Todas as portas e janelas estavam fechadas, mas, ainda assim, era possível escutar o caos que estava presente em todas as ruas desde a aparição de Raphael. Aparentemente, toda a cidade havia aderido ao anarquismo. "O que nos resta fazer agora, se fomos todos abandonados por quem nós mais depositamos nossa fé?", essa era a desculpa utilizada por eles.
Gritos estridentes, passos rápidos, o som de vidraças quebrando era apenas uma fração do todo que tinha como função atrapalhar meus pensamentos, ou pelo menos a minha tentativa de não pensar apenas em Raphael agora.
—Ângela, minha querida. – Dizia, calmamente, Alice. – Com todo esse caos lá fora, pode ser perigoso ficar tão próximo às janelas. Venha para cá!
Era perceptível a preocupação em sua voz, mas Alice se esforçava para tentar escondê-la. Ela não queria me deixar mais preocupada do que eu já estava. Sua preocupação era totalmente compreensível, visto que ela não preocupava se apenas com Raphael, mas também comigo. Alice tinha costume de me tratar como uma filha e, pela ausência de minha mãe, eu gostava do jeito que ela me tratava.
Ela praticamente me arrastara até a cozinha e começara a preparar seu costumeiro café. Lamentava por não poder sentir o cheiro de seu maravilhoso café.
Desde que me fora informado sobre a revolta, eu não conseguia pensar em outra coisa que não tivesse como ponto de referência Raphael. Nesse momento, a maioria das pessoas o via como uma espécie de monstro, mal elas sabiam da guerra que se passava dentro da sua própria consciência.
O olhar horripilante de Raphael ao me alertar sobre o perigo que ele representava para mim, não saia de minha cabeça... Ele chorava por dentro!
Eu já havia me recuperado da pancada na cabeça, no entanto, eu ainda não conseguia raciocinar com clareza. Sentia-me incapaz até de viver. Infelizmente, essa incapacidade não era apenas física, mas também psicológica. De que adianta ter uma existência tão insignificante ao ponto de não conseguir fazer NADA para salvar a pessoa que mais amo?
—Ângela? – Perguntava Alice, com sua doce e gentil voz. Apesar de estar tão quebrada quanto eu, não deixava transparecer assim tão facilmente. Ao ver de desconhecidos, a pessoa mais quebrada possível pode até ser vista como uma muralha indestrutível. — Você está bem?
"Estou perfeitamente bem, até porque a pessoa que sempre me socorre quando preciso está em apuros enquanto eu estou aqui plantada sem fazer nada! Pareço bem?"
—Não totalmente, é impossível não pensar em Raphael... – Não era isso que queria dizer, mas não é aconselhável descontar todas as minhas frustrações numa pessoa que tinha tantos problemas quanto eu.
—Venha cá, minha filha. – Disse-me à medida que vinha em minha direção. Eu precisava daquele abraço e já estava preparada para me jogar em seus braços.
Seu carisma, sua compaixão, a hospitalidade exibida em seu sorriso, a habilidade de esconder seus sentimentos... Embora não sejam exatamente parentes, ela e Raphael tinham suas semelhanças.
Talvez ela tivesse as mesmas preocupações que eu, os mesmos medos...
Meus pensamentos foram bruscamente interrompidos por um barulho impossível de ser ignorado. Era como se tivesse atirado uma pedra enorme na porta da frente.
Eu tinha de admitir: há um bom tempo que eu não tinha um mísero descanso. Dias conturbados, noites pensativas... Essa rotina estava me destruindo aos poucos.
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Minguante
RomanceEm Minguante, é contada a história de um garoto chamado Raphael. Um garoto isolado e sem amigos. Essa situação muda ao conhecer Ângela, uma garota linda e popular, mas com feridas escondidas as quais apenas Raphael é capaz enxergar, o que faz surgir...