Capítulo 19

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     Eu me encontrava num escuro imensurável. O lugar onde estava não fazia frio, nem calor. Não era bom, nem ruim. Era apenas um vazio, como um buraco profundo no fundo do oceano, aonde nem o som chegava. Eu estava sozinho com meu agradável vazio. Seria agradável mesmo? Eu não sentia nada, não via nada, não ouvia nada... Era isso: um grande buraco escuro repleto do nada, sem pessoas, sem sentimentos, sem arrependimentos, sem paz, sem guerra, sem amor, sem ódio. Literalmente, sem nada. Ah, como eu gostava daquele lugar. Isolado de todos, isolado das loucuras, isolado das desgraças do mundo, isolado do mundo, isolado da vida. Aquela solidão me fazia bem, ela me fazia descansar meu corpo e minha alma. Eu não tinha necessidade de me mover.

     A solidão sempre foi algo com que eu havia convivido durante toda minha vida, mas aquela solidão era diferente, não me deixava de lado. Ela me abraçava cada vez mais, estava presente em todos os lugares que eu olhava. Jamais imaginei que iria existir uma solidão tão grande assim... Pensando bem, ela sempre esteve comigo em todos os momentos. Despercebidamente, eu a alimentei e a fiz crescer, enquanto a escondia de todos. Não digo que não a havia notado, eu apenas me acostumei a viver com ela.

     Era possível sentir dentro de mim uma minúscula perturbação. Como se eu tivesse esquecendo algo muito importante. Mas eu não conseguia nem imaginar o que era. Eu não tinha lembranças de nada. Se não lembro, não deve ser algo tão importante. Afinal, eu não me esqueceria de algo importante pra mim, não é?

     —... Tola! – Dizia uma voz semelhante a minha, porém mais grave e muito distante. Mais distante do que minha visão poderia alcançar. – Pensei... Você... Minha vida. – A voz parecia estar gritando com alguém. De quem era aquela voz semelhante a minha? 

    Abaixo dos meus pés, nada havia. Dos meus lados, nada havia. De onde vinha aquela voz?

     Uma fraca luz iluminava o lugar onde eu estava. Mas a luz estava muito longe, e emitia um brilho fraco. Lentamente fui em direção a ela. Meu corpo parecia pesado. Era como se algo estivesse me forçando a me manter parado e inerte no mesmo local. Mas ficar parado já havia perdido a graça. Eu queria me movimentar, nem que fosse um pouco. Meus olhos pareciam pesar mais do que as pernas. Eu forçava-me a continuar lúcido.

     Aos poucos eu me aproximava mais da luz, que, cada vez mais, me chamava atenção. Era como se ela quisesse me mostrar o que eu estava esquecendo. Eu me movia lentamente e silenciosamente, mas o silêncio foi bruscamente rompido por uma voz que fizera meu coração acelerar.

     — Por que amo o que você já foi um dia! — Aquela voz... Era como se ela falasse diretamente ao meu coração. Eu a ouvia quase como um sussurro no meu ouvido. Mas aquele sussurro foi o suficiente para me despertar. Para me acordar. Não sabia como, nem de quem, mas aquela voz... Eu amava aquela voz. E ela dizia o que eu mais precisava ouvir. Ela era uma mistura da mais imperfeita possível entre a suavidade e a força. Ela era um misto imperfeito de tudo, e eu amava aquilo nela. Eu a amava. Não a voz, a dona dela.

     —Ângela... – Eu dizia para o vazio, mesmo sem saber de quem era aquele nome. – Ângela... – De quem era aquele nome? Aquele nome... O nome... Como um murro, todas as minhas memórias haviam voltado junto com minha força. Eu precisava sair dali urgentemente. Eu podia sentir o medo que aquele lugar representava. O terror naquele mar de escuridão. – Me deixe sair! – Eu gritava e gritava.

     —ME DEIXE SAIR! – Eu gritava desesperado. Minha cabeça girava e doía muito. O vazio ao meu redor ia se desfazendo. O mundo ao meu redor estava se quebrando igual um vidro pouco antes de se estilhaçar contra a parede. Eu sentia em meu coração uma dor que não parecia acabar, mas eu continuava a lutar. Eu tinha que sair dali a qualquer custo. Eu tenho que sair. Eu tenho que sair. Eu preciso sair! 

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