capítulo 2

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Eu tento imaginar tudo diferente agora. Em minhas fantasias, Gregory não era tão idiota e seu grupo era formado por pessoas legais. Estariam todos vivos, estaríamos todos bem. Afinal, em que ponto da vida houve um erro?
Todos nós frequentávamos o mesmo lugar, tínhamos os mesmos professores, as mesmas aulas, como foi possível nossas diferenças nos levar para um caminho tão sombrio e cruel? Não podemos culpar a juventude, alguns de nós eram bem avançados apesar da pouca idade, enquanto que outros eram mais infantis do que alunos do primário.

Havia algo externo nos corrompendo, nos tornando maldosos. Uma coisa que tirou vidas e desestruturou famílias, alguma coisa precisava ser feito contra isso, mas ninguém viu.

Vamos voltar a falar de Breno, ele foi basicamente o gatilho que efetuou o disparo e que resultou nas minhas cicatrizes. Não! Eu não estou culpando ele. Ele foi a maior vitima nesta historia, eu sou apenas alguém inserido no roteiro por mero acaso.

Estávamos no terceiro ano do ensino médio, mas o inferno de Breno Sampaio começou no final do segundo. Ele nem sempre foi esse garoto introvertido e triste. Breno era alegre e divertido, não éramos amigos, mas todos se conheciam naquela escola e quando eu conheci Breno ele era o total oposto do que se tornou. Vivia grudado com as garotas do time de vôlei e seu jeito extrovertido exagerado nunca passava despercebido. Sua sexualidade não era novidade, todos sabiam que ele era homossexual, mas isso não o incomodava.

Nos falamos pouquíssimas vezes e sempre foi por algum motivo relacionado a trabalhos ou projetos escolares, mas eu sempre ouvia a sua voz pelos corredores. Ele costumava rir muito alto e falar muito alto, mas não incomodava ninguém.

Um dia eu estava sentado numa mesa com vários panfletos coloridos que informavam sobre a festa de boas vindas para os alunos novos. Era uma iniciativa do grêmio estudantil para melhorar a socialização entre os novatos e os veteranos. Eu sempre estava envolvido com essas coisas, ara a minha forma de socializar, nunca fui uma pessoa de muitos amigos e preferia não me envolver muito com a galera, então pra não ser um excluído e me tornar o centro das atenções como o estranho do colégio, eu ajudava na divulgação dos eventos, escrevia peças para o teatro, ajudava o pessoal do coral e seria o futuro orador da formatura.
Me consideravam popular, todos me conheciam, mas eu era um tipo diferente de popular, o tipo que preferia ficar distante.

-- Essa festa vai ser um arraso! - Disse Breno muito sorridente acompanhado das garotas do time de vôlei.

Ele pegou um dos panfletos sobre a mesa e começaram a falar sobre roupas, musicas e garotos. Vestido com suas roupas coloridas e apertadas, Breno gesticulava exageradamente enquanto gargalhava de forma a chamar atenção de todos para si. Eu as vezes ficava me perguntando se a garganta dele não doía, mas nunca tive coragem de perguntar diretamente a ele.

-- Onde podemos assinar? - Ele me perguntou alegremente.

-- Aqui. - Falei apontando para a lista sobre a mesa.

-- Você vai estar lá não é Alex? - Ele me perguntou enquanto assinava a folha, que já estava com mais de cem nomes.

-- Talvez. - Respondi de forma simpática.

-- Você é a única pessoa que ajuda a organizar as festas e não comparece. - Keila, uma das garotas do time de vôlei, falou me olhando de uma forma um tanto provocativa, enquanto mordia o lábio inferior.

Sorri para ela, não como resposta aos seus sinais, mas para não ser mal educado mesmo. Keila era a garota que saia com qualquer cara que aparecesse de repente. E não, não é apenas especulações, ela mesma postava as fotos de cada garoto, a cada três ou quatro dias um diferente, com a seguinte legenda, "O prato do dia é..." não a julgava por isso, ela era uma pessoa divertida e companheira e ficar com vários garotos não fazia dela uma má pessoa, era apenas diversão, eu imagino. No entanto eu não queria de forma alguma aparecer em nenhuma rede social com a legenda informando que eu era algum tipo de "aperitivo" de uma noite apenas.

-- Eu não sou muito de festas. - Falei apenas.

-- Você deveria sair com agente. - Breno disse. - Mudaria de comportamento rapidinho.

-- Imagino que sim. - Respondi e todos riram.

Não aconteceu. Nós nunca saímos, nunca fizemos nada além de nos esbarrarmos vez ou outra pelos corredores e trocar poucas palavras.

********

(2011- noite de segunda feira)

E então lá estava eu, acabei dormindo sobre o laptop, escrever aquela peça estava sendo cansativo. Os meus colegas saíram as sete, por que tinham alguma festa para ir. Eu decidi ficar pra terminar logo, mas o sono me pegou e eu acordei com o celular vibrando sobre a mesa.
Era uma mensagem de Celia dizendo que viria me buscar em quarenta minutos, digitei um sim e levantei da cadeira. Dirigi-me ate a porta e fui direto para o bebedouro, minha garganta estava seca. Pequei um copo de agua e tomei lentamente enquanto observava os folhetos e avisos no mural do corredor. A escola estava vazia e silenciosa, por algum motivo os alunos da noite pegaram férias antecipadas aquele ano então eu estava sozinho ali, devia ter o guarda e algum professor fazendo planejamento de aula, mas decidi não me importar. Quarenta minutos, apenas quarenta minutos e finalmente eu sairia dali. Bocejei.

-- Sono?

Pulei ao ouvir a voz rouca e quase soltei o copo de agua. Me virei as pressas para o individuo e soltei um suspiro de alivio e irritação quando o vi.

-- Que susto, Caio!

-- Desculpe. - falou quase gargalhando. - Eu não quis te assustar.

-- Da próxima vez vem arrastando os pés pra eu saber que alguém esta se aproximando.

-- Certo. - Ele franziu a testa. - O que você esta fazendo aqui?

-- Trabalho.

Levantou as sobrancelhas surpreso e fez uma expressão de indignação.

-- É serio?

Assenti e dei mais um gole na agua.

-- Alex você estuda demais, acho que tem que se divertir um pouco.

-- Eu estou escrevendo o texto para a peça do mês que vem, isso pra mim é uma forma de diversão.

-- Você entendeu o que eu quis dizer.

-- Só acho que vocês deviam parar de tentar me arrastar para as festinhas de vocês.

Ele pegou um copo de agua.

-- certo, então poderíamos jogar videogame qualquer dia. - Sugeriu.

-- Sou péssimo com jogos.

Ele revirou os olhos.

-- Você também não colabora.

Rimos.

-- E o que você esta fazendo aqui? Não me diga que esta no teatro também. - Brinquei.

-- Não. - Jogou o copo descartável na lixeira ao lado do bebedor de inox. - Detenção.

-- Claro, vocês estavam torturando o Breno hoje. - Falei jogando o meu copo na lixeira.

-- Eu não estava torturando ele... - Começou a se explicar.

-- Estava apenas junto deles. - Revirei os olhos. - Já ouvi isso antes.

-- Eu estava tentando impedi-los.

Parei de falar. Não queria discutir ali no corredor. O fato é que eu não gostava daquelas pessoas, mas gostava do Caio e ele sempre se metia nas confusões do primo e mesmo que não tivesse culpa, acabava pagando as consequências. Eu sempre dizia pra ele ficar longe, mas a desculpa dele sempre era a mesma. - Família é família.

-- Acho melhor você voltar para a detenção antes que fique ainda mais encrencado.

-- Você vai ficar sozinho?

-- Eu vou ficar bem, em alguns minutos a Celia vêm me buscar.

Ele assentiu.

-- Então ate amanha.

Sorri.

-- Até.

Ele se retirou indo em direção ao fim do corredor, abriu a porta da sala de detenção e desapareceu do meu campo de visão.

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