Mustang

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Quinta-feira, 15h


Estávamos a poucos dias da semana de provas e isso era o pior pesadelo de qualquer estudante. Porém o mais estranho era a tranquilidade na qual eu agora nadava. Tudo estava perfeito, minha relação com meu pai agora existia, minha vida amorosa não era mais completamente inexistente e utópica, eu até tinha uma festa para ir e fui convidado pessoalmente pela anfitriã, Natalie Jackson. Minha vida social também ia bem, eu tinha bons amigos e até uma melhor amiga agora. O que não ia tão bem era minha vida acadêmica, mas isso podia ser resolvido facilmente.

Logo depois da aula, quando horas antes encontrei com Natalie, fui embora direto para casa, meu pai queria me encontrar antes de sua viagem até o Texas no dia seguinte. Ao chegar, conversamos por um tempo e notei que falar sobre os negócios da família não era mais tão terrível assim. Era empolgante saber que ele viajaria a uma cidade para conhecer um jovem garoto que podia ser a próxima promessa do country.

Meu pai estava radiante e acho que eu também. Carmen nos disse isso quando entrou na sala de estar e ficamos os três conversando e rindo, até que eu virei o assunto e ela e meu pai começaram a insinuar coisas sobre mim e Samantha. Esse foi o momento mais estranho. Porém o pior foi pensar no que eles disseram e em como não seria tão ruim assim. Na verdade, parte de mim achava aquela possibilidade bem engraçada.

- Eu preciso estudar, vou deixar vocês dois aí com suas maluquices antes que isso me afete. - me levantei e saí rindo, mas não antes de levar um beliscão de Carmen e ouvi-la dizer que os mais velhos sempre têm razão.


...


Não adiantava ler minha matéria preferida ou qualquer outro texto que me agradasse, aquele não era o melhor dia para estudar para as provas finais. Era um dia perfeito para relaxar e não fazer mais absolutamente nada. Parei na janela do meu quarto e então saí para a varanda. Senti o suave calor do sol de fim de tarde e a brisa trazia o cheiro do jardim. O dia tinha os detalhes perfeitos para uma música. Um hino de verão.

Vi Carmen conversando com Alfred, nosso jardineiro. Mais longe, à direita, vi a Harley parada longe da garagem. Eu nem me lembrava de tê-la deixado do lado de fora. Desci e fui até lá só para ter o prazer de colocá-la em seu lugar. E por obra do acaso e do pôr do sol mais lindo dos últimos dias, parei olhando para o último carro no canto direito, um Mustang 1965 azul claro, o carro preferido de Frederick L. Smith, meu querido avô.

Aquele carro era um grande portador de histórias memoráveis, foi nele que meu pai aprendeu a dirigir e que meu avô me ensinou a dirigir também, apesar de tudo. Sua paixão por carros, e mais especificamente por esse, me convenceram a deixá-lo me ensinar a dirigir quando eu tinha quinze anos.

E essa é a última lembrança que tenho dele, pois três meses depois ele faleceu num voo para Los Angeles, de ataque cardíaco.

E ali estava eu, anos depois, encarando o mesmo carro. O carro que meu avô levou minha avó para sair pela primeira vez, anos antes de se casarem. O carro que havia mudado a vida dele, e que ficou parado por décadas depois de seu falecimento. Meu pai gastou milhares de dólares para conservar a máquina, mas não a dirigia há anos.

Talvez esse seria o carro que mudaria minha vida e me faria perder o medo de mudar de duas rodas para quatro.

O pôr do sol brilhava forte lá fora, o céu estava perfeito, o meio num tom de azul mais escuro enquanto o final, mais próximo do pôr, se transformava num alaranjado suave, como aquarela. Foi nesse momento que me lembrei do meu avô dizendo o quanto adorava aquele carro e como ele não merecia ficar guardado numa garagem se empoeirando com o tempo.

O AcordoOnde histórias criam vida. Descubra agora