SETEMBRO, 05. 2014.

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Hélio encontrou-a na Biblioteca.

– Está se sentindo melhor? Liz disse que você estava gripada. – Ele parecia tão preocupado que Selena sentia-se culpada por mentir para o amigo.

– É! Esse clima louco de Berlim está fodendo com o meu sistema imunológico, mas eu já me sinto melhor. – Selena sorriu para assegurá-lo. Nesse dia, quando ergueu-se da cama, ameaçou cair com o peso dos ossos letárgicos. No ônibus, ela precisou sentar-se no chão e respirar fundo várias vezes, pensou que fosse vomitar, mas tinha mais medo de desmaiar e causar uma comoção generalizada. Felizmente, chegou sem maiores acidentes na universidade. – Agora, eu estou preocupada com todas essas aulas de Bioquímica que perdi. Estava pensando em assistir a aulas de outro professor, em outro horário sabe, para ver se consigo recuperar parte da matéria.

Hélio parecia disposto a retornar ao assunto da dita gripe, mas Selena logo começou a bombardeá-lo de perguntas acerca de alguns cálculos, de forma que ambos se envolveram em uma conversa animosa sobre compostos químicos aplicados à indústria.


***

No seu apartamento vazio, Selena escorou-se no balcão da pia, segurando um copo com chá quente nas mãos. No celular deixado de lado, a terceira mensagem não lida da sua psicóloga se acumulava com outras conversas paralelas – garotos com quem esperava transar eventualmente, colegas de classe, professores exigindo seu tempo, sua muda família. Nada disso importava além do barulho constante do tempo a se arrastar pelo apartamento. Ele viria, logo. O pensamento em si a deixava vacilante, as mãos trêmulas num anseio que só poderia ser apaziguado pela boca dele colada na sua. Ela havia pensado antes, horas antes naquele dia, com o olhar virado para uma estátua de um homem imóvel guardando as flores que cresciam ao redor de mais um bloco de concreto em que tinha aulas nas sextas. Até mesmo esse homem inerte tinha um nome, e o vulto no seu quarto permanecia indistinto. O suspense de todas as verdades que ainda não conhecia era o que mantinha todos os seus pensamentos concentrados nele – o que quer fosse, quem quer que fosse – durante todas as horas do seu dia. Era o que ela pensava de manhã cedo, com a água gelada afastando os sonhos; era o que ela pensava no ônibus, com a cabeça encostada no vidro; entre as aulas, entre as horas dos dias. Ela começava a suspeitar que vivia em função das suas aparições – enquanto ele não vinha, ela era uma criatura em espera para ser. Um quase. Um poderia ser se... Ela estava esperando por uma grande revelação surgir. Só não tinha certeza se a reconheceria quando acontecesse. E se a perdesse, será que poderia voltar a ser quem era?

Horas depois, Selena sentou-se em frente aos seus livros, esperando. Sempre esperando. Ela estava pensando como deveria parecer uma boa menina que caíra num precipício de drogas e sexo do qual não poderia retornar com sua inocência intacta. Era algo bom, que nunca tivesse sido uma menina inocente para começar. Ela havia roubado o seu primeiro beijo de um menino em lágrimas, como um soco dado entre as pernas macias dele. Ela havia tomado a sua virgindade com os dedos ensopados de mel e sangue. E o primeiro homem que ela teve dentro do seu sexo tinha o gosto de cigarro e cachaça barata. Ela nunca havia esperado por um grande amor que arrebentasse seu coração. Não. Mas ela lembrava de sempre desejar por mais e mais, e faria o que pudesse para ter o que queria, mesmo se isso significasse perder uma parte de si. Foi assim que ela ganhou uma bolsa para estudar em Berlim – deixando amigos temporários para trás e uma lista enorme de pessoas para quem disse que ligaria depois. Ela perdeu os números.

Nessa noite, diferente das outras, Selena permaneceu horas mais tarde estudando. A culpa era dele – ela tinha dificuldade de manter-se focada no que lia, pois o seu olhar voltava constantemente a encarar a janela, os ponteiros do relógio e os padrões da noite. Ela não queria perder a sua chegada. Mais do que isso, permanecia agoniada com a ideia de que estava presa num limbo existencial com seus pensamentos sobre o homem. A criatura. 

Ele chegou, como em todas as noites que vieram antes, sem aviso prévio. A noite simplesmente se abriu para ele.

Selena notou tarde demais a respiração quente na sua nuca e mãos desmanchando o coque que havia feito com seus cabelos no alto da cabeça. Ela virou-se, mais faminta do que assustada. 

– Você é real. – Selena disse, sem fôlego. Em seus pensamentos, ela até poderia considerar tal absurdo. Admiti-lo em voz alta, contudo, era declarar a veracidade da sua loucura!

E, no entanto, as sombras no rosto dele relevaram um sorriso delirante. A febre ascendeu-se no corpo dela – a febre de seu desejo, de sua mais íntima loucura.

– O que eu sou?

Ele estava rindo dela.

Quantas vidas teria ele vivido? Selena tinha apenas essa vida. Ela deveria parecer uma criança que havia acabado de ser parida nesse mundo, havia tanto que ela não sabia, e a língua dele a ensinava cânticos satânicos proferidos contra o sexo dela. Ela adorava isso especialmente.

– Um vampiro – sussurrou ela, sentindo-se imediatamente tola por ter dito tal absurdo.

Ele riu finalmente.

– Por que eu bebo do seu sangue? – Ela acenou. – Há criaturas mais perigosas escondidas nas sombras, menina.

Antes que ela pudesse argumentar, ele a beijou daquela forma que a fazia perder o ar. E qualquer pensamento trivial que poderia ter dito perdeu-se também.

Ele partiu depois do sexo.

Ele sempre partia.

E Selena permaneceu nua e confusa na sua cama, no seu apartamento silencioso, sentindo-se como mais um corpo a ser usado e descartado por um homem sem nome.

Ele havia dito que havia criaturas mais perigosas nas sombras, e no entanto... Ela queria conhecê-las todas.


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Talvez, eu não consiga postar na sexta. Eu vou viajar para o interior desse nordeste, e não sei se terei uma internet boa. Fica aí o aviso ;) De qualquer jeito, domingo tem mais!

Obrigada a todo mundo que está lendo, votando, conversando comigo! Vocês arrasam!

A SIDE: SELENA // Under Your Skin //Onde histórias criam vida. Descubra agora