Queria escrever sobre isso há bastante tempo, mas ainda precisava me recuperar para conseguir relatar isso. Sempre digo aqui que um relacionamento precisa ter respeito e consentimento, ainda mais no universo bdsm. Mas precisamos tomar muito cuidado com as pessoas que nos relacionamos porque apesar de eu saber de tudo isso, me envolvi em um relacionamento abusivo.
Começou como por pura coincidência. Conheci ele por meio de um amigo meu e depois tudo aconteceu rápido demais. Nunca fui de ter relacionamentos que evoluem rápido porque gosto de me preservar e preservar o outro, mas esse foi diferente. Parecia tudo maravilhoso até que em pouco tempo tivemos a primeira briga, por um motivo extremamente banal e eu disse coisas que nunca teria coragem de repetir e ouvi coisas que nunca gostaria de ouvir novamente. Também nunca fui o tipo de pessoa que briga assim, prefiro resolver as coisas conversando. Foi uma briga com ameaça de término por parte dele então eu fiquei com medo de perdê-lo. Não entendi esse medo já que eu mal o conhecia, mas pensei que talvez estivesse apaixonada.
As coisas iam sempre assim. Quando estávamos juntos ele me travava muito bem e eu me sentia feliz e grata por tê-lo ao meu lado. Quando me afastava dele me sentia frustada, triste e cansada. E geralmente brigávamos quando conversávamos sobre qualquer coisa que eu tivesse a opinião um pouco diferente da dele. Então parei de discordar porque não queria brigar. Porque toda vez que brigávamos eu chorava no banheiro e me sentia culpada e acabava indo atrás dele. Ele me punia por qualquer coisa, desde chegar atrasada em um encontro até não querer fazer alguma coisa que ele quisesse. Quando queria me punir ele ficava dias sem conversar comigo ou ficava monossilábico.
Ele também tinha crises de ciúme, às vezes com o próprio amigo. Nesses momentos ele me acusava de interesseira e que eu não fazia nada por ele, enquanto ele fazia tudo por mim. Eu sabia que estava errado, mas não queria questionar para piorar as coisas ainda mais e correr o risco de ele me deixar. E eu também sabia que esse sentimento constante que eu tinha de incapacidade, medo, tristeza e principalmente insegurança estava errado. Apesar disso, quando ele estava perto e me dava o mínimo de atenção era como se o resto não existisse. Eu não tinha coragem, nem autoestima, nem segurança para terminar com ele. Ele me jogou no fundo do poço para que eu me contentasse com migalhas que apenas ele poderia me dar, pois ele era muito bom pra mim.
Mas como tudo pode piorar, piorou. Ele começou a me tratar como um mero objeto sexual. Só me procurava quando queria sexo. E quando transávamos já não se preocupava mais se eu estava sentindo prazer. E ao final sempre se gabava de como era bom nisso, e eu me sentia péssima. Depois ele nem olhava mais em meu rosto, não me elogiava, não tocava em mim com afeto. Me tratava como uma desconhecida. E todas as vezes eu ia pensando que seria a última vez. Que seria uma despedida, mas quando ele me chamava não conseguia dizer não. E ia com um sentimento de raiva e tristeza, mas ele nem se preocupava em olhar para meu rosto mesmo para perceber isso. Quando chegou a esse cúmulo eu finalmente tive a coragem de sumir da vida dele. Decidi que seria melhor assim porque se trocássemos uma única palavra ele poderia me convencer do contrário.
Fui me recuperando aos poucos, mas não foi fácil. Comecei a sentir como se estivesse sempre sendo perseguida, como se a qualquer momento ele fosse aparecer e me subjugar novamente. E ele mandava mensagem todos os dias. E todas às vezes eu sentia medo de cair novamente em seu jogo. Isso se sucedeu por meses, mas cada dia que passava me sentia mais forte em continuar longe dele. Comecei a me relacionar com outra pessoa e era tratada com tanto respeito que eu jamais acreditei que mereceria algum dia novamente. Porque é isso que um relacionamento abusivo faz com a gente. Eu não acreditava que merecia respeito, carinho, afeto. Mas esse outro relacionamento me libertou aos poucos.
Apesar de no início não ter sido fácil, quanto mais tempo passava longe dele mais fácil era progredir. Antes eu chorava apenas querendo voltar a ser a pessoa alegre, empoderada e determinada que sempre fui. E hoje sei que posso ser melhor a cada dia. Mas ainda não é fácil. Talvez seja uma coisa que vou levar para a vida toda, esse receio. Receio de entrar novamente em um relacionamento abusivo. Receio de ser tratada como louca quando tenho um motivo sólido para uma reclamação. Receio de ser chamada de histérica, interesseira, insensível, tudo o que sei que não sou, mas que ele me fazia acreditar que era.
Uma amiga minha também me ajudou muito nesse processo pois ela tinha acabado de sair de um relacionamento abusivo também. Compartilhar com ela todos os abusos e ver que ela passou pelo mesmo foi libertador e abriu meus olhos para muitas coisas. Primeiro que se você se sentir mal, seja pelo que for, compartilhe com alguém. Seja uma amiga ou amigo, seja seus pais, seu psicólogo etc. Desabafar faz o problema se tornar real, e quando ele é real você pode encará-lo de frente. Porque a gente tende a querer esconder que vivencia um relacionamento abusivo ou outras situações por vergonha. E às vezes mentimos para nós mesmos para não ter que encarar o problema. A segunda coisa é: esteja sempre atenta às pessoas próximas a você. E faça o possível para ajudá-las quando perceber que estão passando por isso. Porque é preciso força e coragem para sair de uma situação dessa.
***
Fica aqui o meu relato. Espero que possa de alguma forma ajudar alguém. E mulheres, sejam solidárias umas com as outras. Não julgue quem se encontra nessa situação, nem menospreze, pois pode acontecer com qualquer pessoa. No começo é muito difícil de identificar e quando começam os problemas já é difícil sair deles.
E para os homens, fiquem atentos às suas atitudes, pois minar a autoconfiança e autoestima de alguém não é normal nem saudável em um relacionamento.
E também lembrando que qualquer pessoa pode sofrer por um relacionamento abusivo, independente de gênero e classe social, mas as mulheres são as principais vítimas.
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Relatos reais de uma submissa
Non-FictionIrei publicar aqui algumas de minhas experiências como submissa e masoquista. Escreverei também sobre como me sinto ou me senti em determinadas ocasiões e principalmente como me sinto sendo puramente quem eu sou.