(2021)
Assim que eu entro no enorme e bem decorado salão de festas, todos me olham como sempre todo mundo olha. Me sinto sufocado por um breve instante, mas Caio consegue ser o apoio que eu preciso neste momento. Todos tem algo a contar e também querem saber o que eu tenho a dizer, no entanto eu não quero falar, não quero expor nada a eles.
Foi bom rever alguns deles, pessoas que eu até tinha esquecido o rosto, outros que ainda lembrava vagamente. Dez anos depois e lá estão meus antigos colegas da escola, com suas mulheres e filhos e seus paletós e vestidos, todos muito bonitos para a noite de recordações. Alguns se deram bem na vida, tinham bons empregos, belas famílias; outros, no entanto, não estão assim tão bem, com seus vícios, problemas familiares, infelicidade nos empregos.
Histórias, histórias e mais histórias.
Um emaranhado de informações, que cá entre nós, eu dou à mínima. Mas a educação e os bons modos me obrigam a permanecer sorrindo para eles, como se eu estivesse realmente dando atenção ao que estão falando. Alguns conseguem disfarçar a curiosidade e não tocam no assunto que me incomoda tanto, outros, porém, conseguem ser ousados o suficiente para perguntar como eu fiz isso, ou como eu fiz aquilo, o que eu senti quando... São muitas as suas duvidas, mas eu não quero sanar nenhuma delas.-- Desculpe. – Digo apenas. – Não gosto de tocar neste assunto.
E todos entendem a deixa para se calarem.
Procuro Caio, mas ele não esta mais por perto. Estou sozinho e há no mínimo cinco pessoas próximas, conversando comigo. Meu coração já esta acelerado eu tento controlar a respiração para não demonstrar meu nervosismo, minhas mão estão tremulas e as mantenho nos bolsos. As palavras que eles estão dizendo já não fazem muito sentido para mim e já não consigo mais focar em seus rostos. Sinto que vou explodir.
Eu não consigo...
Muitas pessoas...
Eu vou explodir...
Eu vou enlouquecer...-- Alex!
Ouço a voz de Caio e isso me traz de volta a sanidade.
Me viro e o encaro feliz por ele estar ali. Ele está acompanhado por uma mulher e uma criança.
-- Esta é a Alicia. – Caio fala chamando a minha atenção para a garota.
Ela é cinco anos mais jovem do que ele, ainda esta na faculdade e os dois se conheceram quando ele foi substituir um colega em uma determinada matéria do curso de direito. Estão juntos a um ano e meio e esta é a primeira vez que eu a vejo. Alicia é uma mulher encantadora, tem olhos castanhos assim como os cabelos, esta usando um vestido azul e um colar dourado em volta do pescoço. Ela é tão clara quanto Caio e seu rosto é alegre. Ambos têm quase a mesma altura, o que me deixa pequeno assim estando tão próximo dos dois.
-- Ouvi falar muito de você Alex. – Diz ela me abraçando.
-- O Caio sempre foi de falar muito. – Rimos. – Ele também me falou de você, muitas coisas boas alias.
Ela sorri.
-- Acho que vamos nos dar bem.
Olho para o garotinho que está agarrado a mão de Caio.-- Você deve ser o pequeno Calebe. – Ele faz que sim com a cabeça, é um garotinho tímido, muito diferente do pai, devo confessar. – É bom ver você.
O garoto se parece muito com Gregory, os cabelos loiros, os olhos verdes, a pele, as sobrancelhas. Basicamente é a versão mirim de Gregory Allen. O pequeno estava vestido socialmente, e visivelmente envergonhado com a minha presença.-- Caio me disse que você vai embora amanhã. – Alicia chamou minha atenção para ela.
-- Sim, não pretendo ficar muito tempo.
-- Eu pensei em chamar você para passar o final de semana conosco, nós vamos para o lago Bolton e lá é um lugar lindo e...
-- Querida... – Caio a interrompe.
-- O que? – Ela o repreende. – Eu estou fazendo um convite sincero para o seu amigo de colégio, que salvou a sua vida. Deixe-me agradece-lo da minha forma, ok?
Penso em recusar, mas talvez, só talvez, ir com eles pode ser uma boa ideia.
-- Tudo bem. – Falo deixando até mesmo Caio surpreso. – Eu vou tentar adiar os meus compromissos.
-- Ótimo. – Ela fala sorridente.
*********
(2011-noite de segunda feira)O corpo de Yara estava estirado no chão e eu sentado com as costas na parede pensando em como fui capaz de ir tão longe. Ainda seguro o canivete, que usei para golpeá-la. Minhas mãos tremiam e eu me senti enjoado, o corpo ainda doía pela luta anterior, mas eu estava bem.
Eu não me arrependi e achei isso estranho, não creio que ninguém em sã consciência se sente bem depois de ter matado alguém. Mas eu me sentia, era como se um peso saísse dos meus ombros, como se aquilo era o que deveria ser feito, como se fosse o certo.Respirei fundo e levantei do chão, eu não podia ficar ali tão exposto. Eles ainda estavam me caçando e agora em menor numero seria muito mais fácil se esconder deles agora. Mas o que eu realmente queria ficar escondido? Não, eu queria ser encontrado.
Minha roupa estava ensopada de sangue e eu tinha que me livrar de tudo aquilo, estava me sentindo sujo, tanto literal quanto metaforicamente. Corri na direção do banheiro, eu já não andava mais com cuidado, não fazia mais silencio e nem estava preocupado com quem eu pudesse encontrar pelo corredor. Estava me sentindo indestrutível e naquele momento cheguei a imaginar que talvez fosse assim que Ted se sentia quando machucava alguém.
Não.
Eu não era como ele.
Mas...
Não!
Eu não era como ele.Talvez sim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cafeína
Misteri / ThrillerAlex é aparentemente mais um dos vários estudantes do Colégio Benjamim Hills, apos presenciar um assassinato, precisa fugir dos assassinos numa, que vem a se tornar, noite alucinante e como nada é o que parece, Alex acabar deixando despertar um lado...