🌻 27| Miguel

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Quando minha mãe morreu, eu não senti nada. Ou talvez não queria sentir. Eu não chorei e nem sorri. Não falava com ninguém.
Na escola os professores tentaram uma conversa e até me levaram até um psicólogo, mas nada adiantou.
Eu não falava com meus amigos.

Todos estavam preocupados porque eu não reagia à morte da minha mãe. Pensavam que eu estava depressivo e poderia tentar suicídio.

Eu penso que estava em negação. Ela era tudo pra mim, fazia tudo por mim e eu por ela. Cuidei dela, quando o câncer atacou seus pulmões e ela tinha que andar pela casa com um cilindro de oxigênio, pois não conseguia respirar sozinha. Eu ajudava Luiza a preparar suas refeições. Eu lhe dava banho quando era necessário.

Foram os dias mais tristes e difíceis que eu já passei. Mas, ainda assim ela não tirava o sorriso do rosto.
Ela foi a pessoa mais amável e feliz que eu já havia conhecido. E ela era a minha mãe.

Eu pensei que poderia ser forte por ela. Quando ela morreu eu tentei ser forte, pelo menos por um tempo.

No dia do meu aniversário todos na escola me saudaram e eu agradecia com meio sorriso. Fui pra casa e ajudei meu pai a organizar o restante das coisas da minha mãe para a doação.

Meu pai me deixou um instante sozinho e eu continuei a arrumar tudo. Foi quando encontrei um caderno de capa azul um pouco envelhecido. Dei uma olhada nas páginas e percebi que era um diário. O diário dela! Tinham tantas coisas bonitas que ela havia escrito. Poemas, refrões de suas músicas favoritas. Mas, também haviam relatos, sentimentos que ela despejava no papel. Naquele diário ela dizia o quanto amava a mim e a meu pai.

Guardei o diário no meu quarto e voltei para terminar de ajudar meu pai. À noite voltei a ler. Enquanto lia parecia que ela estava ali ao meu lado.
Algo ali escrito me chamou a atenção, mas naquele momento eu não sabia o quanto aquilo poderia me ser tão útil.

"Eu poderia estar chorando, me lamentando e desacreditando em Deus por estar vivendo dias de dor. Por estar fazendo pessoas que eu amo chorar. Mas, eu sei. Agora eu sei que nada na vida acontece por acaso. Tudo está escrito, é a vontade Dele!
Eu queria ter mais tempo para a minha família, mas meu destino está traçado e eu não posso lutar contra isso.
Eu tive uma escolha quando engravidei do meu pequeno Miguel. Eu poderia ter interrompido a sua vida por uma ainda mais longa.
Que cruel, não?
Isso nunca deveria ser dito a uma mãe. E por tanto tempo eu quis construir uma família e na primeira oportunidade a vida tenta me derrubar outra vez.
Mas, eu fiz a minha escolha e posso garantir que foi a melhor que fiz em toda a minha vida. Ele está crescendo rápido e o câncer também. Não sei quando ele vai aparecer, mas eu sei que um dia ele vem para me levar pra sempre.
Eu sou uma mulher feliz e realizada.
Eu tive tudo o que sempre quis, uma família.
Agora, eu posso ir em paz."

Deixei o diário na cama e fui encontrar meu pai. Saber porquê eles nunca me contaram que eu era o motivo dela ter partido!
Procurei nos quartos, na sala, na cozinha. Ele não estava em lugar algum.

- Papai? - Seria a primeira vez que falaria com ele.

Fui até o jardim e assim que abri a porta me deparei com uma pequena multidão cantando parabéns. Luiza segurava um bolo e meu pai batia palmas com um sorriso imenso.
E tudo o que eu consegui sentir era dor. Me senti sufocado.

Quando todos pararam de cantar os parabéns esperando que eu apagasse a vela, olhei para o rosto de cada um dos meus parentes, amigos da escola e para meu pai.

Todos que eu gostava estavam ali.

Menos ela!

Dei meia volta e entrei em casa deixando todos cochichando opiniões sobre a minha atitude. Fui direto para o meu quarto e comecei a quebrar tudo. Soquei e chutei as paredes com todas as minhas forças. A realidade da morte dela me atingindo em cheio no peito, trazendo consigo uma dor latejante.

Plano B (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora