Midnight 🍓 (Lucas)

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Onde Lucas tem algo a dizer para Becky, depois da meia-noite.

Não. Não é necessário falar nada agora. Só é necessário agir. Sentir ao menos alguma coisa, por ao menos um segundo. Por ao menos um instante, antes que toda essa coragem repentina se dissipe como a névoa dividida pelo sol.

Estou estagnada no corredor. Mãos trêmulas, lábios ressequidos… um resquício de medo ainda me travando. Ainda me impedindo de bater na porta. Ainda enraizando-me no nada que nunca busquei ter, mas que me foi dado mesmo assim.

“Você nunca me quis. Nunca demonstrou me querer. Não de verdade. E agora você vai embora, porque simplesmente está farto de tudo? Está farto até de mim?”

Estas são as palavras que calculei. Mas assim que Yukhei abre repentinamente a porta do apartamento deplorável, elas somem. Não, elas não foram apagadas de minha mente. Elas estão bem ali, como um assombro. Lembrando-me de que ainda sou covarde demais.

“Becky?”, ele franze o cenho, se abaixa e deixa uma caixa de livros no canto da porta, que eu sequer tinha visto. “O que faz aqui?”

“E-eu vim falar com você.”, tropeço nas palavras, tentando armar um plano b o mais imediatamente possível.

Lucas assente e apenas abre o caminho para dentro de seu cubículo.

Está tudo ainda mais bagunçado que o comum. Livros jogados no chão, uma pilha de roupas sobre a cama, três malas vazias ao lado da escrivaninha e a ponta de um violão debaixo delas.

“Desculpe a bagunça. Mudanças são um nojo.”, ele suspira. “Espere, vou te arrumar uma cadeira.”

“Não quero cadeira.”, respondo seca. “Quero respostas.”

Ele cruza os braços.

“Como assim?”

“P-por que você está indo embora, Wong Yukhei?”

Ele suspira, esfrega as têmporas, se abaixa e pega uma pilha de roupas do chão, jogando-as na mala.

“Você sabe o porquê, eu já falei sobre isso.”

“Não, você não falou nada.” cerro os punhos nas coxas e engulo em seco. “Você só disse que iria pra sei lá onde e que não voltaria.”

“Não, eu disse que iria para Hong Kong. Aliás, nunca deveria ter saído de lá.”

“Isso tudo porque não consegue lidar com algumas pessoas?”

Ele ri, xinga um palavrão baixinho e pega outra pilha de roupas, como se o que ele está fazendo realmente melhorasse em algo toda essa bagunça.

“Sabe Becky, você é mesmo um bebê. Não sabe nada do mundo real. Se soubesse alguma coisa não ia vir até a minha casa falar merda no meu ouvido.”

Dou um riso afetado e chuto a mala com roupas, quase enroscando o salto da bota na gola de uma de suas camisas.

“Suportei você falando merdas no meu ouvido durante dois anos, agora você vai me ouvir.”

Ele dá o sorriso mais sarcástico que tem, mordendo o lábio inferior.

“Então tá, Becky. Fale logo o que tem pra falar.”

Lágrimas. As malditas lágrimas não. Mas não posso contê-las. Quando falo, as palavras saem num choramingo patético e infantil que se comprovam suas palavras anteriores.

“Você é um covarde.”

Espero uma reação qualquer. Qualquer coisa. Mas nada. Ele está inexpressivo.

“Você diz…”, enxugo as lágrimas. “Que está farto de todos. Que todos foram maus com você. Que não há nada aqui pra você. O que eu sou pra você?!”

Ele meneia a cabeça, com os braços cruzados de novo.

“Você disse que gostava de mim mais do que um amigo.”, continuo. “Disse que queria namorar comigo e eu aceitei. Eu não gostava de você. Por que está fazendo isso comigo? Por que fez questão de se aproveitar de cada sentimento meu e agora me deixar pra trás? Como se eu não fosse nada?”

Nenhuma palavra sequer.

“Eu não sei o que eu vim fazer aqui.”, dei um passo para trás. “Obrigada pela droga de namoro de um mês que você me deu.”

Abro a porta, mas antes de sair, ela se fecha na minha cara e sou girada de forma abrupta e um tanto violenta contra ela. Me sobressalto, sentindo a respiração de Lucas em meu rosto. Quente. Devagar. Bem longe do meu ritmo arfante.

“Você é mesmo um bebê.”, ele sussurra, colocando os meus fios de cabelo atrás da orelha. “Um bebê ansioso e impulsivo. Poderia ter esperado até a meia-noite.”

“O que você faria a meia-noite?”, pergunto, entre suspiros.

Ele sorri, mas ao invés de responder,  pressiona forte os seus lábios nos meus.

Nós nos beijamos uma vez, durante todo esse mês. Um beijo calmo e superficial, depois do nosso primeiro encontro como namorados. Depois disso, ele se manteve ocupado demais com os seus problemas com a maldita família Kim.

Mas agora… agora… é tudo mais amplo. Tudo é mais denso e profundo. E nenhum beijo é suficiente. O ar não é suficiente. Porque ele o rouba sem escrúpulos. Sinto suas mãos quentes tocarem a minha cintura, por dentro do meu suéter, então ele me tira da porta e me empurra até o monte de roupas em cima da cama, se jogando em cima de mim.

“Me diga o que você ia fazer à meia-noite.”, arquejo.

Ele beija o meu maxilar, descendo os lábios até o pescoço com leves mordiscadas, sussurrando palavras que eu demoro séculos para processar.

“Vem comigo.”

Não compreendo nada, nenhuma palavra sequer. Só escuto sons de longe.

“Vem comigo, Becky.” ele fala contra a minha clavícula. “Era isso o que eu ia fazer meia-noite. Te roubar desse lugar. Vem comigo pra Hong Kong.”

Como eu posso responder? Céus, como eu poderia pronunciar qualquer coisa senão monossílabos desconexos?

“E-eu…”

“Você não precisa responder agora.”, ele sussurra baixo demais, de volta aos meus lábios. Um sussurro grave que tem forças maiores do que mil gritos. “Só me deixa ter você hoje. Não quero correr o risco de não tê-la mais. Mas se você se negar…. não posso mais ficar aqui.”

“E por que eu devo ceder? Por que você não cede?”

Ele cessa os beijos e me encara, com uma das mãos presa em meus cabelos.

“Porque você também não suporta mais ficar aqui.”

I-isto é verdade? Ele pode realmente me ler assim?

Paro para pensar se posso abrir mão do que eu tenho e aceitar proposta. Um emprego em uma cafeteria? As surras diárias do meu tio? Ser chamada todo dia de vadia pela minha tia?

Do que de fato eu abriria mão? Yukhei tem uma vida tão infeliz quanto a minha. Só está sendo esperto o suficiente para fugir.

“N-não tenho dinheiro.”

“Não falei de dinheiro.”

Suspiro. Estou de mãos atadas.

“Não precisa responder isso hoje. Me responde amanhã.”

“Ok.”, digo aliviada.

“Quer ir embora?”

“Não.”

“Foi o que eu pensei.”, ele disse antes de tirar o moletom e voltar a me beijar.




Night Ways [One Shots]Onde histórias criam vida. Descubra agora