A Oitava Garota

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Onze anos antes…
Uma matutina aura cor de trigo foi lançada sobre campos rosados e quentes. Um novo palco para um par moreno de dedos bailarinos deslizar, uma performance terna que se apresentava pelo braço de uma garota adormecida.
— Bom dia… - pronunciou Otávia sorrindo sem abrir seus olhos.
Os dedos bailarinos desceram até sua cintura e encerraram sua apresentação ao iniciar um abraço.
— Bom dia. – respondeu alguém aos seus ouvidos, o prólogo do arrastar de lábios em seu pescoço.
A garota, então, virou-se para o lado, abrindo sua visão e permitindo que seu primeiro vislumbre fosse o rosto dele. Traços retos que desciam com poucos ângulos para que se encontrassem na sutil covinha de seu queixo. Lábios achocolatados banhados em uma respiração tênue e mornamente doce. Tudo sob um olhar marrom que ainda carregava o convalescente vermelho outonal. De repente, já não era mais possível manter a distância que impedia o nascer de um beijo.
— Dormiu bem? – perguntou à garota após se afastarem.
— Tão bem que por mim não sairia mais daqui. – respondeu Otávia acariciando curtas ondas cacheadas de um cabelo escuro. – Se ao menos fosse possível...
— Ainda não é. – corrigiu o jovem começando a se levantar. – Mais dois anos. É tudo de que precisamos.
— Renato… não é bem assim. Não posso fazer dezoito anos e simplesmente sair de casa. Tem coisas muito mais complicadas que maioridade.
O rapaz sentou-se na cama, coçando sua clavícula esquerda enquanto arregalava os olhos de uma maneira infantil.
— Não faça essa cara de cachorro. Você sabe que eu estou certa. – ela se sentou também. – Temos que ter paciência.
Renato pegou sua mão e a levou até seus lábios.
— Eu sei. Mas, ainda assim, pode ser menos complicado do que você pensa. Eu tenho uma novidade.
“Qual?” – disse Otávia com o olhar.
— Passei no concurso. Consegui uma vaga na BASSCETEC. E a posse está prevista pra daqui um ano no máximo. Já é alguma coisa.
— É muito mais que “alguma coisa”! Isso é maravilhoso!
Otávia se jogou em seu colo e lhe deu outro beijo. Seus sonhos finalmente haviam começado a se aproximar de uma possibilidade real. Dois anos. Era todo o tempo que precisava. Dois anos. Por toda a manhã, a garota foi acompanhada por tal pensamento. Desde sua saída da casa de Renato, durante sua viagem de ônibus, até que chegasse a Água Grande, onde encontraria um sonho diferente.
A garota caminhou até chegar a imensos prédios beges. O porteiro já a conhecia há anos, acostumado com sua chegada próxima ao almoço, então apenas saudou-a e destravou a entrada do condomínio. Otávia foi até o terceiro prédio e subiu de elevador até o quarto andar, seguindo para o apartamento quatrocentos e vinte. Antes que tivesse a chance de apertar a campainha, a porta se abriu.
— Távi! Távi! – exclamou um garotinho contente, disparando do apartamento para abraçar suas pernas.
— Meu Deus! Que animação! – riu Otávia acariciando os cabelos crespos do menino.
— Desculpe por isso. – pediu alegremente uma mulher de cabelos curtos de dentro do apartamento.
— Que isso… É ótimo que ele tenha essa energia toda. Vai poder brincar muito sem se cansar.
— Só a gente é que cansa. – riu a mãe do menino enquanto tirava três pratos de uma prateleira e os colocava sobre uma mesa na sala de estar. – Como você está?
— Ótima, Dona Maria. E a Senhora? – Otávia entrou com o garoto e fechou a porta do apartamento.
— Indo como dá. Mas precisamos conversar. – respondeu, desligando várias bocas de um fogão. – Até que horas você pode ficar com o Heitor hoje?
— Estou com o dia todo livre hoje. – informou. – Por quê? Vai precisar voltar mais tarde?
— Exatamente. – Maria começou a despejar feijão e arroz sobre os pratos, e, em seguida, voltou ao fogão para pegar três omeletes recheadas com pimentões coloridos. – Hélio e eu temos que ir a um Encontro de Casais na igreja esta noite. Devemos voltar só pelas onze horas. Tudo bem pra você?
— Sim, sim. Não se preocupe. – assegurou Otávia enquanto Heitor a puxava até uma das cadeiras à mesa.
— Mas não vai ficar perigoso pra você voltar? Podemos te dar uma carona se você quiser.
— Não se preocupe com isso. Eu não vou voltar sozinha desta vez.
— Ótimo. – disse Maria sentando-se à mesa. – Depois do almoço vocês podem ir ao parque do condomínio.
— Mãe, mãe, mãe?! – chamou Heitor agitado.
— O que foi?
— O Charles pode ir com a gente? Deixa, mãe, por favor, deixa!
— Vocês pediram à mãe dele?
— Não… ele não tem mãe, mãe. Esqueceu? Mas o pai dele deixou! – explicou.
— Tudo bem. Otávia, depois ligue para o pai do amiguinho do Heitor. Você se lembra dele?
— Claro, pode deixar. Ainda tenho o número do pai dele, assim que você sair eu ligo.
— Perfeito. Agora vamos almoçar.

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