Salem, 1692
O sol estava escaldante, mas eu não sentia calor. Aqui em cima sempre teve uma boa ventilação, apesar de minha nuvem não ser de alto nível. Ser um anjo tinha seus privilégios: eu poderia simplesmente me jogar dali de cima e levantar voo, poderia descer e assistir de perto o comportamento de qualquer humano, sem que nenhum deles sequer notasse minha presença. Os humanos... Eles me fascinavam! Embora fossem uma raça inferior, se mantinham como superiores. Esse sentimento de superioridade os fez evoluir mais do que os outros animais que povoavam a terra. Porém, apesar de serem mais evoluídos, eles ainda assim tornavam a praticar ações irracionais. O assassinato, o estupro, o sequestro... "N" ações horrendas!
Costumava gostar de passar horas e mais horas admirando tais seres criados pelo Santíssimo, apesar das atrocidades cometidas por alguns. Outros tinham a habilidade da bondade, da sabedoria, do amor... Alguns tinham tanto que chegavam a serem comparados a anjos!
Levantei-me e abri minhas asas, brancas e brilhantes. Elas eram lindas. Eu as amava. Num rápido movimento, desci num rasante até as casas que se encontravam abaixo de minha nuvem. Dentre os anjos, eu era conhecida como uma das mais velozes, perdendo por pouco apenas para alguns Arcanjos, a exemplo do Arcanjo Miguel, ele ganhava de mim com muita diferença.
Aterrissei suavemente sobre uma casa, foi um pouso perfeito, quase não pude escutar o barulho dos meus pés ao tocarem as telhas amareladas de uma casa.
Depois de alguns minutos observando os humanos, um deles me chamou atenção. Ele tinha cabelos lisos e loiros que chegavam até os ombros, seu andar era perfeito e simples. Mas isso não o fazia que ele se sentisse melhor que os outros. Por vezes ele parava para ajudar as pessoas em seu caminho.
"Como um humano poderia ser tão bom?" A curiosidade me levou a ver seus pensamentos, o que me fora mais surpreendente. Aquele humano havia decorado o que cada pessoa da cidade iria fazer e sabia exatamente as pessoas que iriam precisar de ajuda na hora certa. Havia uma espécie de mapa em sua cabeça, que marcava a posição de cada pessoa necessitada. "Não pode ser... como ele vai conseguir ajudar todas essas pessoas?".
Tudo que ele fazia era em prol de outras pessoas, era impressionante. Era como se ele fosse a "grande irregularidade" naquele mundo repleto de malícias.
Ele carregava consigo um sorriso convidativo e alegre; Seus sorrisos ficavam cada vez mais evidentes à medida que realizava boas ações. "Ele se sente bem em fazer isso...".
Pessoa após pessoa, rua após rua, ele ajudou a todos que aceitavam sua ajuda. Por fim, tomou direção até uma padaria, acho que estava com fome, pois já passava do horário de luz diurna. O sol já havia escurecido e a maioria das pessoas já haviam se recolhido. Ele comprou o pão e foi em direção a uma rua escura, chegando lá avistou um menino de roupas rasgadas e de cabelo sujo. A princípio, o menino o havia assustado. Após o susto, ambos riram e correram para o abraço. O garoto o chamava de Pai... Ele sentou-se no chão junto com seu filho, e repartiu o pão entre os dois. A parte maior deu a seu filho, e a menor ele comeu. Assim ficaram os dois, juntos e abraçados... Até que o sono chegasse e ambos adormecessem.
— Descendo novamente para observar os humanos, Alice? – Disse repentinamente uma voz atrás de mim, mas que parecia ressoar em minha mente. Saltei de medo, pensei que estava sozinha. Mas logo reconheci aquela voz.
—Ah, Miguel! Não faça isso de novo, tomei um susto! – Ele riu, seus olhos se fechavam à medida que seu sorriso quase alcançava suas orelhas – Há um tempo eu também fazia isso, é magnifico ver que apesar de poderem fazer tudo, eles escolhem o caminho certo. Este que você está vendo é Victor, ele nasceu de família pobre. Apaixonou-se por outra humana que faleceu ao dar a luz ao seu filho. No entanto, não se deixou abater pela morte da amada. Apesar dos pesares, ele continuou com um sorriso no rosto, sem nunca passar a tristeza que sentia para as outras pessoas. Victor é bem visto por toda sociedade celestial.
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Minguante
RomanceEm Minguante, é contada a história de um garoto chamado Raphael. Um garoto isolado e sem amigos. Essa situação muda ao conhecer Ângela, uma garota linda e popular, mas com feridas escondidas as quais apenas Raphael é capaz enxergar, o que faz surgir...