Seis de Novembro

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Primeiro de Novembro.
— Ela consegue nos ver? – perguntou Charles parado ao lado da porta, receando aproximar-se do espírito de Otávia.
A Velha, um dos espíritos do prédio abandonado, estava de joelhos ao lado da garota, analisando todas as suas feridas com paciência. Cada olhar tornava seu semblante mais pesaroso. Ela acenou negativamente com a cabeça.
— Consegue. Um pouco. – disse Marcus, que estava agachado diante de Otávia, fitando seus olhos. – Você disse que as correntes saíram do cajado do anjo?
— Foi. – respondeu Charles revirando o rosto com a lembrança.
— Lucito. – pronunciou Leonardo, o espírito do garoto asiático de óculos escuros que agora estava sentado em um sofá antigo e acabado.
— Era o que eu temia. – confirmou Marcus.
— O que é “lucito”? Do que estão falando? – quis saber Charles.
— Aqueles anjos eram Raonins, anjos batedores. Eles acham que estamos doentes e tentam nos purificar com lucito, o fogo sagrado deles. – explicou o menino gordinho.
— São um bando de sádicos, isso sim. – contrariou Leonardo revoltado.
— Sim. O que eles fazem aos espíritos é pior do que a morte. – concordou Marcus. – Lucito pode assumir várias formas além do fogo, mas continua sendo fogo. Neste exato momento, Otávia está sendo queimada ao poucos de dentro para fora, como se estivesse envenenada por ele.
Charles deu os primeiros passos até Otávia.
— Então… ela vai…
— Não. Ela não vai desaparecer. – Marcus se levantou e olhou para Charles. – Não sua imagem, pelo menos. Mas… todo o resto… se não conseguirmos curá-la…
Pior do que a morte. – repetiu Charles em sua mente, lembrando-se de seu corpo preso a máquinas no hospital, sem realmente estar vivo.
— E… como podemos curá-la?!
Charles revezou o olhar entre Marcus e Leonardo, mas ambos os fantasmas olharam para baixo, o silêncio eram suas respostas. Apenas a Velha o encarou. Levantou-se e juntou as duas mãos, fazendo um símbolo de coração e o colocando sobre a testa.
Dois de Novembro.
— Estão morrendo. – disse Charles vendo a cor seca e pálida de pétalas murchas. – Acha que eu consigo pegá-las?
A Velha acenou positivamente com a cabeça e sorriu. Charles retornou o gesto e voltou-se para as flores. Ambos os espíritos estavam no terraço de uma das casas da comunidade na qual seu prédio abandonado ficava. Os moradores do lugar estavam fora e Marcus havia enviado Charles para achar comida. O garoto sabia que aquele pedido era apenas uma forma de tentar distraí-lo, pois não havia nada aparente que pudesse ser feito por Otávia. Olhá-la durante todo o dia não iria impedir sua tragédia.
— A… a… ajude… - suplicou Otávia em uma lembrança.
Charles fechou os olhos, tentando espantar a imagem da garota olhando para ele enquanto era brutalmente violentada, pedindo por ajuda.
— Não posso aceitar isso. – disse a si mesmo.
Ele abriu os olhos e viu que havia um tremeluzente vaso de flores ao lado do que retinha as que estavam murchas. A planta finalmente morrera. Charles esticou a mão para pegar sua essência fantasma, mas espantou-se ao ver que todo o seu braço estava coberto por veias negras. Sua marca não regredira desde que abandonara Otávia.
O menino olhou para trás e viu que a Velha o encarava. A mulher deu um sorriso amarelo, segurou sua mão enegrecida e fez um sinal de silêncio, prometendo segredo.
— Obrigado. – disse-lhe. – Vamos voltar. Talvez Otávia goste das flores. Talvez ajude. Talvez.
Três de Novembro
— Ela está chorando. – disse Charles sentado ao lado de Otávia, vendo lágrimas descerem vagarosamente por suas bochechas.
— Ela sempre chora quando chove. – comentou Marcus sem olhar para Charles. – Sempre.
O menino gordinho estava parado diante da parede de rabiscos, provavelmente imaginando se teria de cruzar um “X” sobre o desenho de Otávia.
— Quem são os outros? – perguntou-lhe Charles, olhando para os rabiscos de duas meninas gêmeas e um jovem de boné.
— Elas eram Ava e Ana. As primeiras que eu encontrei. Ele é… – Marcus passou a mão pelo “X” que havia sobre o rabisco de Renato. –… alguém que devemos esquecer.
Charles sentiu o ar tornar-se mais gelado, como se tais palavras entristecessem o dia ainda mais.
— O que aconteceu com elas, as garotas? Por que não estão aqui?
Marcus olhou para janela regada pela chuva.
— Foram queimadas. Não tiveram tanta sorte quanto você.
Quatro de Novembro
— Por favor? – suplicou Charles.
— Não. – respondeu Nepecrapto mais uma vez.
— Você disse que ela também era sua aluna. Por que não quer ajudá-la?
Tanto o bizarro quanto o menino estavam no terraço do prédio discutindo sobre Otávia. Algo que fazia com que Nepecrapto rangesse os dentes com irritação, e com que suas lágrimas de sangue fervilhassem em seu rosto alvo.
— Mesmo que eu quisesse ajudá-la, sou um fantasma, assim como você. Não há nada que eu possa fazer contra o fogo sagrado.
— Isso é mentira. Você conseguiu mudar o fogo daquele outro anjo, o que tentou nos queimar.
Nepecrapto sorriu com a lembrança.
— Você tem razão. Posso fazer esse truque mais uma vez… se você quiser que ela desapareça de vez.
— Mas…
— Quando você vai aprender a se desapegar das pessoas? Hein?! Não vê que está fazendo a mesma coisa que antes? Olhe para o seu estado!
Charles deu um passo para trás, assustado com o vociferar gutural de seu tutor, e ainda mais com a cor de sua mão esquerda. Estava completamente azul e cheia de veias negras.
— É só uma mão. Não vai…
— Não, Charles. Vai. – cortou-o Nepecrapto. – Acha que pode controlar isso? Isso controla você, não o contrário. Já está o fazendo.
— Não está! Não estou tentando machucar ninguém. Só quero ajudar Otávia e…
— Por remorso! Aceite isso, Char-les: no momento em que você a abandonou, tirou dela qualquer chance de salvação. Não há nada que nós possamos fazer por ela. Otávia… se foi.
Então Nepecrapto desapareceu, e Charles assistiu sua mão se tornar completamente negra.
Cinco de Novembro
— Qualquer chance… - repetiu Charles para si mesmo. – De dentro para fora…
O fantasma estava sentado em um degrau da enorme escada que interligava os andares do prédio. A negritude de sua mão esquerda avançara até parte de seu pescoço, e sua mente já não estava mais tão sã. Ao invés disso, pensamentos caminhavam como aranhas em sua cabeça, tecendo ideias e lembranças apenas para sugar-lhes o propósito e deixar seus corpos apodrecerem sem nenhuma utilidade.
— A… a… ajude… Estamos doentes. – repetiu, iniciando um quebra-cabeça psicótico e perturbador. – Purificar é pior do que a morte. Ela consegue nos ver? Você a abandonou. – acusou a si mesmo. - Foram queimadas um pouco. A… a… ajude. Fogo sagrado é pior do que a morte. Ela sempre chora quando envenenada de dentro para fora. Não POSSO aceitar isso!! Assim como você, todo o resto continua sendo fogo. A… a… ajude… sou um fantasma. Se desapegar das pessoas? Não POSSO aceitar isso!! Nada que nós possamos fazer… Alguém que devemos esquecer… Nada que nós possamos fazer… Alguém que devemos esquecer… Nada. Nada. Alguém… a… ajude…
— Que tipo planta você andou roubando dos vivos? – zombou Leonardo descendo as escadas até Charles. – Você não parece nada bem.
— Estou ótimo. – disse Charles honestamente.
— Você definitivamente não soa estar ótimo. Ou aparenta. – Leonardo apontou para a mão esquerda e para o pescoço do menino. – Melhor você não deixar isso continuar.
— Já disse que eu estou ótimo. Não se preocupe.
— Sei… já que você está tão bem assim, por que não me ajuda?
— Com o quê?
— Com isso. – Leonardo lhe ofereceu uma garrafa de cachaça. – Acabar isso sozinho seria difícil.
Charles hesitou por alguns segundos, mas, por fim, pegou a garrafa e engoliu um enorme gole.
— É assim que se faz. – comentou Leonardo, sentando-se ao seu lado. – Então, Charlie, você é estranho.
— Falou o cara que usa óculos escuro no escuro.
— Isso é ser estiloso, não estranho. “Estranho” é você estar tão acabado mesmo conhecendo Otávia só há alguns dias, quando nós, que a conhecemos há anos, não estamos assim. Por que essa diferença?
— Nada que nós possamos fazer… nós… - sussurrou Charles para si mesmo. – Talvez eu me importe mais com ela do que vocês.
— Do que eu? Talvez. Do que a Velha? Pouco provável. Do que Marcus? – Leonardo tirou os óculos escuros. – Ele cuida dela há anos. Pode parecer uma criança, mas ele é como um pai para Otávia. E ela é como uma filha para ele. Ninguém se importa mais com ela do que Marcus. Ninguém está sofrendo mais do que ele. Então eu te pergunto: por que você está… assim? O que você fez?
Não havia motivos para evitar aquela pergunta. Desde que decidira fugir, Charles sabia que havia abdicado do direito de fazer parte daquele grupo. Era apenas uma questão de tempo até que suas ações fossem reveladas. Por que prolongar o inevitável?
— Quando eles a pegaram, eu me escondi e fiquei olhando. Não estava esperando uma oportunidade para tirar Otávia de lá. Estava esperando uma oportunidade para fugir. Quando… quando eles estavam muito ocupados com ela, ela me pediu ajuda, e eu… fui embora. Tentei pelo menos. Eu a abandonei.
Charles tomou mais dois longos goles da garrafa de cachaça enquanto Leonardo olhava para o outro lado sem falar nada. Então, o fantasma asiático se levantou, tirou sua jaqueta de motoqueiro, e como não estava usando nenhuma roupa por baixo, revelou toda a parte superior nua de seu corpo. Imediatamente, um símbolo abaixo de seu umbigo chamou a atenção de Charles. Um triângulo vermelho de cabeça para baixo que estava acima de quatro setas invertidas e abaixo de um círculo pequeno. Uma marca que apenas os fantasmas que não aceitavam a morte podiam ter.

— No dia em que eu morri, meus “amigos” e eu estávamos zoando na rua. Quebrando coisas, bebendo, fumando. E outras atividades. Então eu fui atingido por um carro. O motorista foi embora, como se tivesse passado por um quebra-molas. E os meus amigos… eles me deixaram lá. Não quiseram me levar para um hospital, porque estavam ocupados demais se drogando, e não quiseram chamar os bombeiros porque iriam acabar “se complicando”. Então eles esconderam o meu corpo em alguns arbustos do acostamento. Não demorou muito para isso aparecer. – Leonardo apontou para sua marca.
— O que você fez?
— O que qualquer um no meu lugar faria. Fui atrás de cada filho da puta que me deixou pra morrer. Aterrorizei-os por semanas, adiando o dia em que eu os mataria, mas eles sabiam… sabiam que eu os mataria. Sabiam que a vingança estava vindo. Porém… quando eu estava prestes a pegar o primeiro deles, alguém me impediu. Um garoto baixo e gordinho com uma menina de batom marrom.
— Marcus e Otávia.
— Sim. Eles me convenceram a adiar a morte dos desgraçados mais um pouco. E depois disso, eu parei para pensar e cheguei a uma conclusão. Eu fui culpado pela minha morte. Eu me coloquei naquela situação. Eu escolhi confiar naquelas pessoas, mesmo sabendo como elas eram. E o pior, talvez, se um deles estivesse no meu lugar, eu tivesse feito a mesma coisa. Se proteger é um instinto.
— É. Mas Otávia não “se colocou” naquela situação. Não acho que ela faria a mesma coisa comigo. Ela já me salvou antes. A razão de ela estar lá era para me ajudar. Ela não é como você. E eu não sou como os seus amigos.
— Exatamente. Você é ainda menos culpado. Eles tiveram a chance de me salvar, você nunca teve isso. Pode não ter tentado, mas do que adiantaria se você tivesse? Estaria babando no chão como ela, e talvez os anjos até tivessem descoberto este lugar. Você não fez a coisa certa, porque não tinha o que você pudesse fazer. Assim como não tem agora.
— O que eu pudesse fazer… - sussurrou Charles mais uma vez. –… sou apenas um fantasma, assim como você…
“Um coração” lembrava-se Charles. A Velha fizera um coração com as mãos, colocando-o sobre sua testa.
— É isso! – disse o menino levantando de supetão e abraçando Leonardo. – Sei o que fazer. Obrigado!
Seis de Novembro
— Você vai ficar bem? – perguntou Heitor olhando par Charles cabisbaixo.
— Acho que sim. – respondeu o amigo antes que se abraçassem.
Heitor apertou-o contra si mesmo, relutante em soltá-lo por algum motivo do qual não queria se lembrar. Então começou a chover. Uma chuva espessa, morna e salgada. Heitor olhou para cima, sem soltar Charles de seu abraço e viu um rosto choroso delineado pelas nuvens.
— Que estranho… - ele comentou, voltando seu olhar para Charles, mas o garoto não estava mais lá.
Em seu lugar, Heitor abraçava uma menina que usava um vestido branco sujo de sangue, seu rosto estava escondido por seus cabelos.
— Quem…? – perguntou Heitor, afastando-se da garota.
— Meu vestido é branco como a torre. – disse a menina caminhando para trás sem se virar.
— O quê? Espera!
Então correntes enferrujadas saíram de uma poça de água e a puxaram para dentro, afogando-a. Heitor tentou puxá-la, mas a poça secou e desapareceu no mesmo segundo. Confuso, o rapaz olhou ao redor e viu que já não estava mais em um ponto de ônibus, mas, sim, diante de uma imensa torre vermelha.
— Já estive aqui… - sussurrou para si mesmo.
— Távi! Távi! – exclamou um menino ao longe.
Heitor olhou para o lado e viu um menininho correndo pelos jardins que rodeavam a Torre Vermelha. Por onde ele passava, as flores murchavam e morriam. A água da chuva cobria o chão e se elevava cada vez mais até cobrir o garoto completamente.
— Hei! – berrou Heitor, vendo o menino se debater na água.
Ele correu até o menino, mas antes que pudesse alcançá-lo, uma jovem tomou o seu lugar. Uma garota que usava batom marrom e tinha um dos olhos costurado.
— A… ajude… - suplicou a menina, emergindo da água sem mexer o próprio corpo. De sua boca ecoava a voz de Charles. – Nagameiro…
Então a menina se desfez em elos de correntes, objetos que boiaram na água e se reuniram até formar um número.
— Quarenta e dois… - leu Heitor.
A água se agitou em fortes ondas e logo Heitor estava sendo arrastado. A correnteza o levou para longe da torre e o jogou no chão, como uma onda joga sua espuma na praia. Livre dela, Heitor se levantou e se viu diante de um prédio sujo, incompleto e arruinado. De uma de suas janelas, era possível ver uma sombra com cabelos claros e encaracolados, ela estava ao lado de alguém que Heitor não via há anos.
— Távi… - acordou Heitor, suando na cama.
Atormentado pelo sonho, Heitor saiu de sua cama, tomou um banho, vestiu-se e deixou sua casa apressadamente. Sabia aonde deveria ir. Pegou um ônibus e um trem, e logo já podia ver a imensa torre da universidade na qual um dia sonhara em entrar.
— Por ali. – disse a si mesmo olhando para o morro que ficava atrás da estação ferroviária.
Ele caminhou até o pé do morro, no bairro de Nagameiro. Procurou os números nas casas e estabelecimentos até chegar ao que buscava.
— Quarenta e dois. É aqui. – O prédio abandonado que vira em seus sonhos, apresentava-se sólido em sua realidade.
O rapaz tomou coragem e adentrou o lugar. Caminhou por um hall vazio, onde um dia fora uma recepção. Uma porta se abriu ao seu lado, e mesmo que soubesse que era o único ali, Heitor não temeu estar sozinho. Seguiu os sinais, os barulhos e as portas que se abriam até chegar a uma sala na qual havia desenhos em uma parede.
— É aqui…? – perguntou Heitor, e uma lata tremulou no chão em resposta.
Heitor olhou em sua direção e viu uma pergunta arranhada no chão. “Quem é Távi?”.
— É isso o que você quer, Charles? – perguntou olhando ao redor.
— Sim. – respondeu Charles do outro lado.
Ele, a Velha, Marcus e Leonardo estavam parados ao redor do espírito mutilado de Otávia.
— Bem, Távi era uma garota que cuidava de mim quando eu era pequeno. Mas não só isso… ela realmente tinha carinho por mim, e eu por ela. Como uma irmã que eu nunca tive…
— Está funcionando? – perguntou Leonardo olhando para Marcus.
O menino gordinho se agachou ao lado de Otávia e viu que algumas de suas feridas começavam a fechar.
— Sim! Está funcionando! – exclamou com felicidade. – Charles, faça-o falar mais!
Charles olhou para a lata no chão e a fez tremer mais uma vez. Sua pele escurecida aos poucos começava a voltar à normalidade.
— Ela sempre me levava ao parquinho, você ia com a gente às vezes. Sempre nos divertíamos juntos, e, além disso, ela sempre conversava comigo quando eu ficava triste ou irritado. Sabia que eu podia contar tudo para ela. Podia…
A lata tremeu mais uma vez.
— Um dia… eu contei pra ela que você ia mudar de escola, eu estava muito triste por causa disso, mas ela me ajudou. Foi a última vez que eu a vi. – Heitor limpou uma lágrima de sua bochecha. – Nunca me contaram o que aconteceu com ela. Lembro-me de ter ficado muito deprimido. Sempre me lembro dela quando estou assim, ela sempre me ajudava. Eu queria…
Todas as feridas de Otávia haviam se fechado, e um brilho azul claro cobria sua silhueta.
— Queria que ela ainda estivesse aqui.
Então Otávia se mexeu.
— Isso!! – vibrou Marcus pulando de alegria.
A Velha imitava os gestos alegres do menino. Leonardo ria enquanto procurava algum lugar para se sentar. Charles olhava para Heitor, com um sorriso que somente existia em sua presença. E Otávia… olhou para Marcus e levantou-se para abraçá-lo. Ambos chorando com uma mistura de emoções e sentimentos, dizendo tudo o que sentiam um pelo outro sem proferir uma única palavra.
— Obrigado. – disse Charles, fazendo com que o agradecimento fosse arranhado no chão.
Ele voltou seu olhar para a parede de rabiscos; de repente, a obra parecia estar incompleta. O menino reuniu toda a energia que tinha e segurou a lata, o que fez Heitor arregalar os olhos. Então, Charles a forçou contra a parede, arrastando uma de suas partes afiadas pelo concreto até que um novo desenho estivesse completo. E este retratava um menino de cabelos encaracolados. A Velha foi até ele e lhe deu um abraço de boas-vindas, um gesto que foi seguido por Marcus.
— Você já me roubou um abraço. – comentou Leonardo sentado no sofá, fingindo estar alheio aos acontecimentos.
Foi então que Otávia olhou para Charles. Um de seus olhos continuara ferido, uma cicatriz que nunca os deixaria se esquecerem do que aconteceu. Do que Charles fizera. Todavia, para a surpresa dele, a garota sorriu e se juntou ao abraço.
— É aqui que você está agora, Charles? Com Távi? – perguntou Heitor atraindo a atenção de todos. – Muito bem então.
Heitor tirou sua carteira de um dos bolsos de sua calça, abriu-a e pegou um pequeno quadrado de papel. Uma foto sua três-por-quatro. Ele pegou uma pedra e um prego que estavam jogados pelo chão, então prendeu a foto na parede ao lado da imagem de Charles.
— Agora, sim. – disse Heitor se afastando para contemplar as imagens. – Está completo.

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