borrão vermelho no seu dedo.

Ela encarou descrente.

Todos os seus cortes sempre haviam permanecido abertos por tempo demais, exceto...

Ela perfurou o dedo novamente. Assim que retirou a agulha da pele, o ferimento já estava se cicatrizando.

– O que você fez comigo? – Ela se encontrou gritando, com a voz rouca pelo desuso. Ela manteve os olhos firmes na mancha de sangue em seu dedo.

– Selena. – De novo, aquele sensível tom. Como se ela fosse um animal encurralado, assustado.

– O que você fez comigo? – Ela ergueu os olhos para ele. Havia lágrimas teimosas borrando sua visão.

– Você estava... Machucada. E você perdeu muito sangue. Eu tive que... – a pausa durou toda uma pequena eternidade. - Eu a dei de beber do meu sangue. Ele a curou, a fortaleceu.

Ela vasculhou o rosto dele pela metade da verdade que ele não havia a contado.

– Como eu não lembro disso?

– Eu não sei, Selena.

– Saía daqui – ela murmurou sem forças, tremendo, as mãos mastigando a pele dos braços.

– Como desejar – ele disse no seu familiar tom irônico.

Somente quando ele fechou a porta do quarto atrás de si, foi que Selena arrancou a agulha do glicosímetro e a usou para perfurar um rasgo em seu pulso, diretamente na sua veia. Ela assistiu ao sangue vazar devagar. Ela arrancou a agulha da pele, e o pequeno buraco fechou-se.

Dessa vez, ela abriu um buraco mais fundo na sua carne e lutou contra a rigidez dos músculos para abrir um corte comprido em seu pulso.

Mas ele não durou, o corte já estava fechado, antes mesmo de ela retirar a agulha da pele. Tudo que ficou em seu lugar foi um rastro de sangue, demasiadamente quente contra a pele fria.

Ela não soube quando isso começou – todo o seu corpo tornou-se pesado, a visão embaçada, e a respiração fraca. Com esforço, ela arrastou-se para fora da cama e tropeçou pelo quarto até chegar ao banheiro. Ela debruçou-se sobre a pia e começou a vomitar.

Minutos depois, quando ela entrou debaixo do banheiro, esfregou-se tão forte com o sabonete que a pele tornou-se avermelhada, com pequenos cortes que se abriram e se fecharam rápidos demais.

Ela queria retirá-lo de debaixo da sua pele. Ela queria retirar todas aqueles fantasmas pegajosos dela. E todos os medos. E toda a raiva. Todo o ressentimento.

Ela queria retirar uma sujeira invisível aos olhos, exceto para os olhos. Todas aquelas mãos famintas. E aquele cheiro que não era dela.

Selena queria cortar a sua pele e sair daquele corpo que não pertencia mais a ela.


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Esses últimos capítulos estão sendo bem difíceis de serem digeridos, eu sei. Mas tempos melhores estão por vir.

Eu tenho duas notícias felizes: 1) estou quase de férias aleluiaaaaa; 2) comecei a escrever o B SIDE: MARCUS. E eu estou tão animada com essa nova história! Eu queria compartilhar um pouco sobre como estou planejando que a história do Marcus seja, mas não sei... Vocês querem saber? Ou querem ser surpreendidas? 

A SIDE: SELENA // Under Your Skin //Onde histórias criam vida. Descubra agora