17° capítulo
- Seu evento de hoje. -Calvin me entregou um papel.
- La casa de papel. A noite mais perigosa do Rio. -li o folheto de divulgação.
- É uma despedida de solteiro.
- Eu sou casada, Calvin.
- Eles pagam bem, deve imaginar.
- Eu não estou querendo dinheiro, eu não posso aceitar.
- Eu posso. -Alana apareceu do nada, e os olhos de Calvin brilharam, antes de se apagarem por pura desilusão.
- Não Alana, você não. -Calvin disse- Liliana já participou de eventos, já tem prática.
- Eu quero aprender. -Alana foi caminhando até nós com as mãos atrás das costas- Além do mais, eu sei muito bem como agir em despedidas de solteiro.
- Alana, não vai. -Calvin foi direto.
- Por que?! - Alana questionou e eu me senti num mar sem bote nem nada para que salvasse a minha vida.
- Porque... porque... porque...
- Calvin, diz logo. -falei. Tá, Calvin e eu tínhamos uma relação muito aberta. Nossa amizade era sincera.
- Não! Liliana, está doida?
- Eu não! Vocês estão! Doidos um pelo outro sem que um admita para que finalmente fiquem... -juntei a mão dos dois- juntos. Agora diz que eu estou mentindo. -Ambos se olharam e negaram com a cabeça- Eu vou sair... Não se matem, quer dizer, se for de amor, pode.
Saí correndo da sala do meu chefe, fechando a porta e grudando o ouvido nela. Tudo que ouvi foi o silêncio deles durante um tempo, depois, passos e minha bunda batendo no chão. Após gargalhadas de Alana, lembrei que a sala tinha os monitores que mostravam imagens da câmera. Levantei com o resto de dignidade que eu tinha e fui embora, aliás, minha carona com Alana foi pelos ares, droga. Entrei num táxi, busquei Samuel na escola, e voltamos para casa abraçadinhos, pois ele estava meio triste...
- Mamãe, vai ter apresentação de dia das mamães no colégio. -falou, sentando no sofá.
- Hm... e o que o príncipe da mamãe vai fazer? -arranquei um beijo de sua bochechinha.
- Nada. A tia Dalila disse que eu não posso participar...
- Claro que você pode, meu filho!
- Mas a tia não quer deixar! -seus olhinhos se encheram de lágrimas- Ela falou que a minha mamãe não liga para mim, e que eu não tenho mamãe! -saiu correndo para o quarto.
- Samuel! -gritei, na tentativa de fazê-lo parar. Fui atrás dele, bati na porta do seu quarto incansavelmente antes de ouvir seus soluços, que doíam no meu coração. Claro que ele tinha uma mãe, e essa mãe sou eu. Claro que eu não gerei, não amamentei... mas... não é justo com ele. Samuel é meu filho, por lei.
Horas se passaram. Eduardo não chegava, Samuel não abria a bendita porta trancada e eu literalmente estava sozinha. Fiz uma jantinha improvisada, tentei não queimar nada, antes de levar o pratinho dele e bater na porta mais uma vez.
- Samuca, vem comer. -pedi baixinho, até eu estava sem fome. Como ninguém me respondeu, fui até o escritório, ativei a câmera do quarto dele e vi meu pequeno anjinho dormindo. Desativei novamente e desliguei o computador, sentando na sala e comendo um pouco de macarrão.
- Amor? -A voz de Eduardo cruzou meus ouvidos, e ele sorriu, ao constatar que eu estava em casa, mas sua expressão mudou ao ver a minha- O que aconteceu?
- Samuel chegou da escola dizendo que a professora não deixou ele participar da homenagem pra as mães porque ele não tinha mãe.
- Mas que merda é essa?!
- O Samuca está trancado no quarto dele, já chorou, e não abre de jeito nenhum. Vi pela câmera que ele dormiu, mas eu estou com muita raiva daquela professora, ela vai me pagar por ter feito meu filho sofrer.
- Amor, não adianta acordar ele agora.
- Claro que adianta, Eduardo, ele não comeu. São dez horas da noite!
- Tá, eu vou... abrir o quarto e nós vamos acordá-lo, dar comida para ele e pedir para que ele explique, ok? -beijou a minha testa- Demorei porque me tomaram todo o tempo numa reunião.
- Tudo bem. -afirmei, levantando, arrumando o pratinho dele novamente e indo para o quarto dele. Eduardo tinha as chaves reserva e abriu a porta. Corri para o meu filho e acariciei seu rosto, querendo que esse gesto mostre a ele que eu o amo, protejo e que ele é meu filho.
- Amor... acorda meu filho... -beijei sua bochecha.
Samuel foi abrindo os olhos lentamente, antes de abraçar minha cintura. Voltou a chorar, e eu chorei junto.
- Ei garotão. -Eduardo sentou na cama, encostando na cabeceira- Deixa o papai te dizer uma coisa. - Samuel olhou para ele, e Eduardo secou suas lágrimas- Desde o dia que eu encontrei você e a Liliana se divertindo na lanchonete, senti algo diferente. Foi ali que a Liliana deixou a vida dela, mudou de vida por você. Foi ali que ela se tornou a sua mãe. A mãe que ama, que cuida, educa e mesmo que você não tenha nascido daqui, -colocou a mão na minha barriga- não importa. Você nasceu daqui. -segurou na minha mão e as colocou no meu peito- Você é nosso filho, Samuel. Nós amamos você, filho.
- E se um dia a mamãe tiver um filho daqui? -colocou a mãozinha na minha barriga.
- Vai ser a mesma coisa, meu amor. -falei, doce e calma- Nosso amor por você nunca vai mudar, ele só vai aumentar.
- Portanto, mocinho, você tem uma mãe linda, um papai garotão e uma família que vai te amar sempre. Além da sua dinda doida. -Samuel soltou uma risadinha, com a fala do pai.
- Nós amamos você, viu? -beijei sua bochecha. Eduardo beijou a outra. E nós demos um selinho. Eduardo fez cosquinha no nosso filho, e depois os dois fizeram em mim.
O tempo passou. Samuel fez uma linda homenagem para o dia das mães, e eu chorei horrores vendo meu menininho crescendo. Eduardo me mimava, e nós viajamos durante as férias para NY, onde ficamos um bom tempo matando a saudade de usar a cama que eu mais o conheci. Porém voltamos para o Brasil, e alugamos um quarto no Copacabana Palace para a virada de Ano Novo. Eu nunca gostei muito dessa data, pois é próxima ao meu aniversário. Sinto em lembrar o dia em que meu tio abusou de mim ao ponto de eu ir parar no hospital por conta dos machucados. Bem no dia do meu aniversário. Sempre foi o dia que eu nunca fiz sexo com os meus clientes, era o dia que eu bloqueava da minha agenda. Mas agora eu era casada. Eduardo não precisava saber de mais um drama meu.
- Você está tão para baixo hoje... - Eduardo falou, deitando a cabeça no meu ombro- Amanhã começa um novo ano, meu amor. -selinho.
- É, eu sei. -baixei o olhar.
- CADÊ A ANIVERSARIANTE DO DIA?
Alana chegou berrando no meu quarto do hotel. Correu até mim e me abraçou com toda a força do mundo. Era meu abraço favorito do dia do meu aniversário, minha única irmã e única que nunca me deixava esquecer o dia em que cheguei ao mundo.
- Amor! É seu aniversário mesmo? -assenti, ainda com Alana pendurada no meu pescoço. Eduardo me abraçou também e logo Samuel pulou para cima de mim.
- Jurou que você não sabia?! - Alana retrucou- Que marido hein?!
- Ela nunca me disse! -saiu me dando beijinhos e selinhos intermináveis, enquanto Samuel também me enchia de beijos- Finalmente saiu do dezoito, achei que esse dia não fosse chegar nunca!
- Na verdade, por ela não chegaria, mas eu nunca vou deixar de comemorar a vida da nossa Liliana.
- Porque você adora festas. -acrescentei.
E foi uma festa. Alana tinha trago um bolo, alguns salgadinhos e refrigerante. Comemoramos, porém chegou a hora de irmos dormir, tudo bem, eu me olhei no espelho antes de sair do banheiro, eu parecia que iria perder a virgindade aquela noite e estava muito, muito nervosa com aquilo. Passei em frente a televisão, e deitei do meu lado da cama. Eduardo se aproximou de mim, abraçando minha cintura e beijando meu pescoço. Minha pele se arrepiou, a minha respiração totalmente errada, o desconforto e principalmente, o medo.
Depois de uma mordida no lóbulo da minha orelha, ele falou:
- Vamos fazer uma comemoração à dois? -selinho- Hein?!
Acho que ele entendeu meu silêncio como um sim. As mãos subindo pela minha coxa disseram muito bem isso.
*Flashback*
- ME SOLTA! -gritei, mexi as pernas e tudo que ele fez foi abrir o fechecler das calças e tirá-la para que seu pinto ficasse livre. Aquela coisa asquerosa levantou minha saia, e enfiou tudo de uma vez. Gritei tudo o que pude, mas ele me batia, chorei mas ele me arranhava. O sangue que escorreu de mim, o suor, roupa rasgada, tudo, tudo o que me restava foi naquela noite. Depois que ele gozou no meu rosto, eu fugi. Uma moça me levou para o hospital arrastada, e ainda falou para o meu tio que eu tinha me prostituido, o que me restou mais tapas.
*Flashback off*
- Amor, relaxa...
O meu choro estava preso na garganta quando ele tocou meu seio direito. Depois desceu e colocou a mão dentro da minha calçinha. Tudo bem, eu não precisava ter medo, era o meu marido, ele nunca iria me fazer mal.
- Liliana, por que você está chorando?! -parou no mesmo instante, com a expressão séria e preocupada.
- Nada. -Sequei rapidamente e virei, ficando de barriga para cima- Vamos continuar.
Eduardo fingiu que entendeu e voltou a me beijar. Aquele beijo doce e delicado estava sem sabor, seco e insensível para mim.
- Liliana, sério, o que está acontecendo? Estávamos tão bem mais cedo, e agora você está parada feito uma múmia, nao responde aos meus toques...
- Dudu... -falei baixinho- Hoje não... -voltei a ficar de costas para ele.
- Hoje é seu aniversário, princesa... -acariciou meu braço- Achei que quisesse comemorar.
- Eu não gosto do meu aniversário. A Alana que não me deixa esquecer, pois quer marcar o dia em que eu vou deixar de ser uma adolescente.
- Devia ter me falado... -baixou o tom de voz- Eu não teria feito tanta festa assim...
- Não, não me importo. -virei para ele e acariciei seu rosto- Comemoram a minha vida por mim, por favor. -selinho- Sem contar que o Samuca amou cada segundinho... o sorriso dele é o que importa para mim.
- Mas você também tem direito de escolha, meu amor.
- Eu sei. -respirei fundo- É só mais um trauma meu. Esquece isso, ok?! -selinho.
- Trauma seu? - Eduardo questionou.
- Eduardo... Esquece isso.
- Liliana...
- Shiu. -selinho- Deleta, tá bom?! Foca que daqui a dois dias é o seu aniversário e eu quero muito comemorar ele mais uma vez com você.
Tudo bem, Eduardo não engoliu por completo, porém preferiu se afastar e me deixar sentindo frio. Eu insisti em nos aproximar, mas eu mesma me afastei logo depois, ora, ele não confiou em mim. Nos retiramos durante a noite até cairmos um nos braços do outro. Dormimos profundamente, e mesmo assim a angústia estava no meu peito.
Na manhã seguinte, fiquei sozinha no quarto do hotel, enquanto meus companheiros foram se divertir na praia. Meu aniversário tinha passado, e com ele, todas as dores que sempre carreguei comigo desde que... enfim, prefiro não lembrar. Eduardo me acordou com uma linda bandeja com o café da manhã e uma rosa. Agradeci e houve o convite para irmos à praia, neguei enquanto mordia o pão de queijo e levava a xícara de café na boca. Agora cá estou eu, escrevendo minha própria história sozinha e entediada num quarto de hotel. Bem isso que os livros dizem.
Recebi o almoço, comi sozinha, e deitei na cama novamente. Prometi que no próximo ano, começaria meus planos de nunca engravidar e nunca incomodar Eduardo com esse assunto. Tentamos e nos decepcionamos, como sempre.
- Lili? -ouvi a voz da Alana e os passos de Samuel. Onde estava Eduardo?
- Oi meus amores, tudo bem?
- Mamãe! -correu até mim, subindo na cama e me enchendo de beijos.
- Oi meu amor. -beijei sua bochecha- Meu peixinho.
- O Dudu já vai subir, tá? Mas ele pediu para você vestir alguma coisa mais arrumadinha, que ele vai te levar para sair.
- Sair? -acomodei Samuel no peito.
- Aham. Ele tá... -apertou os lábios e desviou o olhar- meio incomodado com o que aconteceu ontem entre vocês. Fiquei sabendo que brigaram.
- Não brigamos, Alana. -revirei os olhos- Eu...
- Vocês não...
- Olha a criança aqui. -adverti Alana, que riu, olhando para Samuel meio tristonho deitado no meu peito. Alana abriu a minha mala, tirou de lá um vestido florido, uma sapatilha lilás e colocou em cima da cama, olhando para mim com uma cara de quem diz: "você vai acabar com o seu casamento se você não se curar logo dos seus traumas."
Mas sinceramente, eu não tenho culpa. Não superei nada que me aconteceu no passado, eu lembro as datas, lembro a cor das roupas... dói. Eu me joguei no mundo da prostituição porque era normal para mim dar o meu corpo, porém eu recebia para tal. Eduardo sabia disso, principalmente porque ele foi meu cliente e porque eu, burra que sou, contei tudo para ele.
Quando vi, já estava terminando de passar o batom, pronta para dar uma voltinha com o meu maridinho e esfriar a cabeça. Peguei a bolsa, coloquei meu celular e dei um beijo em Samuel. Antes de sair, Alana segurou no meu braço, e olhou no fundo dos meus olhos, como costumava a fazer quando eu engravidei pela primeira vez.
- Liliana, você vai falar para ele, tá me ouvindo?
- Você não manda em mim, Alana. -a fuzilei com o olhar- Dói lembrar, dói, Alana. -bati a porta do quarto e fui para a recepção. Vi os cabelos castanhos e lisos refletindo o sol e fui em sua direção. Eduardo sorriu ao me ver, e me deu seu braço como meu apoio. Entramos no carro e fomos para a Confeitaria Colombo. Sentamos numa mesa e pedimos nossos cappuccinos, delicadamente bordados com desenhos no creme.
- Eu não quero virar o ano com esse clima entre nós. -ele começou.
- Eu disse para você esquecer, por que nunca faz o que eu peço?
- Como eu vou esquecer, Lili? Você tem coisas a me esconder e não quer dizer, não quer ajuda! Só fica aí nesse seu mundinho. -falou sério- Você é a minha esposa, eu sou seu marido, e nós prometemos que nunca iríamos esconder nossos segredos. Quero que me conte, que confie em mim.
- Eu confio em você, Dudu. Mas você vai dizer que é mais um motivo para eu ir num médico de maluco por que eu sou doente.
- Você não é doente. -deu um gole na bebida- Agora me diga, o que aconteceu ontem?
- A mesma coisa que acontece há anos. Sempre foi o único dia que eu bloqueava da minha agenda, sempre o dia que eu chorava e o dia que eu mais odeio. Meu tio... -segurei o choro, dando um gole no cappuccino- ele... foi a primeira vez. Ele rasgou a minha roupa enquanto eu dormia, e eu acordei sentindo ele enfiando o dedo... -parei, escondendo meu rosto entre as mãos.
- Eu estou determinado a matar seu tio. Quantos anos você tinha? -puxou as minhas mãos e as segurou com força.
- Cinco... -sussurrei, desviando o olhar.
Eduardo recostou na cadeira e por fim olhou para o meu pulso. Durante todo o tempo, eu o distraía quando ele se aproximava dali, mas agora? O que eu poderia fazer? Simplesmente puxar as minhas mãos e dar mais motivo de desconfiança para ele?
- Seu pulso... Você tentou...
- Quase consegui.
Eduardo levantou e sentou ao meu lado, me conformando em seu peito e me abraçando de maneira gentil.
- Onde estão suas outras marcas?
- Escondidas com tatuagem. Eu não sou perfeita, Dudu, mas não carrego cicatrizes, além das do pulso. -falei, olhando para tudo, menos para os seus olhos- Mas no dia do meu aniversário... eu não consigo, me perdoe.
Depois de tudo, voltamos para o hotel. Fiquei brincando com Samuel, mas ouvi muito bem quando ele disse que eu precisava de um psicólogo urgente, e que ele iria matar o meu tio. Bem, nós ficamos bem, e viramos o ano com o pé direito e comemorando o aniversário de Eduardo. Claro que nós aproveitamos a noite do nosso jeito, mas foi doce e gentil.
Eu sei que eu vou superar isso.
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Só mais uma Noite
RomanceEu não espero nada além de respeito. Minha vida era perfeita até eu ficar sozinha. Sozinha e isolada de todos que me fizeram mal, o que não é tão ruim assim. Mas, eu odeio o amor. Todas as pessoas que amei, foram embora, me deixaram. Amor não é comi...