Um recomeço

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Prostituta. Uns chamam de puta, outros de mulher da vida. Eu chamo de "o que restou de mim".
Após perder meu pai, a dor na nossa família era tão grande, que acabamos nos ferindo e adoecendo gravemente. No caso, era apenas eu e a minha mãe. Minha mãe não aguentou a morte do papai, eles realmente se amavam, então eu fiquei sozinha.
Minhas tias me batiam, meus tios me estupravam, meus primos mandavam eu limpar a casa para eles. Após um tempo, eu fugi. Na verdade, juntei todas as minhas moedinhas que ganhei desde os quatro anos e comprei minha passagem para os EUA. Só de ida. Fugi para longe, onde o sofrimento não me corroesse, onde eu não viveria sendo explorada pela minha própria família.
Assim que cheguei, percebi que eu não tinha dinheiro para nada, nem para comer. Sentei num banquinho no Central Park e fiquei até o anoitecer. Alguns homens me olhavam e logo eu me joguei nessa vida sem lei. Acostumada a ter meu corpo sendo explorado, não foi muito difícil ganhar um bom dinheiro indo para cama com eles, foi até confortável.
Desde então eu ganho a vida assim. Hoje eu tenho apenas dezoito anos, porém vivo aqui desde os quinze. Tenho meu apartamento, minha comida, meus clientes, tudo. Mas ainda tendo tudo ao alcance das minhas mãos, eu me sentia sozinha. Sozinha, frágil, depressiva. Porém nunca me deixei abater por isso.
Amor? Hahahaha! Nunca. Não quero sofrer como a minha mãe, muito menos morrer por algum homem. Eu não gosto do amor. Nunca senti, porém é algo inesistente na minha profissão, nem quero saber como é.
Filhos? Outra coisa. Quero ser livre. Me recuso a colocar alguma criança no mundo para deixá-la sofrendo depois. Aliás, já abortei duas vezes. Mais uma e eu morro de vez. Por isso redobrei os cuidados com os meus clientes, eu não podia morrer, nem por em risco a vida de uma criança.
Porém a vida adora me impor desafios cujo quais eu não consigo superar. O de agora era um moço da cafeteria que eu vou todas as manhãs, interessado em mim. Interessado desse jeito meloso. Deus me livre pois quero ser livre!
Se já tive um relacionamento que passou de negócios na cama? Não. Por isso não sei o que é amor, muito menos amar. Não sei ser de outro jeito, não sei ser mais cuidadosa com palavras, desaprendi a amar o outro.
Hoje seria um grande dia. Fecharia um negócio importante para mim, e para o meu... bom, cliente. Ele me queria por quinze dias, direto. Queria consumir meu corpo e tudo que havia disponível em mim. Menos os seios. Os meus nunca foram tocados por um homem cujo qual transei. Meus seios são meu ponto fraco, e temo que eu me perca quando eles são tocados.
- Senhora...
- Sim, sou eu. -respondi a secretária sorridente que me aguardava no hall do prédio.
Ela me autorizou a subir para a sala do presidente, e assentindo com a cabeça, peguei o meu cartão de entrada. O elevador estava vazio, e aproveitei para dar uma checada no meu vestir. A blusa branca social, a saia colada ao meu corpo, e o scarpan alto nos meus pés. O cabelo ondulado e comportado, os brincos perfeitamente encaixados. Maquiagem ok.
Assim que a porta metálica se abriu para eu sair, um espertinho trombou comigo, e eu quase fui no chão, se aquelas mãos grandes, macias, e rápidas não tivessem me segurado. Ele olhou para mim, meio que assustado. Eu o fuzilei com o olhar. Isso durante uns bons... dez segundos, até a porta do elevador me pressionar e eu sair dos braços do Sr. Espertinho.
- Desculpe. -ele começou.
- Você é um desajeitado! Por que não olha por onde anda? -puxei meu pé e quem quase caiu sozinha, fui eu. A droga do salto tinha quebrado- Você me paga por essa! -Joguei o scarpan nele.
- O que está acontecendo aqui? -uma voz grave, rouca, sexy, invadiu meus ouvidos. Então olhei para frente, e aquele homem me encarava, me condenando, fuzilando e aquecendo minhas entranhas.
- Nada do que deva se preoucupar, senhor King. -respondeu o desastrado.
- Não é o que as faces afoguetadas da senhorita... -começou o senhor King.
- Claro! Ele quebrou o meu salto! -apontei o dedo no peito dele- E eu tenho uma reunião importantíssima com o presidente, como vou me apresentar assim?
- Simples, tire os sapatos, você não vai precisar deles. -o King respondeu. Claro, não são seus pés que vão andar por aí mesmo.
- Que fique bem claro que eu vou reclamar com o presidente dessa sua atitude, ah, indelicadíssima! -apontei.
- Pode reclamar à vontade. -o rapaz deu de ombros e entrou no elevador, me deixando com o salto nas minhas mãos e o sapato no chão.
- Imagino que esteja um pouco estressada para fechar um contrato. -gelei. Como ele sabia se esse assunto era confidencial entre eu e o presidente Jonh?
- Como o senhor sabe?
- Prazer, Jonh King. -estendeu a mão e minhas faces esquentaram, devolvendo o aperto, e baixando o olhar. Ok, eu não se uma pessoa com muita sorte.
Jonh me levou para dentro de seu escritório, trancando as portas, que por acaso, eram de metal, meramente por segurança própria, disse ele. Como um bom presidente, ele quebrou o meu outro salto, e fez do meu scarpan, uma sapatilha. Bom, agradeci.
- Senhorita, creio que seus serviços são muito bons, pelo o que me foi recomendado.
- Dou prazer, apenas. -respondi, como se não fizesse diferença para mim. Eu não gozava há uns bons anos.
- Eu não tenho esposa, com a senhorita requere em seu protocolo.
- Evito constrangimentos. Porém, o que quer de mim?
- Eu preciso de sexo. -eu quase ri, se não fosse pelo tom apelativo- Porém meus dotes não são tão avantajados assim, e mulher nenhuma quer saber de ir para cama comigo.
- Eu não vou ser sua. Nunca. -cruzei as pernas- Senhor Jonh, não me importo com o seu tamanho, seé isso que lhe incomoda.
- Sim. Achei melhor fazer o pacote de quinze dias, não quero perder uma oportunidade sequer!
- Eu aconselho o senhor a me chamar quando precisar. Pelo menos não tem uma data específica para terminarmos o contrato.
- Claro. Tem razão. -tirou da gaveta uma boa quantia- O que consegue fazer com isso?
Ok. Era muito dinheiro. Mais do que eu pedia por um mês, o que não era barato. Eu podia jogar o dinheiro na cara dele, mas eu me vendia. Vendia meu corpo, minha sanidade, meus direitos, minha intimidade por papel. Droga de vida.
- Sem tocar nos meus seios. -rodei a mesa e sentei no colo dele- Sem chegar perto deles, essa é minha única condição.
- Só? -passou a mão na minha bunda- Achei que fosse dizer que queria transar de roupas. -Jonh riu, abrindo minha saia.
- Digamos que meu sutiã seja algo que eu nunca vou tirar. -ele beijou meu pescoço.
- Sem problemas. Quero transar com você, hoje à noite, no Hoolygangs. -abriu o fechecler da calça- Acha que consegue me dar prazer? -então eu olhei. Era bem pequeno, bem fino. Nada do que eu não conseguisse aproveitar. Só não seria nem um pouco legal se eu... bom, engoli-lo em menos de três segundos. Eu me virava.
Saindo do prédio, dei de cara com o rapaz desastrado, que riu ao me ver. Bem, ele era bonito. Rosto quadrado, ombros largos, braços rijos, pernas longas lhe dando altura, peito grande e quem sabe, gominhos em sua barriga, o acusando de ser uma delícia aos olhos. Porém abusado. Um tarado. Um cretino. Bendito seja aquele par de olhos esmeraldas me encarando e rindo de mim. Balançei a cabeça, e enfim saí da Carter's Company. Sinceramente? Um presidente de uma empresas dessas implorando sexo? Isso tinha alguma coisa estranha, porém não cabia à mim descobrir nada, apenas transar com ele e ganhar meu dinheiro.
Derrepente um aperto no peito. Mais um para a lista dos meus problemas diários. Tive que sentar num banquinho, respirar fundo, segurar firme no banco e esperar passar. Uma mão grande e macia apertou meu ombro, e depois, acariciou meu cabelo, sem malícia, sem que eu pedisse. A saudade da minha mãe me bateu no peito, fazendo mais uma pontada vir.
- Tá tudo bem? -era a voz do atrevido.
- Não, não, tá sim -respondi rápido- só parei para tomar um ar.
- Acredito. -encaixou sua outra mão no meu ombro, acariciando minha clavícula com o polegar- Quer tomar um café? Relaxar?
Aceitei. Por falta do que fazer e vontade de falar. Sempre fui muito sozinha, desde que perdi minhas duas únicas amigas num tiroteio que teve na escola, isso aconteceu quando eu era muito pequena. Depois disso, eu deixei de falar com muita gente, resolvi ir me afastando aos poucos, eu não suportava mais perder ninguém, sendo que eu ainda tinha meus pais.
Desde que meus pais se foram, eu literalmente vivo sozinha. Sem amigos, família, casa, comida, dinheiro, sem vida. Sim, eu espero minha morte. Eu odeio tudo que eu sou e tudo que passei, e que provavelmente vou sofrer de novo.
- Você tá chorando. -passou o polegar na minha bochecha, secando o vestígio de lágrima que eu deixei cair.
- Não tô chorando, foi só um cisco. -passei as mãos na bochecha e vi que elas estavam muito molhadas.
- Quer conversar?
Afirmei. Mal sabia quem ele era, nem seu nome eu me dei o trabalho de perguntar, apenas por incoerência da minha parte. Mas desde que perdi meus pais, eu não falava. Falar é bom às vezes.
- O que me garante que você é um cara seguro para quem eu possa conversar?
- Bom, eu não pretendo lhe fazer mal algum. E... -me entregou a sacola preta que estava em suas mãos. Era da Arezzo!-  Foi mal pelo salto, você ficou magoada comigo, sem mal me conhecer. -Colocou a mão direita nas minhas costas, me guiando para dentro do café.
- O-obrigada -eu gaguejei?! Como assim eu gaguejei?
A comoção por ter ganhado um presente, por ter sido bem tratada e ter recebido indiretamente um "desculpa", coisa que eu não tinha há muito tempo, me fizeram amolecer. Então ele puxou a cadeira pra mim, pagou o café, conversamos até a loja fechar, quase. Porém como todos, ele me perguntou quanto era o meu serviço. Eu endureci e respondi o valor. Sem muita espera ele colocou o dinheiro na minha mão e me levou para cama.
Ele não era diferente, ele não era doce, ele não queria ser amigo. Ele queria sexo. Um sexo selvagem, que me machucou em alguns momentos.
Enquanto ele dormia, saí de fininho, como sempre. Foi andando pelas ruas que eu começei a chorar, e não consegui nem me controlar perto das pessoas. Bati a porta de casa, julguei meus pais por um porta-retrato e os culpei pela droga que a minha vida era. Eles não me responderam, como sempre. Não me ouviram, não apareceram para cuidar de mim.
A solidão me trouxe outra pontada. Eu não estava preparada para vida. E nem me disseram como agir. Provavelmente não diriam.

Só mais uma NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora