Capítulo 14

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     Bela vista era a que eu tinha da cidade. Eu estava numa das colinas mais altas que rodeavam a cidade. Eram essas colinas que faziam a cidade ser tão "isolada" do resto do mundo, o que era bom e ruim ao mesmo tempo. Bom, pelo fato de não haver tantas complicações e impactos gerados pelo excesso de pessoas. Ruim, simplesmente por ser isolada. Isso trazia algumas limitações para as pessoas que nela viviam.

     De onde eu estava, era possível sentir o vento frio no rosto, olhar panoramicamente toda a cidade e uma temperatura agradável, visto que havia chovido hoje. Eu poderia até tirar um cochilo agora...

     Deitei-me na relva macia e agradável. Era relaxante e confortável, semelhante a um colchão. Eu realmente estava precisando descansar mais um pouco. Desde o último episódio com Ângela... Confesso que estava evitando-a.

     Eu temia por sua segurança. Embora estivesse fora de controle, naquele momento eu podia sentir tudo! Os ossos daqueles garotos quebrando um por um. O terror em seus olhos. Seus gritos de lamentação e dor. Porém, o que mais me assombrava não eram as reações dos garotos, e sim as minhas reações. Eu tentava lutar contra aquilo. No entanto, a adrenalina percorria todo meu corpo, que já se encontrava num nível superior ao próprio êxtase. Era um prazer doentio e sombrio que percorria o meu corpo. Parecia que algo havia desligado o botão "consciência" em minha mente. Eu me mexia inconscientemente. Algo dentro de mim gritava e berrava por mais. Eu não tinha vontade própria. Tenho que admitir: eu estava próximo de chegar ao ápice de meu frenesi. Se não fosse por Ângela, não sei o que poderia ter acontecido. Mal sabe ela o quanto que me ajuda, simplesmente pelo fato dela existir.

     "Olá, meu caro, sentiu saudades de mim?" – Disse-me aquela "agradável" voz dentro de mim. Toda a paz relaxante que estava sentindo há um tempo fora embora. Estava tudo tranquilo demais para ser verdade.

     — O que você quer agora? Já não bastou o que fez em sua última aparição? – Respondi furiosamente. – Aqueles garotos por pouco não morreram!

     "Ah, detalhes. Detalhes. Isso é pouca coisa, comparado ao que eles iriam fazer a Ângela! E isso nós não poderíamos deixar."

     — Você fala como se tivesse salvado o dia, como se não tivesse feito nada de errado. E ainda me arrastou nisso!

     "Ora, ora... Já dizia o ilustre Maquiavel: 'Os fins justificam os meios'. Nós queríamos salvar Ângela. E assim fizemos. Concorda?"

     — Claro que não! Não era necessário fazer o que fizemos. – Disselhe. Porém, no fundo eu sentia como se tivesse sido do mesmo jeito que ele disse. Do mesmo jeito que nós dissemos: "Os fins justificam os meios". Se for mesmo preciso de uma atitude mais radical para salvá-la, era o que eu faria. Sem nem hesitar!

     "Vejamos o que temos aqui... Eu sinto algo diferente, seria aceitação?".

     — Cale-se! Você não tem direito algum de falar nada. – Falei. Por mais que já estivesse me acostumando com a ideia de ter outro "eu" dentro de mim, eu ainda não o aceitava. Não totalmente.

     "Diferente de você, eu sabia o que aqueles garotos tinham em mente! Diferente de você, eu não vejo somente o lado bom das coisas. Diferente de você, eu vejo a realidade e a podridão nas pessoas!".

     —Por que você tem que ser assim? – Perguntei-lhe – Embora diga ser eu, você é sombrio e oculto. É como um lado meu que eu nunca tinha visto ou usado...

     "Entenda algo fundamental: Por mais que neguem, todos têm um lado escuro. Um lado oculto que escondem do mundo e de si mesmo. Eu sou o seu lado escuro". 

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