Gabriela chegou em casa carregando uma pasta. Havia levado duas minutas de contrato que pretendia examinar depois do jantar. Precisava encontrar um jeito de modificar as condições com as quais os clientes não concordavam, sem prejudicar os interesses e os ganhos da empresa.
Gabriela não costumava levar trabalho para casa porqüanto se ocupava com os filhos e o bem-estar da família, o que não era fácil ficando fora o dia inteiro.
Sentia-se satisfeita com o progresso alcançado, com o dinheiro que estava começando a ganhar, e desejava progredir cada vez mais. Depois, era-lhe muito prazeroso perceber que, ao contrário do que diziam seu marido e sogra, ela tinha capacidade para ganhar dinheiro.
Quanto mais Roberto a criticava por trabalhar fora de casa, mais ela se sentia valorizada, percebendo que tinha elementos para subir na vida.
Claro que considerava importante sua presença ao lado dos filhos, orientando-os, ajudando-os, exercendo suas funções de mãe. Apesar do esforço daqueles dias difíceis, quando não pôde contar o tempo todo com Nicete, nada faltara aos seus. Mesmo quando ela se sentia exausta, procurara tornar o ambiente da casa alegre, apesar do mau humor do marido.
Se tivera capacidade para isso quando tudo estava ruim, por que deveria desistir agora que as coisas começavam a melhorar?
Roberto não havia chegado ainda. Como ele estivesse demorando, as crianças comeram e foram brincar. Gabriela sentou-se na sala de jantar, colocou sobre a mesa a pasta que trouxera e começou a ler o primeiro contrato, anotando alguns detalhes em um bloco ao lado.
Foi assim que Roberto a encontrou quando entrou em casa. Imediatamente ela se levantou, dizendo:
— Vou mandar esquentar o jantar. As crianças já comeram. — Não estou com fome. Eu me atrasei e acabei comendo um sanduíche. Nicete, que aparecera na porta da sala, perguntou: — Coloco a mesa só para a senhora? — Também não sinto fome. Quando eu terminar isto, comerei um lanche. Pode acabar com a cozinha.
Roberto aproximou-se curioso: — O que está fazendo? — Examinando estes contratos. Não deu tempo durante o dia e eles são urgentes.
- Desde quando você examina os contratos de sua empresa? Que eu saiba não é essa sua função.
— Eu disse a você que fui promovida, lembra-se? — Não é muita responsabilidade? Será que você não vai fazer nenhuma besteira?
Gabriela levantou para ele os olhos nos quais havia um brilho de irritação. - Não. Não vou porque o dono da empresa confia em mim, sabe que tenho capacidade para opinar e dar sugestões que ele usa se quiser. São só sugestões; quem decide é ele. A responsabilidade é só dele.
Roberto sentiu um aperto no peito. Suas suspeitas justificavam-se. Bem que desconfiara que era com o chefe que ela andava se envolvendo. Imagine, ela, analisar contratos. Estava claro que ele fazia isso para conquistá-la.
Não se conteve: — Cuidado. Esse homem deve estar querendo alguma coisa mais. Por que ele não dá esses contratos para seu advogado ou seu contador? Seria mais adequado.
Gabriela levantou-se fuzilando-o com os olhos e respondeu: — Já vem você com essa conversa. As vezes chego a pensar que você deve ter muitas amantes na rua, porque não consegue pensar em outra coisa. Quem usa cuida, sabia?
- Não precisa ficar nervosa. Conheço os homens. Sei como agem. Esse parece que tem segundas intenções. É bom tomar cuidado e não cair na lábia dele.
O rosto de Gabriela coloriu-se de vivo rubor. Sentia-se indignada. Colocou as mãos na cintura e disse com raiva:
— Está me chamando de ingênua ou de burra? Acha que não sei diferenciar uma cantada de um trabalho profissional? Há momentos que me arrependo de haver casado com você. Não confia em mim, me ofende julgando-me leviana e, para coroar tudo isso, ainda me passa um atestado de incapacidade. Pois fique sabendo que meu trabalho tem sido muito elogiado, que cada contrato desses, quando conseguimos fechar, está me rendendo excelente comissão, além do salário normal do mês. Portanto cuidado você com o que diz, porque poderá chegar um momento em que não suportarei mais a tensão e resolverei minha vida de outra forma.
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Ninguém é de Ninguém - Zibia Gasparetto
SpiritualHá quem pense que sentir ciúmes é provar que se ama ardentemente, mas até descobrir que ele transforma a vida amorosa em uma dolorosa tragédia, culminando em amarga separação. Se fizermos as contas, percebemos que sofremos mais com as pessoas que am...