Capítulo 10

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2015, Flórida

     Um céu azul e com poucas nuvens era a única coisa que eu via. Esforçava-me ao máximo para tirar a atenção da enorme dor que estava sentindo no braço direito. Era uma dor agoniante, daquelas que não se pode fazer nada a não ser esperar que passe. Eu havia me desconcentrado durante o voo e perdido o controle. Caí bruscamente no chão por cima do meu braço. Cara, como doía!

     —Vamos, Raphael! – Gritava autoritariamente minha avó. – Levante-se, sei que você aguenta muito mais que isso. – Era estranho vê-la com esse novo estilo. Ela estava com o cabelo preso num rabo de cavalo e com uma roupa simples, que permitisse a movimentação. Havia abandonado a bengala e estava de braços cruzados, em reprovação, a me olhar.

     — Calma, Vó! – Gritei, enquanto tentava me levantar – Foi uma queda grande dessa vez.

     — Queda grande? – perguntou me fitando. – Você só caiu uns cinco metros! Já caí muito mais que isso sem nem reclamar. – Falou, rindo de forma superior. – Essas suas quedas me fazem economizar tempo em te ensinar à cura. Pelo visto você já anda "treinando" muito ela.

     Levantei-me dolorosamente enquanto aumentava a concentração na cura, para que fosse possível me curar cada vez mais rápido. Meu tempo de cura havia melhorado bastante desde que comecei a ter "aulas" com minha avó. Não importava o exercício, eu sempre acabava machucado! Consequentemente precisava da cura. Usei-a tanto que aperfeiçoei esse e outros dons. Fui de dois minutos e meio para vinte segundos em curar feridas graves, às vezes, demorava mais quando tinha algum osso quebrado. Embora eu me curasse rápido, isso não fazia com que a dor fosse menor.

     —Venha, preciso lhe dar mais algumas dicas. – disse-me ela. Virou de costas e foi andando mais a frente. Até parar numa clareira. Como estávamos numa zona distante da cidade, não havia perigo em treinar. – Vire de costas. – Obedeci e então ela pôs as mãos no meio das minhas costas. – Novamente, feche seus olhos, imagine suas asas e foque nelas paradas.

     Imaginei minhas asas: grandes, brancas e fortes. E num piscar de olhos. Já sentia o roçar das penas em minha pele. Abrir as asas me dava uma sensação de liberdade e euforia. Para um anjo, esconder as asas era como esconder sua própria existência.

     — Abra os olhos, sem fechar a mente. – Por mais que parecesse confuso no início, aquela frase me parecia bastante profunda. Às vezes, sem nem perceber, nós abrimos nossos olhos pra realidade na nossa frente e mesmo assim continuamos com a mente fechada. De nada adiante ver e não conseguir, ou não querer, entender o que se passa ao nosso redor.

     Abri meus olhos. Era incrível o quanto o mundo mudava ao meu redor quando não escondia as asas. Meus sentidos se aguçavam. Sentia-me até mais forte.

     — Acredite, eu sei muito bem o que está sentindo agora! – Disse-me de forma nostálgica.

     —Vó, a senhora se arrepende da sua escolha? – Perguntei acanhadamente.

     —Claro que não, filho. – respondeu com um sorriso no rosto – Nada vai me fazer sentir arrependimento pelo que fiz!

     Embora triste por saber que ela não tinha mais suas asas, saber que ela não carregava arrependimentos me fazia melhor.

     — Tente fazer suas asas baterem com força o suficiente para levantar voo. Permaneça de olhos abertos. – fiz o que me foi pedido e, desastrosamente, levantei do chão. Por pouco não caí de cara. – Calma, tente manter-se no equilíbrio. – me esforcei e conseguir manter um bater de asas rítmico e com força equilibrada para me manter a alguns centímetros a cima do chão. – Feche seus olhos e tente manter-se assim. — disse-me enquanto se afastava um pouco. Decorrido alguns segundos, escutei um zumbido por perto, seguido de uma dor que me fazia contorcer. Estava perdendo o foco, estava prestes a perder o controle das asas.

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