31 de maio de 2017

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Se eu tive problemas em esconder a ansiedade de beijar Rebecca novamente, ela também não ficou longe disso. Sei disso porque sempre que nossos olhares se encontravam na segunda-feira, após o café da manhã, uma espécie de fagulha aparecia.

Passamos o dia nesse jogo de olhares, mas como uma gata arisca, sempre que eu tentava me aproximar ela arrumava uma forma de escapar para longe.

Já ontem, terça-feira, eu não a vi. Maurício que me passou as tarefas.

Rebecca é realmente uma garota estranha.

Não consigo entender porque ela está fazendo isso. Somos adultos. Nada nos impede de dar uns pegas e seguir com nossas vidas normalmente.

Será que isso tem alguma coisa a ver com o fato dela ser virgem? Foi uma espécie de promessa religiosa ou algo do tipo?

Caralho, essa mulher me enlouquece.

Quando acho que estou perto de decifrá-la ela simplesmente desaparece durante um dia inteiro.

👊👊👊

Hoje eu madruguei e decidi esperá-la na porta daquele maldito depósito.

Ou ela fala comigo por bem ou por mal.

Assim que estaciono a moto, próxima ao meio-fio, eu retiro o capacete e inspiro.

Do jeito que Rebecca é, se eu forçá-la a falar comigo vou levar um soco de direita ou um mata-leão.

Só por imaginar sinto um formigamento no queixo.

Melhor arrumar outra estratégia.

Olho para o lado e vejo um jardim em uma casa próxima ao ginásio. As rosas estão ultrapassando o cercado e tombando para a calçada.

Observo em volta e não vejo uma viva alma. Não é de se admirar, afinal ainda não são nem seis da manhã. Sorrateiramente, desço da moto e caminho na direção das flores.

Confiro novamente se ninguém está olhando e depois arranco algumas rosas vermelhas e brancas.

Porra!

Xingo após um espinho furar meu dedo indicador, da mão direita.

Tenho certeza que esse pequeno buquê improvisado vai conquistar o coração de Rebecca.

Respiro fundo e sigo na direção do ginásio.

Assim que entro sinto o fedor do lugar. As pessoas ainda estão amontoadas em colchonetes e envoltas a pequenas caixas, com seus poucos pertences.

Faço uma careta e em seguida sigo na direção do depósito que Rebecca insiste em chamar de escritório improvisado.

Assim que levo minha mão a maçaneta, constato que está trancada.

Ótimo, ela ainda não chegou.

Me encosto na parede e fico observando a extensão do ginásio. As arquibancadas estão repletas de caixas, alguns móveis sujos de lama e tem uma espécie de corda de uma ponta a outra, servindo de varal.

Em comparação com o primeiro dia que estive aqui, muitas pessoas já conseguiram reconstruir suas casas e irem embora. Mas algumas famílias ainda estão dormindo aqui.

Nunca parei para pensar nessas necessidades, porém nesse exato instante sinto um sutil aperto no peito.

Inferno. Agora estou me tornando igual a Rebecca.

— O que está fazendo aqui uma hora dessas?

Ao olhar para o lado, vejo Rebecca de braços cruzados me encarando.

Meu coração quase erra uma batida.

— Estou aprendendo a ser pontual — dou meu melhor sorriso. — Aqui, são para você — estendo o buquê improvisado.

Seus olhos verdes se arregalam e miram as flores, em seguida ela me olha incrédula.

Opa... Não to gostando dessa expressão.

— Caio, você ficou maluco? — ela se aproxima, confesso, me intimidando — Você arrancou essas flores do quintal dos outros sem permissão. — Ela aponta o dedo indicador em meu peito. — E fique você sabendo que matou essas pobres flores!

Ela se afasta e vira-se, me deixando de queixo caído.

— Qual o seu problema? — minha voz sai mais alta do que eu gostaria.

— Você gritou comigo, Caio Laubert? ­— ela me encara novamente, mas de uma forma muito mais assustadora. — Pois fique você sabendo que aqui sou sua chefe. E não se esqueça de que depende de mim para seu nome não ficar ainda mais sujo.

— Claro. Afinal sou o assassino de flores agora. — Estendo meus braços — Aqui, chame seu paizinho e coloque a algema. Já que sou tão ruim por tentar te fazer um agrado. Sua moralista do caralho.

Pronto. Agora eu provavelmente vou morrer.

Ela cerra os olhos e em seguida faz aquele movimento que lutadores fazem com o pescoço – força para o lado esquerdo e depois para o direito, mordendo os lábios.

— Ahhhh, minha santa paciência — ela susurra. — Quer saber, Caio? Eu sou uma idiota por ter esperança de que você poderia melhorar. Agora some da minha frente antes que eu perca a cabeça e te expulse daqui.

Ela nem precisa dizer duas vezes. Jogo o maldito buquê no chão e saio pisando duro.

Assim que chego à rua, topo com Maurício.

— Que cara feia é essa logo de manhã?

— É a demônia da Rebecca! — esbravejo.

— Sei bem como é o humor dela. — ele põe a mão direita em meu ombro. — Mas acredite, ela não está fazendo isso porque te odeia.

— Lógico, quando gostamos de alguém a mandamos para o inferno. — Tiro a mão dele do meu ombro. — Rebecca é uma bipolar do caralho. Tentei fazer um agrado e ela me trata assim.

— Você quer saber umas coisas sobre a Rebecca que só o pai dela e eu sabemos? — Maurício diz gentilmente, como se dedurar a amiga não fosse algo ruim, fazendo sinal para eu me sentar ao seu lado na calçada. — Rebecca sempre foi uma garota muito forte. E não digo isso só com relação ao físico. Quando ela decidiu parar de lutar, foi uma escolha muito difícil. Era o que ela mais amava fazer. Por um instante achamos que ela entraria em depressão e ficaria se remoendo. Mas nos enganamos. Tirando forças de sabe-se-Deus de onde, ela começou a focar na ONG. Mesmo muito jovem, fez um excelente trabalho. Porém ela tem um hábito muito ruim.

— Só um? — o interrompo.

— Alguns, mas um se destaca. É querer enfrentar tudo sozinha. Compartilhar os fardos nunca esteve no dicionário dela. E quando as coisas estão realmente difíceis ela afasta ainda mais quem ela gosta. — ele me encara com um olhar enigmático. — Aposto que nesse momento ela está lá dentro se martirizando dizendo que fez a coisa certa. Que é melhor você sofrer agora do que depois...

— Mas porque eu sofreria depois? — o encaro — Se por acaso entrássemos em uma relação e ela viesse a terminar é só seguir em frente. Como pessoas adultas.

— É complicado... — Maurício diz soltando o ar do pulmão, pesadamente. — Mas acho que o que te contei agora pode te ajudar a compreendê-la um pouco. Se você voltar lá para dentro e fizer um bom trabalho hoje, aposto que até o final do dia ela vai te procurar e pedir desculpas.

— Que seja. — respondo com um suspiro.

Foi Tudo Por Você - CompletaOnde histórias criam vida. Descubra agora