Night Ways [One Shots]

Now, I can fly 💎 (Jungkook)

"Onde Jungkook quer ver Molly voar outra vez."

Os passos de Molly entoavam um som seco e rangente no piso de madeira do picadeiro. O breu tão denso do lugar deixava os pelos da nuca dela eriçados. Todavia, não somente o breu lhe causava os efeitos. Mas sim todas as lembranças que o picadeiro lhe trazia.

Todas em um flash. Misturadas em luzes, tons e sons desconexos. Parecia que um nó havia sido apertado na garganta de Molly. O passado se emaranhando ao presente. A fama que o circo de seu pai ganhou depois de tudo. O apelido ofensivo que a comunidade circense deu à sua apresentação.

O voo do anjo da morte.

É incrível como o ser humano consegue ser inconvenientemente cruel.

- Molly... Chegaram.

A voz de Jungkook rompeu o silêncio sádico do picadeiro. A plateia invisível, de repente, parou de encará-la. Agora sobre o chão. Agora com roupas comuns, ao invés do collant de glitter. Agora em luto.

Até a seriedade de Jungkook é algo novo. Uma das coisas que mais impressionava Molly era o fato de que Jungkook nunca saía do seu personagem. Estava sempre rindo e fazendo os outros rirem também, mesmo não caracterizado pelo seu personagem, o Sr. Abobrinha. Mas nem mesmo o garoto palhaço conseguiu escapar da névoa de melancolia que os fatos trouxeram ao elenco do Diamante Circus.

Molly ficou encarando por alguns instantes os olhos âmbar de Jungkook. Tão intensos que nem o pó de arroz e os óculos de plástico encobriram durante a caracterização dos shows. Agora, a tristeza e as olheiras conseguiram tornar fosco o seu brilho.

"Ele amava o papai".

- C-claro - Molly disse, tentando não chorar como uma tola, pela milionésima vez na frente de Jungkook.

Os homens estavam no antigo gabinete de seu pai, com os papéis do contrato de venda esperando apenas a assinatura da última Diamond. Com as mãos frementes, Molly se aproximou dos homens, com o sorriso mais educado que conseguia dar.

- Olá de novo, senhorita Diamond. - o homem esguio e pálido, chamado Phill estendeu a mão e cumprimentou, educado e diplomático como sempre.

Molly se sentou, mais encolhida do que gostaria. Por sorte, Jungkook fez o mesmo, se mantendo por perto.

Ela e os homens vinham acordado a assinatura e a venda há quase dois meses. Jungkook sempre estava presente, apesar de Molly não trocar nem meia dúzia de palavras com ele desde a tragédia. Ele sempre foi um garoto insistente, mas Molly não sabia se isso era um fato positivo ou negativo.

Naquele dia, ela deveria apenas assinar os tais documentos. Assinar e pronto. Se livrar de todas as lembranças ruins. Se livrar de parte da culpa que ela carregaria pelo resto da vida. Se livrar da paixão pela arte circense que estava impregnada em cada célula do seu ser. Molly não queria mais olhar para o alto e sonhar em voar sobre as cordas outra vez. Ela queria ficar longe daquilo tudo.

Mas, como um súbito inesperado, ficar encarando o contrato lhe trouxe um efeito completamente oposto ao que ela esperava. Ela esperava que bater a caneta naquele papel seria como arrancar as correntes que a prendia no remorso com um alicate pesado. Entretanto, de repente, cada um dos rostos do elenco cruzou sua visão com um lapso. Os olhos verdes e amorosos de Riley Jackson, os cabelos loiros e cacheados que Molly ajudava a desembaraçar de Lisa Knows, os gêmeos Dimpley fazendo palhaçadas com Jungkook. Até os cachorrinhos de Alex Chopra lhe apertaram o coração.

- Senhorita Diamond.

Então Molly se levantou, encarou um Jungkook surpreso e homens ainda mais.

- Sinto muito senhores. Não posso vender o meu circo.