🌻 10| Pérola

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Em minha vida havia dias em que eu estava completamente feliz, sorria, brincava e ia a praia com a minha mãe. Mas, havia os dias sombrios em que eu me permitia sentir medo, raiva por ter câncer.

Havia dias em que eu gritava com a minha mãe por ela ser tão esperançosa. Por ela tentar sem ao menos saber que eu havia tentado. As palavras do Doutor Sebastian iam e vinham sempre em minha mente.

- O tratamento não está fazendo efeito Pérola, sinto muito. Nós ainda podemos tentar a quimioterapia, mas as suas chances de sobrevivência são mínimas. O câncer se espalhou muito rápido. Mas, se não tentarmos a quimioterapia seu tempo é curto.

- E de quanto tempo estamos falando doutor? - Perguntei mesmo sabendo o quanto aquilo ia me matar por dentro.

- Com a ajuda de alguns remédios no máximo dois anos.

- Então o senhor está dizendo que sem a quimioterapia eu tenho pouco tempo e com a quimioterapia eu posso morrer rápido? Eu tenho que escolher de que modo vou morrer?

- Sinto muito Pérola.

- Eu também sinto Doutor.

Como eu poderia dizer isso a ela? Como poderia dizer que o tratamento não fez efeito. Então achei melhor deixá la pensar que eu estava tentando. Não deixava ela ir a consultas que nunca existiram com a desculpa de que ela estava muito atarefada com o restaurante. Mas, havia as perguntas.

- Tem certeza que o tratamento está fazendo efeito? Você ainda tem cabelo. A quimioterapia não faz os cabelos caírem?

- Pode ser que no meu caso seja mais devagar mamãe. Cada organismo reage de uma forma.

Até que um dia a farsa acabou.

- Pérola, na minha sala agora! - Disse minha mãe enquanto eu ajudava na organização das mesas.

Entrei na sala e ela estava aos prantos. Andando de um lado para o outro.

- O que foi mamãe? O que aconteceu?

- O que aconteceu foi que você mentiu pra mim! Mentiu sobre a quimioterapia, mentiu sobre as consultas, mentiu sobre tudo! O doutor Sebastian me contou tudo quando por coincidência nos esbarramos na rua, perguntei sobre você e ele disse que não te via a um mês. Um mês Pérola. Você vem me enganando a mais de uma semana dizendo que tinha retomado o tratamento, quando o que aconteceu foi que nada deu certo! Por quê? - Vê la desabar foi demais pra mim, mas ainda assim eu senti raiva por ela se intrometer tanto. Por ser tão protetora.

- Eu tenho 2 anos. Eu vou morrer em 2 anos. Ou menos que isso...

- O quê? Como assim?

- A menos que eu tente a quimioterapia eu tenho apenas dois anos de vida. O doutor Sebastian me passou alguns remédios que amenizam os sintomas da doença. E a quimioterapia pode não dar certo. Eu posso morrer durante o tratamento. - Foi mais difícil do que eu pensei dizer aquelas palavras. E mais difícil ainda foi conter as lágrimas. Minha mãe também chorava. A minha dor era a dor dela e isso me matava um pouco mais.

- E por quê você não me contou? Por quê mentiu pra mim?

- Eu menti pra evitar isso. - Apontei para seus olhos inchados pelas lágrimas intermináveis. - Eu menti porque achei melhor você pensar que eu morri por ser uma covarde. Eu queria que você tivesse raiva de mim. Assim não sofreria tanto quando eu morresse! Assim você não sofreria como sofreu com a morte do papai!

Minhas lágrimas ardiam em meus olhos. Minha mãe pôs suas mãos em meu rosto. Seu olhar ainda mais triste.

- Como você pode pensar que eu sentiria raiva de você? Como pode pensar que eu sentir raiva de você amenizaria a minha dor? Pérola você é minha filha, é a minha vida. Cada vez que esse câncer se espalha em você eu morro um pouco mais. - Não. Aquilo era demais pra mim.

- Não! Não era pra ser assim! Eu deveria ficar aqui com você. Eu não deveria morrer. Droga! Eu não quero morrer!

- Nós ainda podemos tentar a quimioterapia. Você ainda tem uma chance minha filha. - E ali estava de novo a esperança.

- Não, eu não tenho. Eu não quero que você me veja em uma cama de hospital. Eu não quero arriscar ficar longe de você tão depressa mãe! - Eu estava descontroloada. Meu coração doía no peito. Eu precisava de ar. Me afastei da minha mãe deixando a desconcertada com a notícia.

Ela estava ainda mais perturbada do que quando soubera da minha doença. E eu sabia. Soube naquele momento que suas esperanças foram destruídas. Por mim. Eu desisti.

Passei pela porta e segui pelo corredor em direção a saída, eu precisava sair dali. Respirar. Ouvi minha mãe gritar meu nome.

- Pérola! Aonde você vai? Não saia assim tão nervosa. Pérola! - Mas, não dei atenção e segui adiante.

Quando cheguei ao salão me deparei com o olhar de todos os funcionários. Olhares de pena e compaixão. Aquilo me corroeu por dentro. Eu não queria a pena de ninguém. Eu não queria mais ficar ali. Quando senti o ar livre e frio da noite no meu rosto estava sem fôlego.

Respirei.

Inspirei.

Eu quis parar de respirar.

Plano B (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora